No final de setembro, foram realizadas as eleições parlamentares na Venezuela. Apesar de o chavismo ter comemorado a “vitória”, o resultado trouxe à luz um profundo desgaste da relação do governo com as massas. Leia abaixo a análise desse processo feita pAs recentes eleições parlamentares na Venezuela foram um acontecimento político com muitos elementos de análise que nos permitem entender a situação da luta de classes no país, tendo sido um “reflexo distorcido”. A intenção deste artigo é iniciar uma discussão sobre os resultados das últimas eleições de 26 de setembro e as perspectivas abertas.

A “vitória folgada” do chavismo
Os representantes do oficialismo, e o próprio Chávez, disseram em todos os meios de comunicação que os resultados do processo eleitoral foram uma “folgada vitória” sobre a oposição. Afirmaram também que, “ainda que não se chegou à maioria qualificada de dois terços, definitivamente o PSUV e o governo saem fortalecidos do processo”. A partir da Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST), consideramos que os resultados expressam claramente um desgaste do governo em sua relação com as massas. Nessa eleição, isso significou um crescimento notável da direita organizada na autodenominada Mesa de Unidade Democrática (MUD).

Apesar da diferença nos assentos conquistados, que é de 36 a favor do chavismo, e de que o PSUV tenha ganho as votações para o Parlamento, a diferença de votos entre a coalizão do PSUV e a “oposição” é de apenas aproximadamente 100 mil votos. Se compararmos com o total de votos das eleições presidenciais de 2006 (pouco mais de 7,3 milhões), os pouco mais de 5,4 milhões de votos marcam um retrocesso de quase dois milhões de votos. Percentualmente, os 62,84% dos votos válidos favoráveis ao oficialismo naquela eleição se viram reduzidos a apenas 50,4% dos votos válidos nas últimas eleições, quer dizer, um retrocesso de quase 12 pontos percentuais. Igual dinâmica, ainda que em menor medida, observamos se compararmos com a votação obtida no referendo revogatório de 2004 (55%) e nas eleições regionais de 2008 (52%).

Essa diferença é bastante pequena. Também é preciso agregar que ela foi de somente 100 mil votos, apesar de o PSUV utilizar todo o aparato estatal para fazer campanha, utilizando até a exaustão a figura de Chávez para “promover” os candidatos e mobilizando para fazer campanha “sob pressão”. Por vezes, ameaçando retirar benefícios daqueles que recebem ajuda das missões, dos trabalhadores do Estado e das “empresas socialistas”.

O voto punitivo no chavismo e o crescimento eleitoral da oposição abrem as portas para um rearranjo da oposição de direita. A reacionária direita venezuelana, bastante antidemocrática, pró-patronal e antioperária, vem recuperando espaço eleitoral. Isso fica claro ao se comparar o percentual de 36,9% dos votos válidos obtido nas eleições de 2006, com a dinâmica posterior: 48% nas regionais de 2008 e aproximadamente 47% em 26 de setembro.

Consideramos que o espaço ganho pela direita se explica principalmente pela própria política e pelo programa que vem sustentando o chavismo durante os últimos anos. Em primeiro lugar, e apesar de algumas tímidas medidas, o nível de vida da maioria dos venezuelanos vem sofrendo uma importante deterioração: os salários seguem perdendo “poder aquisitivo”, como consequência dos aumentos fracionados do salário mínimo de 20% nos anos de 2008-2009; e de 25% neste ano, frente à inflação acumulada que fechou 2008 e 2009 em 30,9% e 25%, respectivamente, enquanto que até agosto deste ano já alcançava 19,9%. Esses números deixam claro que tais aumentos não alcançaram sequer a recuperação das perdas salariais causadas por esse flagelo chamado inflação. A isso devemos somar o atraso e o congelamento da discussão de convenções coletivas no setor público.

Desemprego
Outro elemento é o aumento do desemprego, que está agora, segundo os índices mais conservadores, por volta de 8%. Combinado a isto, o crescimento do emprego informal e precarizado que faz com que milhões de venezuelanos não possam ter acesso a produtos básicos. Esse fato está inserido na crise econômica, que desde 2008 até hoje foi “resolvida” pelo governo colocando seu peso sobre as costas da classe trabalhadora. Os fechamentos de empresas, planos de “austeridade” e milhares de demissões que continuam sendo anunciados só vão agravar a situação. Podemos mencionar também os cortes nos gastos públicos e sociais, que se traduzem na piora dos serviços públicos, principalmente na saúde e na educação, a falta de recursos para as missões sociais e a crônica escassez de produtos nas redes de comercialização de alimentos estatais.
Em segundo lugar, as eleições expressam um franco repúdio da abundante corrupção na gestão governamental. Exemplos disso são encontrados em casos como o da PDVAL, a empresa estatal de distribuição de alimentos dentro da qual apodreceram mais de 122 toneladas de alimentos importados beneficiando uma ampla rede de funcionários governamentais, que permanecem impunes.

