Para Chávez, Lula, Evo, Correa e Lugo, o socialismo é para ser lembrado em dias de festasCinco presidentes latino-americanos participam ontem, dia 29 de janeiro, do debate sobre a crise da economia e o futuro do continente, durante o Fórum Social Mundial. Além de Lula, estiveram os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; Fernando Lugo, do Paraguai; e Rafael Correa, do Equador.

Os presidentes dirigiram muitas críticas ao capitalismo e às potências imperialistas, taxadas como responsáveis pela atual crise econômica. Diante de um auditório de 8 mil pessoas, Lula criticou a desregulamentação do mercado e disse que o “Deus mercado” quebrou por “falta de controle”. O presidente ainda criticou os defensores do neoliberalismo e de um Estado com pouca presença na economia. Segundo ele, aqueles que faziam críticas a presença do Estado na economia agora defendem que ele deve socorrer os bancos e às empresas em crise.

O que Lula não disse, porém, é que o seu governo fez o mesmo e não hesitou em socorrer os lucros dos banqueiros e patrões. Em outubro, o governo liberou um megapacote de R$ 160 bilhões ao sistema financeiro e mais R$ 19 bilhões aos empresários.

Socialismo
Já Evo Morales, Lugo, Chávez e Correa defenderam a criação de uma nova ordem e a adoção do “socialismo do século 21” em alternativa ao capitalismo. Mas afinal de que “socialismo” falam estes senhores?

Já virou lugar comum a suposta “defesa do socialismo” realizada por esses presidentes, especialmente para dias festivos, repletos de ativistas de esquerda. Mas apesar dos emplumados discursos, todos eles preservam e respeitam a ordem econômica capitalista em seus respectivos países. Sua retórica se encontra bem distante da prática. Todos asseguram a manutenção da propriedade privada dos meios de produção. Com o “socialismo do século 21”, as multinacionais continuam explorando as principais fontes de riquezas naturais destes países, com a mesma sangria de recursos que os governos anteriores proporcionavam.

Na Venezuela, por exemplo, petroleiras como Exxon Mobil, Chevron Texaco e Repsol continuam controlando o petróleo, associadas agora à PDVSA, a estatal petroleira venezuelana. A política econômica do governo Chávez ainda está voltada aos interesses da burguesia do país. Uma prova é o chamado por um “reimpulso produtivo”, feito a um público formado por industriais e banqueiros. O plano acaba com o Imposto a Transações Bancárias. Um grande benefício para empresários e banqueiros, que deixaram de pagar cerca de US$ 3 bilhões. A ajuda veio antes mesmo da crise econômica.

Numa rápida entrevista a imprensa, logo após o encerramento do evento, Chávez declarou: “Serão 50 milhões de empregos que irão se perder em todo mundo, segundo as cifras mais conservadoras, não tanto na Venezuela porque estamos no socialismo e faz pouco tempo que a Venezuela se desenganchou do capitalismo internacional dirigido pelos Estados Unidos”, afirmou. Mais uma vez, a realidade desmente as palavras de Chávez. Oficialmente, segunda noticia a Agência Bolivariana de Notícias, a taxa de desemprego no país é de 6%, e a informalidade atinge pelo menos metade da população.

Enquanto Chávez dizia que seu socialismo impedirá o desemprego, dois trabalhadores da Mitsubishi morreram lutandocontra as demissões na Venezuela. Armados com fuzis, a polícia ocupou a fábrica lançando uma chuva de balas e bombas de gás lacrimogêneo. A Agência Bolivariana não noticiou. O governador do Estado, do PSUV, batizou o seu governo de “revolucionário”, o mesmo governo ao qual os policiais estão subordinados.

A ocupação mostra que a Venezuela não está imune a crise. A queda dos preços do petróleo poderá agravar ainda mais a situação econômica do país, já bastante abalada pela inflação e a falta de alimentos. Como Chávez vai agir diante do recrudescimento das lutas dos trabalhadores na defesa de seus empregos?

Ventos da mudança?
Evo Morales provocou aplausos quando lembrou da aprovação da nova Constituinte boliviana. Mas esconde que a Constituição que foi ao referendo nasceu de um pacto com a reacionária burguesia do país, que assassina indígenas em Santa Cruz. Seu conteúdo incorporou as principais exigências da burguesia das províncias da chamada meia lua: autonomia, ou seja, maior controle sobre os recursos naturais nas suas regiões e, claro, garantia de que seus latifúndios seguirão intactos.

Correa, outro defensor do “socialismo do século 21”, defendeu o fim da exclusão dos povos indígenas originários e o fim da rapina dos recursos naturais do continente pelas multinacionais. No entanto, deve explicar porque a principal entidade indígena do Equador, a CONAIE, o acusa em carta aberta no Fórum de por ignorar direitos fundamentais dos povos indígenas, reprimir violentamente e atacar seus territórios, debaixo do discurso do “socialismo do século XXI”.

Fernando Lugo disse que levará os ventos da mudança para o Paraguai. Mas não há nenhuma mudança para os camponeses pobres do país que agora são reprimidos pelas forças do governo “progressista”.

A repressão no campo se abate de forma cruel. Empobrecidas, as massas camponesas lançam-se desesperadamente em luta por seu direito a um pedaço de terra. A reação do governo e do agronegócio vem sob disparos. Em outubro do ano passado, um dirigente camponês, Bienvenido Melgarejo, tombou morto após levar um tiro no peito durante uma feroz repressão policial contra uma ocupação situada em Colônia Guarani, no Alto Paraná.

Uma das consequências da crise econômica internacional é levantar o debate entre a esquerda para um terreno estratégico. Toda a panacéia neoliberal entoada por anos, de que o socialismo morreu e de que o capitalismo seria a única alternativa, derrete com a economia capitalista. Mas não é a primeira vez que se abusa da palavra “socialismo”. No século passado, a social-democracia a utilizou para ocultar seu programa de reformar o capitalismo. Depois a utilizou para reconstruir o capitalismo na Europa devastado no pós-guerra. Mas ninguém abusou mais do que o stalinismo que se utilizou do “socialismo” para justificar seus crimes, assassinatos e acordos com o imperialismo.

Agora, os governos “progressistas” latino-americanos usam o socialismo como roupa de gala em dias de festa, para garantir o verniz de esquerda e se contrapor à crise do neoliberalismo. A experiência histórica mostra que só existe um caminho para o socialismo: o fim da propriedade privada dos meios de produção, base que sustenta a existência da burguesia. Só assim é possível suprimir a busca do lucro por parte da burguesia, força motriz da produção capitalista, e organizar a economia para satisfazer as necessidades dos trabalhadores.

Pra enfrentar realmente a crise do capitalismo, é preciso bem mais do que palavras. É preciso romper com os seus verdadeiros aliados: banqueiros, empresários e multinacionais.

  • Dois trabalhadores morrem após repressão à greve na Venezuela
  • Por que Chávez não é uma alternativa ao capitalismo