Enquanto isso Evo Morales propõe um pacto de conciliaçãoSe é verdade que o referendo revocatório não gerou nas massas bolivianas uma expectativa de resolver a grave crise política no país, é inegável também que houve expectativas de que ao menos a amenizasse. Nem bem se concluiu o resultado oficial, a Bolívia voltou a ferver. No dia 12 de agosto, Evo Morales chamou uma reunião com os prefeitos opositores e propôs um pacto, uma quase rendição. Ofereceu à oligarquia legalizar os estatutos autonômicos. A forma seria colocar a reivindicação central dos estatutos, a autonomia departamental, dentro do projeto de nova constituição aprovado na Assembléia Constituinte. Depois, submeter esta nova versão do projeto de constituição a um referendo popular.

É uma proposta perigosa. Primeiro, porque, depois da nacionalização dos recursos naturais, a luta mais forte dos camponeses e indígenas era a Constituinte para garantir a autonomia indígena. Ou seja, que esses povos tivessem o direito a território, terra e controle sobre os recursos naturais de suas terras. Os estatutos autonômicos da oligarquia é uma muralha contra esse direito. Foi a forma encontrada pela burguesia da Meia Lua para emperrar a aprovação da nova constituição e, assim, evitar a autonomia indígena e, claro, garantir os latifúndios de soja e os recursos naturais no subsolo do departamentos de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando, controlados por eles.

Mas Evo, como um governo de conciliação de classes acossado pela oligarquia e frente a crescentes reivindicações operárias, como a lei de pensões, propôs juntar esses dois projetos antagônicos. Como isso vai repercutir nas bases indígenas? Nos próximos dias, a questão vai estar mais clara.

No momento, o que é claro é que a oligarquia não aceitou a oferta de Evo. Saiu da reunião anunciando que a proposta de constituição é do MAS e, por isso, é inegociável. Se o governo quer um pacto nacional, deve ser sob uma outra proposta de constituição, dizem. Além disso, colocou como “bode na sala” para as negociações a devolução por parte do governo, do imposto reduzido às prefeituras. É o IDH (imposto direto sobre os hidrocarbonetos). Evo havia reduzido ano passado para pagar seu projeto assistencialista de renda dignidade. O mais grave não foi que a meia lua não aceitou a oferta, é que já saíram atacando.

No dia 16, Santa Cruz parecia um campo de guerra. O comitê cívico e sua tropa de choque a UJC (União Juvenil Crucenista) sob às ordens da prefeitura, com uma manobra de que a polícia estava tentando impedir uma manifestação de pessoas portadoras de necessidades especiais, se enfrentaram com a polícia. Colocaram para correr todo o contingente policial a porretes. Em seguida, o prefeito anunciava que Santa Cruz deve ter sua própria polícia, não mais indicada pelo governo nacional. Essas tentativas de criar uma polícia própria não são de agora. É uma das cláusulas dos estatutos autonômicos. Evo anunciou que polícia em qualquer departamento é responsabilidade do governo e que vai abrir processo judicial (a corte de justiça na Bolívia é controlada pela oposição) contra o prefeito Ruben Costa e Branko Marincovich, do Comitê Cívico.

É impressionante a mão suave que tem o governo com a oligarquia e a mão pesada com a classe trabalhadora. Recordemos que há poucos dias morreram dois mineiros vítimas da repressão policial do governo porque estavam em greve reivindicando o direito a uma aposentadoria justa. Apesar dos questionamentos que alguns setores sociais têm ao governo, votaram massivamente em Evo, mas era comum ouvir falar: “mas tem que ter mão dura com essa oligarquia racista”.

Por outro lado, a COB que havia dado 45 dias de prazo ao governo, anunciou: ou tem uma nova lei de pensão, ou vai ter greve geral. Evo tem poucos dias para entregar aos trabalhadores um projeto que garanta o fim das administradoras de fundo de pensão e um sistema solidário, com idade de 55 anos e aporte tripartite.

Novamente, a oligarquia bate. Está na ofensiva. No dia 19 de agosto, fez uma paralisação cívica nos cinco departamentos. Evo, com 67% de apoio popular parece mostrar toda sua covardia e incapacidade de cumprir a tarefa mínima que pede o povo boliviano: enfrentar a oligarquia.

Que não fique um milésimo de grão de dúvida: os trabalhadores urbanos, os camponeses e os povos indígenas não vão aceitar a ofensiva da oligarquia de forma passiva. Foi convocado um encontro social para dia 26 em Cochabamba. A tarefa é discutir como avançar na luta contra a burguesia oligárquica. Evo, no mais elevado patamar de seu apoio popular vai ser colocado a uma prova forte diante das expectativas que tem as massas bolivianas em seu governo. Os próximos dias de outono na Bolívia serão, definitivamente, muito quentes.