Os 16 mil ativistas que ocuparam as largas avenidas de Brasília sob forte sol vieram de 26 estados para protestar contra as reformas neoliberais do governo, contra sua política econômica e a corrupção que rola solta no Congresso e no governo. Algumas caravanas viajaram mais de 40 horas. Todos esses ônibus foram pagos com as contribuições dos próprios trabalhadores, de seus sindicatos, com campanhas de venda de bônus. A marcha foi convocada por diversas entidades como Conlutas, Intersindical, Conlute, Pastorais Sociais, Cobap, Andes, MST, MTST, MLST, e diversas outras de todo o país.

Ao mesmo tempo em que iniciava a marcha, que partiu às 10h do estádio Mané Garrincha, Lula se reunia com os 100 maiores empresários do país, deixando ainda mais evidente a prioridade deste governo.

Mas lá fora não faltou criatividade e animação na marcha para criticar o governo que tira dos pobres para dar aos ricos. Durante todo o percurso, os participantes cantavam refrões contra as reformas, como “um, dois, três, quatro, cinco mil / ou pára estas reformas ou paramos o Brasil” ou “olê olé, olê olá/ Esse Reuni não vai passar/ Ocupo reitoria para não privatizar!”.

O Sindsef-SP (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal do Estado de São Paulo) apresentou uma performance satírica, ao som de Tango do Covil, música de Chico Buarque. Treze pizzaiolos com faixas de deputados e senadores dançaram junto com o personagem Renan Calheiros e a Dona Corrupção, vestida de dourado e com notas de dinheiro no vestido.

Já o Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) fincou 100 espantalhos na Esplanada, com diplomas nas mãos e etiquetas do Reuni, projeto do governo federal para privatizar a educação superior. Os espantalhos fazem referência ao personagem empalhado do filme O mágico de OZ, que ganha um diploma que nada vale.

Nos microfones
O ato principal ocorreu em frente ao prédio que reúne o Ministério da Previdência e o Ministério do Trabalho.

Zé Maria de Almeida, falou pela Coordenação Nacional da Conlutas. “No mesmo dia em que ele [Lula] se reúne com os tubarões do lado de lá, aqui estão os trabalhadores de todo o país lutando pela manutenção dos seus direitos. Esta reforma não vai passar”, disse. “Vamos sair daqui e ir para as escolas, fábricas, bairros e organizar a população, organizar uma grande paralisação nacional, vamos parar a produção. Não vai passar!”, finalizou.

Camila Lisboa, estudante da Unicamp e membro da Conlute, ressaltou: “se no primeiro semestre a gente construiu uma grande ocupação na USP contra os decretos de Serra, no segundo semestre, as federais estão ocupando contra o Reuni, contra os decretos do Lula. Enquanto isso, a UNE está a favor do governo, a favor do Reuni, contra as lutas dos estudantes. E a juventude também está junto com os trabalhadores contra as reformas que retiram direitos”.

Das Pastorais Sociais de São Paulo, Valdemar Rossi, disse que as reformas neoliberais são mais do que uma traição aos trabalhadores, “são traição àquele clima de esperança do povo brasileiro que elegeu este governo e esperava as transformações sociais. Mas, infelizmente, ele caminhou para outro rumo, organizando a traição e o roubo de direitos que construímos com tanta luta. Não vamos aceitar pacificamente esta traição, estamos dispostos a parar este país se for preciso para que nossos direitos sejam respeitados”.

Representando o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a ex-senadora Heloisa Helena disse que seu partido “está junto com todos os partidos e movimentos sociais, juntando forças políticas pra dizer bem alto fora todos os corruptos que roubam dinheiro do povo: fora os corruptos que dão sustentação a esse sistema e têm a ousadia de querer aprovar reformas neoliberais, roubando mais uma vez o povo”.

Luís Carlos Prates, o Mancha, falou pelo PSTU, saudando os lutadores que viajaram milhares de quilômetros para fazer o maior ato contra o governo Lula. “Só tem um caminho para derrotar as reformas neoliberais, esta famigerada reforma da Previdência. Este caminho não é o conchavo dentro do Congresso. É a ação direta, a mobilização”, disse.

Mancha lembrou ainda que “este ano, comemoramos 90 anos da Revolução Russa e hoje é necessário retomar a perspectiva da revolução. É preciso uma revolução socialista neste país! O socialismo não morreu, e esta manifestação é demonstração clara disso. Viva a Revolução Russa! Viva a luta dos trabalhadores brasileiros!”.

Um mega-ato contra este governo
A importância deste 24 de outubro é grande. Além de ser um ato de grandes dimensões realizado contra os ataques do governo Lula aos trabalhadores, esse protesto pode influenciar de forma decisiva o (não) andamento da reforma da Previdência, prevista para ir ao Congresso ainda em 2007. Foi uma grande vitória política, que deu continuidade àquele calendário de lutas unitário aprovado no Encontro Nacional de 25 de março.

É uma pena que alguns abandonaram aquele calendário no meio do caminho. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que não estava no Encontro de março, mas assumiu a convocatória do dia 23 de maio, já havia rachado o Plebiscito Popular, encaminhando uma votação com apenas uma pergunta. Agora, para esta marcha, a central governista mostra sua cara. Não apenas não participou do ato, mas está chamando um outro protesto governista para dezembro.

Já o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), infelizmente também não participou da marcha. O Movimento foi um dos protagonistas dos atos de 23 de maio, realizando ocupações em todo o país junto com as outras entidades que chamaram aquele dia de luta. Mas nesta marcha, o MST se ausentou. Diante dos massacres que vêm ocorrendo aos sem-terra em todo o país, da inexistência de qualquer reforma agrária, da reforma da Previdência que acaba com a aposentadoria dos trabalhadores rurais, voltamos a chamar o MST a romper com este governo para ser coerente com suas próprias lutas no campo.

Ausências como a do MST foram sentidas. Em todo o país havia grande disposição de participação na marcha. O ato foi grande e poderia ter sido ainda maior, pelo que foi constatado nas listas lotadas. O estado de São Paulo, por exemplo, trouxe 80 ônibus, mas tinha potencial para 120. Em vários outros lugares, as listas também lotaram e, se houvesse dinheiro para mais ônibus, haveria pessoas para enchê-los.

Apesar das rupturas na unidade construída no início deste ano para o calendário de lutas, a Marcha foi grande, e os ativistas de todo o país mostraram sua disposição de luta. Agora, as reuniões dos dias 25 e 26 vão definir os próximos passos da mobilização contra as reformas. Para dar continuidade ao calendário, está sendo construída a proposta de um novo Dia Nacional de Luta, a exemplo do que foi o dia 23 de maio, com atos nos estados, paralisações nas categorias, bloqueios de estradas, ocupações. A marcha foi vitoriosa e a luta continua!