Dor e revolta. Leia o relato de militante do PSTU que estava próximo ao acidente do bondinho em Santa Teresa, no Rio, que deixou cinco mortos.Não há pedidos de desculpas, ninguém se responsabiliza, nenhum secretário é demitido, nada! Após o trágico acidente do bondinho em Santa Teresa, para quem estava lá como eu, a impressão é que pelo menos uma grande novidade, dessas de governos fajutos, fosse anunciada. Nada! A morte, para eles, virou uma grande banalização e agora os governos estão matando até nos bondinhos.

Chegava em casa, no ultimo sábado à tarde, de muito sol e alegria, quando ouvi e vi um cenário de cartão postal, de paz, de lazer e tranquilidade se transformar instantaneamente num verdadeiro inferno. Não cheguei a tempo de ver nosso Nelson, o maquinista, um trabalhador, um verdadeiro herói, que ficou até o fim e deu sua vida para tentar salvar a vida de todos, gritar para as pessoas saírem da frente, pois inacreditavelmente o bondinho descia com freio perdido. Mas cheguei a ouvir o estrondo, parecia que uma casa tinha desabado, e alguns minutos depois a tempo e, graças à solidariedade humana, outros passantes e moradores chegaram também, para ajudar no que fosse possível. Não dava tempo de ficar olhando o estado do bondinho, eram muitos feridos. Não vale a pena, por toda a cena terrível, entrar nos detalhes, mas havia criancinhas, idosos, famílias e turistas com muitos ferimentos e muitos em estado grave. O som do bairro era de muita dor, choro e desespero.


Destroços do bondinho após o acidente

Era inacreditável que algo tão bonito, uma atração do bairro, tivesse feito tão largo estrago. O próprio bondinho estava totalmente destruído e não tínhamos ainda nem noção de todo o estrago causado já que o trenzinho de madeira, tombado, havia se partido, perdendo a metade para cima e todos os bancos se quebraram transformando tudo em estacas afiadas prendendo as pessoas nas ferragens. Um fotógrafo dos sindicatos e que está sempre presente nas nossas passeatas, é morador e vi quando apareceu com sua câmera e registrava as cenas de guerra. Para todos nós são imagens impublicáveis, mas que deveriam ser mostradas e anexadas em processos, que criminalizem judicialmente nossos governantes, em especial o governador e seu secretário de transportes, pelo descaso e irresponsabilidade e também pelos feridos, muitos em estado grave, e ainda pelo assassinato das cinco vítimas fatais.

Os bombeiros chegaram em grande quantidade e mesmo assim ainda foi preciso que mais moradores chegassem para ajudar com os feridos, ou segurando o teto do bondinho para que fosse feito o resgate dos que ficaram por baixo, alguns saíam mortos. Os próprios ônibus, que circulam no bairro, tiveram que ajudar na locomoção dos feridos sem gravidades. Uma grande quantidade de ambulâncias chegava e saia a todo o momento levando os feridos mais graves. À medida que os bombeiros iam controlando completamente a situação, os moradores iam se reunindo em uma grande torcida pelo Nelson, que era uma figura querida dos moradores e trabalhava nos bondinhos há décadas. Sabíamos que tinha se ferido com muita gravidade, mas ainda não tínhamos informes de seu falecimento.

Ligávamos para nossos amigos do bairro para passar e buscar informações já que, em Santa Teresa, quase todos se conhecem. A indignação e emoção tomaram conta de todos, pois outros acidentes já haviam ocorrido e a manutenção dos bondinhos, de 115 anos, e dos trilhos sempre foi completamente precária. Todos choravam muito e a maioria de nós, sujos de sangue, ferrugem e graxa nos encontrávamos completamente desnorteados com toda aquela situação. Os relatos dos moradores, emocionados, que contavam cada detalhe do ocorrido e que denunciavam os governos, eram ignorados pela grande imprensa que chegou muito tempo depois.

Quem anda pelas ruazinhas do bairro sabe que foi uma tragédia bastante anunciada. Os trilhos em vários trechos ou estão muito levantados em relação ao piso de paralelepípedo ou então estão muito abertos em suas extremidades, o que facilitaria um descarrilamento e os fios de contato também precisam ser substituídos. Os moradores e a associação de moradores cansam de denunciar a péssima conservação dos bondes, mas nunca são ouvidos. Alguns têm mais de cinqüenta anos, outros mais de cem e quando as peças quebram, são substituídas por outras remodeladas ou improvisadas.

