O governo não tem propostas para o problema da terra e apela para a mentira e a demagogia para enganar. Enquanto isso, nós vamos continuar as ocupações de terra e os bloqueios de caminhos para conseguir nossas reivindicações, disse, em 23 de outubro, Tomás Zayas, dirigente da Frente Nacional de Luta pela Soberania e a Vida (FSV) e dirigente do Partido dos Trabalhadores do Paraguai.
Nesse dia, a Frente, que aglutina organizações operárias, camponesas, estudantis e populares, decidiu convocar um Paro Cívico Nacional (greve) a partir 16 de novembro, por tempo indefinido. As principais reivindicações são reforma agrária, aumento de salários, aumento dos gastos sociais e não à criminalização das lutas populares.
Desde meados de agosto, a Frente, que aglutina também a Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas, vanguarda na luta pela terra, vinha dirigindo ocupações massivas de propriedades exigindo um pedaço de terra onde produzir para viver dignamente e uma reforma agrária com condições para cultivar e comercializar.
Nos dias 21 e 22 de setembro, cerca de cinco mil famílias ocuparam 22 propriedades (90 mil hectares), em sete municípios. A falta de resposta do governo nos deixa sem alternativa, explicou Tomás Zayas.
Eram na maioria latifúndios ocupados por empresas transnacionais e grandes empresários brasileiros dedicados, principalmente, à produção extensiva de soja.
O governo de Nicanor Duarte Frutos, a serviço dos latifundiários, anunciou sua intenção de “expulsar os camponeses invasores de propriedades privadas porque a lei deve ser respeitada e cumpridas as ordens judiciais custe o que custar“.
Enquanto prometia terra e reforma agrária, o governo ordenou que a Polícia Nacional reprimisse as ocupações, deixando dois mortos, quatro feridos e dezenas de presos. A Justiça se encarregou de processar os ocupantes por invasão de propriedade privada e resistência aos mandatos judiciais.
Com a criminalização das lutas sociais, hoje já são mais de 1.500 lutadores processados. Entretanto, os latifundiários contam com jagunços armados que ameaçam e atuam com total impunidade.
Paro Cívico Nacional: uma dura prova
O Paro Cívico Nacional foi uma dura prova para os trabalhadores. A repressão foi enorme, deixando mais de 200 camponeses presos.
Apesar da chuva, havia piquetes em três dos principais acesos à capital paraguaia, organizados por trabalhadores do transporte coletivo e estudantes universitários. No interior do país, entre 7 e 8 mil camponeses em oito dos 17 departamentos (estados) em que se divide o Paraguai participaram de bloqueios de estradas. O número foi crescendo nos dias seguintes até chegar a 15 mil camponeses mobilizados simultaneamente com piquetes de até 4 mil pessoas em alguns lugares.
No dia 23, depois de negociações com o governo, que se comprometeu em retirar gradualmente os militares dos assentamentos e das ocupações e retomar as discussões sobre as reivindicações, o paro foi supenso. O movimento passou por uma prova difícil e aguentou firme e unido, e com disposição de continuar a luta.
ENTENDA A CRISE AGRÁRIA NO PARAGUAI
Para compreender o porquê das ocupações de terra no Paraguai é preciso entender duas questões.
Primeiro: o Paraguai é o país da América Latina com maior desigualdade em relação à terra: 1% dos latifundiários detêm 77% das terras, enquanto 83% de pequenos produtores possuem apenas 6% da terra cultivável. Segundo: a imposição, durante a década de 90, do modelo agro-exportador baseado no monocultivo da soja e a entrada de empresas transnacionais e grandes empresários, principalmente brasileiros, para investir em produção extensiva e mecanizada.
Esse modelo trouxe conseqüências graves ao país. Uma maior concentração das terras e sua exploração capitalista, com alta mecanização para a agro-exportação, levando à destruição da pequena produção camponesa para consumo.
Provocou também a expulsão do pequeno produtor do campo, criando um exército industrial de reserva com mão-de-obra barata e disponível nas cidades; a dependência alimentícia, que aumenta a miséria e a fome; o avanço da produção em grande escala, destruindo os recursos naturais e a associação estreita entre produtores de soja, latifundiários, grandes bancos e transnacionais, que se transformam em uma máfia empresarial rural.
A eliminação do pequeno produtor e sua expulsão da terra aumenta a parcela dos sem-terra: cerca de 150 mil famílias, mais de 700 mil pessoas.
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