Na tarde da última quinta-feira, 22 de março, o compositor e repentista Geremias Pereira da Silva, mais conhecido como Gero, foi espancado até a morte pelos policiais militares José Expedito Ribeiro Farias e José Waldimar Carvalho, do 9º Batalhão da Polícia Militar. Os dois PMs foram presos em flagrante e estão detidos no Plantão Central da RFFSA, mas há indícios que existem outros envolvidos por negligência e por tentativa de proteger os assassinos.

Gerô foi abordado por volta das 13h no terminal de ônibus Integração, na Praia Grande. A entrada no hospital público Djalma Marque, conhecido como “Socorrão I”, entretanto, só foi registrada às 16h30. Nestas três horas e meia, Gerô foi vítima da brutalidade dos dois policiais e da omissão de outros que assistiram às cenas de violência. O pretexto para o crime foi que Gerô teria sido apontado por uma senhora – que até o momento não foi identificada – como possível assaltante.

Crueldade deliberada
O Jornal Pequeno, órgão da imprensa local que cobriu o caso, informou que, diante do grave estado de Gerô, já quase morto, os policiais o levaram até o Plantão Central, cujo delegado não quis receber o cantor e sequer tomou providências contra a brutalidade que presenciara. Os dois PMs foram, então, ao Primeiro Distrito e relataram ao delegado Eduardo Jansen que Gerô era um doente mental que deveria ser encaminhado ao hospital. O delegado acreditou na versão dos criminosos e concedeu o encaminhamento mesmo sem ver a vítima.

No Primeiro distrito, o delegado Castelo Branco, da Delegacia de Costumes e Diversões Públicas, assistiu ao espancamento. Os policiais tentaram colocar Gerô no porta-malas da viatura. Ao não conseguirem, deram seqüência ao espancamento, com Gerô já desacordado. Castelo Branco, que observava a cena, diz que “pediu” que eles parassem e não foi atendido. Nenhuma atitude de fato foi tomada para que cessasse a agressão.

Já morto, uma viatura levou Gerô ao hospital numa viatura. Os policiais envolvidos – nesse caso, todos e não apenas os dois que golpearam o cantor – ainda tentaram atenuar ou abafar o crime, dizendo que a vítima havia “passado mal”.

No laudo preliminar do IML, consta quatro costelas fraturadas e hemorragia interna num rim. No corpo, Gerô carregava múltiplas escoriações, os punhos feridos pelas algemas – ele esteve o tempo todo algemado, sem nenhuma possibilidade de defesa – e a marca impossível de apagar do racismo e da repressão policial.

Indignação e protesto
O crime aconteceu um dia depois do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em memória do Massacre de Shaperville, em 1960, quando 69 sul-africanos foram mortos. No Maranhão, a barbaridade da PM chocou a população e causou a revolta de militantes do movimento negro e da esquerda do estado. Está marcado para às 15h30 desta sexta-feira, 23, um ato de protesto na praça Deodoro, no centro de São Luís.

Gerô era negro, artista, tinha 46 anos e morava na vila Cidade Operária, na capital do Maranhão. Atualmente, ele respondia a um processo movido pelo presidente da Fundação Municipal de Cultura, o arquiteto Adirson Veloso. A razão do processo foi um cordel composto por Gerô, em que ele denunciava Veloso. Segundo informou o site Badauê, ele teria sido condenado a prestar serviços de faxineiro.

O repentista tinha atuação política e era muito conhecido no meio artístico da cidade. Ao velório, compareceram diversos artistas e militantes de várias organizações, indignados com o ato explicitamente racista.

Um crime como esse deveria ter repercussão nacional, chocar e levantar revolta na população brasileira. Gerô, entretanto, não era morador da Zona Sul carioca, não era branco.

Infelizmente, esse não é um caso isolado: acontece todos os dias, às centenas, no pobre Nordeste ou nos morros cariocas; nas favelas paulistas ou nos subúrbios do sul. As vítimas, em sua maioria, são sempre as mesmas: pobres, negros, oprimidos, tão distantes das campanhas de combate à violência encampadas pelas ONGs e pela mídia.

A morte de Gerô traz uma reflexão: estamos, infelizmente, muito distantes da igualdade racial. Ela só virá com o fim do capitalismo, quando os negros deixarão de ser mão-de-obra barata superexplorada e não mais servirão apenas para engordar os lucros dos empresários.