São poucos os bondes que operam nos trilhos e isso faz também com que fiquem lotados já que a passagem de 0,60 centavos é muito mais barata que os ônibus convencionais. No Bonde da tragédia havia mais de 60 pessoas a bordo quando o limite é de 40 pessoas. Vale a pena lembrar que não é só turista que anda de bonde, muitos moradores de Santa Teresa são pobres e moram em favelas. O trenzinho tem uma referência e uma função social na economia que centenas de pessoas fazem para chegar e voltar do trabalho, escolas e universidades. Não é por acaso que os moradores defendem o bonde estatal, com preços populares, mas sem nenhum sucateamento.

Para nós, do PSTU, ainda é fundamental que seja controlado pelos trabalhadores do bonde e moradores. Para os governos essa lógica não presta. São corruptos! A malha ferroviária de Santa Teresa é a única que restou da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, conhecida Central, que substituiu a Flumitrens, que administrava toda a linha férrea do Rio de Janeiro. Tudo foi privatizado e quando o serviço é estatal e a preços populares, como a operação do Bonde de Santa Teresa, o que sobra é o sucateamento e o descaso dos governos. Substituíram a tecnologia do bondinho por protótipos de VLT, “Veículo Leve Sobre os Trilhos” e desde então os acidentes são constantes levando no ano passado a morte da professora Andréa de Jesus Rezende.

Voltando à trágica cena, em um determinado momento os choros viraram prantos, pois chegava a informação que o Nelson não havia sobrevivido. Os moradores juntos gritavam “Nelson, Nelson, Nelson” em lembrança e homenagem ao maquinista e efusivamente “Fora Cabral” e “Fora Julio Lopes”, atual secretário de transportes, que esteve no local e foi vaiado e xingado pelos moradores. Em respeito ainda ao trabalho dos bombeiros, os moradores aos gritos lembravam também a perseguição e a prisão que sofreram pelo governador.

Muito tempo depois do acidente, os moradores ainda não conseguiam ir para casa. Muitos profundamente abalados queriam saber algum informe das pessoas que ajudaram a socorrer e auxiliavam ainda parentes e amigos que chegavam a todo o momento buscando informações sobre o acidente e as vítimas.


Manchas de sangue no bondinho acidentado

Um ato para ficar na história da cidade e do bairro
O dia seguinte, 28 de agosto, foi um dia de luto para o bairro e também para toda a cidade. À tarde acabamos por nos encontrar todos de novo em frente ao bondinho destruído. O ato já vinha sendo convocado nas redes sociais, mas só tomou fôlego quando começaram a remover o bonde em direção à garagem, que fica numa parte mais alta de Santa Teresa, próximo ao Largo dos Guimarães. Com o bonde sendo empurrado nos trilhos, os moradores iam descendo de suas casas e cerca de 200 pessoas foram acompanhando na frente muito emocionadas. Era visível que muitas pessoas não haviam dormido e outras estavam à base de remédios. Era comovente reencontrar o bonde, amigos do bairro, as pessoas que ajudaram no resgate às vitimas e homenagear o maquinista Nelson.

Todos iam gritando “Fora Cabral! Fora Julio Lopes!” E com um mega fone denunciado cada irregularidade que íamos encontrando nos trilhos e nos fios de alta tensão. O Bondinho, todo destruído e com manchas de sangue, ia desfilando como em marcha fúnebre, pela principal rua do bairro, puxado por um caminhão e empurrado por um trator. Muitos turistas e transeuntes que ainda não tinham visto o bondinho se desesperavam e caiam em prantos instantaneamente.

A polícia militar, de forma deplorável, talvez a mando do ditador do Rio, Sérgio Cabral, posicionou mais de cinco viaturas entre a manifestação e o bondinho e com as sirenes de todos os carros ligadas, faziam um barulho assustador. Uma clara tentativa de coerção e de intimidação à manifestação. Com isso, os manifestantes cantavam palavras de ordem de que a polícia deveria era ir prender o governador e seu secretário, responsáveis pela tragédia.

No final da manifestação, foi lembrado e homenageado novamente os mortos e foi marcada as novas manifestações. No dia 1º de setembro, estaremos às 9h da manhã em protesto na estação do bondinho na Carioca e depois às 21h no Largo dos Guimarães.

  • Chega de autoritarismo e irresponsabilidade do Sérgio Cabral
  • Fora Cabral e o secretário de transporte Julio Lopes
  • Não à privatização e nem o sucateamento, queremos a operação dos bondes sob controle dos trabalhadores e moradores do bairro.
  • Não à modernização dos bondes que só fizeram matar pessoas,
  • Exigimos a recuperação de todos eles para que não aja mais superlotação.
  • Somos contra as mentiras de que não existem peças no mercado, exigimos a preservação dos bondes com peças novas.
  • Contra os desvios de verbas do Bondinho, através do Governo do Estado com a empresa T`Trans.