Ataques às organizações dos trabalhadores
Em terceiro lugar, consideramos que esse desgaste se explica também pelos ataques do governo às liberdades democráticas dos trabalhadores e trabalhadoras. Encontramos exemplos disso nas pressões e ameaças recebidas pelos funcionários públicos e trabalhadores de empresas do Estado para se filiarem obrigatoriamente e fazer campanha para o PSUV (partido de Chávez).

Igualmente encontramos esses ataques nos múltiplos casos de criminalização dos movimentos sociais, em muitos casos mediante a repressão direta e em outros mediante a repressão seletiva, a prisão de dirigentes sindicais, indígenas e populares e as demissões de dirigentes que, sendo trabalhadores da administração pública ou de empresas estatais, se atrevem a realizar algum tipo de ação de defesa de seus direitos.

Finalmente, em nível regional, o chamado “voto punitivo” contra a corrupção e a má gestão governamental foi sumamente claro, a ponto de que em certos casos os votos por lista obtiveram até 60%, enquanto os votos nominais não chegaram a 15%, como no caso de alguns circuitos eleitorais de Sucre e Anzoátegui.

Esclarecimentos importantes
De nenhuma maneira consideramos que a situação seria melhor se estivesse no poder a MUD, coligação da oposição de direita ao governo. Está claro que os políticos burgueses reciclados somente criticam a corrupção e enchem a boca de “crítica democrática” como forma de ganhar apoio eleitoral.

Mas já demonstraram no passado, no governo, que se encarregariam desde o princípio de desmantelar as conquistas que os trabalhadores obtiveram mediante greves e nas ruas nestes últimos anos. E se encarregariam de aplicar planos de fome e medidas antioperárias, como fizeram em todos os anos que estiveram à frente do Estado.
Por outro lado, sabemos que existem milhares de trabalhadores e ativistas honestos, que se dizem chavistas, lutando diariamente nos sindicatos, nas comunidades e em seus locais de trabalho para conquistar melhores condições para os trabalhadores, expondo por vezes sua própria vida.

A responsabilidade é da direção do PSUV, do próprio Chávez e da burocracia governamental, que sustentam um programa e uma política claramente burgueses que, longe de levantar uma saída socialista, na realidade despejam os efeitos da crise econômica sobre os ombros dos trabalhadores e do povo venezuelano. E, apesar do que se diz, seguem construindo um país cada vez mais dependente de sua renda petrolífera e, portanto, do imperialismo, fomentando por outro lado a construção de uma nova “boliburguesia”. Para além da retórica, esse programa de nenhuma forma aponta uma saída socialista para os trabalhadores.

O que os trabalhadores podem esperar?
Consideramos que esse novo parlamento de nenhuma forma vai resolver os problemas da classe trabalhadora venezuelana. Reivindicações como regime de retroatividade das prestações sociais existentes desde 1997, redução da jornada de trabalho, escala móvel de salários, entre outras questões pelas quais temos lutado, como a reforma da Lei Orgânica do Trabalho, evidentemente não serão aprovadas sem a organização e mobilização independente das massas venezuelanas.

Isso não se deve ao fato de que o PSUV não chegou à maioria absoluta de dois terços – inclusive, acreditamos que faz pouca diferença. Apesar de ter uma esmagadora maioria desde 2005, o oficialismo não aprovou nenhuma das reformas acima mencionadas.

Construir uma alternativa classista e independente
A tarefa mais urgente é construir uma alternativa classista, socialista, independente e democrática. Consideramos que a única forma de lutar contra o avanço da direita é a construção dessa alternativa, e jamais com a defesa incondicional das ações do governo do PSUV.

Pelo contrário, esse apoio incondicional à direção de Chávez e do PSUV facilita as condições para o rearranjo da direita opositora, como claramente o demonstra o resultado das eleições recentes.

Uma saída socialista implica hoje lutar pela imediata redução da jornada de trabalho – caso contrário, seguirá crescendo o desemprego. Implica proibir as demissões. Implica que, diante da ameaça de fechamento de empresas, estas sejam expropriadas sem nenhuma indenização.

Implica nacionalizar as empresas mistas, por meio das quais as transnacionais hoje levam boa parte da renda petroleira que pertence ao país. Implica na nacionalização do sistema financeiro e num programa de industrialização sério que permita o desenvolvimento de uma indústria venezuelana que crie trabalho e permita lutar contra o caráter dependente do país.

A UST se põe a serviço dessa luta, da construção dessa unidade ao redor de um programa revolucionário a partir das lutas cotidianas, de nossa ação nos sindicatos e demais organizações populares, e a partir da mobilização.
Porém, não nos consideramos a “alternativa acabada”. No entanto, temos a clareza de que sem um partido revolucionário, que levante como mínimo o programa que mencionamos, por fora da burocracia e do governo, não poderemos conseguir impor essas conquistas. E hoje estamos dando uma batalha para construi-lo.

Chamamos todas aquelas pessoas e organizações que levantam as bandeiras da revolução socialista, para que se juntem a nós na construção dessa alternativa, dessa saída socialista, para defender as conquistas da classe trabalhadora, que hoje estão sob clara ameaça.
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