Redação

Viva a luta de todas as mulheres trabalhadoras e pobres contra a opressão e a exploração capitalistaMais um 8 de Março se aproxima e, neste 2008, estamos comemorando o centenário de nascimento de Simone de Beauvoir. Ela escreveu em 1949 um livro fundamental para a compreensão da problemática feminina, O Segundo Sexo. Nesse livro, que foi um marco na luta das mulheres em todo o mundo, ela diz sua frase que ficou mais famosa: Não se nasce mulher, torna-se mulher. Com isso, Simone de Beauvoir questiona um dos mitos mais perigosos sobre a mulher, de que há uma essência feminina, de que existe A mulher, a feminilidade, o eterno feminino, o ser mulher, o mistério feminino e outras frases do tipo.

Essas nada mais são do que palavras que estigmatizam a mulher, são armadilhas que a aprisionam numa suposta diferença original, a exemplo do que também se faz com o judeu e com o negro, para melhor transformá-lo no outro, entendido como ameaçador, o diferente, o não comum. Mesmo quando ditas com boas intenções, essas palavras são o próprio álibi da opressão e da tutela exercidas milenarmente sobre a mulher.

Uma ideologia para controlar a mulher
O que chamam de “essência feminina” nada mais é do que a fragilidade, a fraqueza, a infantilidade, sentimentos e condições que atingem a todos os seres humanos, homens e mulheres, mas que são entendidos como sendo próprios das mulheres, constitutivos delas. Ser mulher é ser uma pessoa indefesa, insegura, frágil, emotiva e infantil. Como uma criança, ela é sempre vista como alguém que necessita do outro para ampará-la, e esse outro é sempre um homem. A história nos mostra como isso se manifestou em costumes, hábitos e crenças que afetaram profundamente as mulheres.

Na China as mulheres tinham os pés enfaixados para que se mantivessem pequenos. Muitas vezes os pés eram quebrados e calcificavam assim, quebrados. Criou-se uma ideologia para justificar esse costume tão brutal, de que os pés pequenos são mais bonitos. Mas a verdade é que faziam isso para a mulher não fugir, já que era tida como propriedade do homem para trabalhar para ele, como escrava. Com os pés enfaixados e pequenos, as mulheres andavam mais devagar, caminhavam vacilantes, inseguras, precisando ser amparadas. Esse andar vacilante lhe conferia um ar de fragilidade e dependência, e ao mesmo tempo conferia ao homem uma posição de superioridade e força.

Mas a “essência” feminina tem várias caras. Além da fragilidade, tem também a conotação de ser diabólico, carnal, idéia presente em quase todas as religiões. A mulher representa a carne e o homem, o espírito. A carne é sempre impura, e o papel da mulher é tentar o homem ao pecado. Na maioria dos países muçulmanos as mulheres têm de cobrir-se da cabeça aos pés, para não tentar os homens. Mas na verdade isso também as torna seres mais frágeis, como se não existissem, para não disputar com o homem o direito de herança e da guarda dos filhos.

Essas são todas construções culturais e históricas, que foram se transformando no decorrer no tempo, e sempre refletiram as condições sócio-econômicas da sociedade.
Daí a frase de Simone de Beuvoir ter sido tão importante para as lutas das mulheres em seu tempo e até os dias de hoje: não se nasce mulher, se faz mulher. Não existe a mulher, ou uma mulher, ou uma essência feminina. O que existe é um ser humano construído historicamente de acordo com as transformações ocorridas na sociedade em que ele vive e a sua realidade material, as suas condições materiais de vida. As mulheres são seres humanos divididos em classes sociais diferentes. Contra essas categorias genéricas, o marxismo mostrou que os homens estão divididos em classes sociais distintas e antagônicas.

As que avançam e as que lutam
A cada 8 de Março, a propaganda se refere à situação da mulher ressaltando seus avanços, sua liberação, suas conquistas. Falam das mulheres como um todo, como se todas fossem iguais, como se existisse “a mulher”. E a imagem que fica é que as mulheres estão emancipadas e a opressão chegou ao fim. Como exemplo citam Condoleezza Rice, Hillary Clinton, Michele Bachelet, Dilma Roussef e outras tantas que ocupam cargos nos governos e são responsáveis pelas políticas públicas ou têm uma importante ação política.

A mídia fala da mulher, nivela todas por igual, e as mulheres não são todas iguais. As mulheres burguesas, as patroas, as proprietárias são diferentes das mulheres trabalhadoras e pobres, das cidades e dos campos. Apesar de serem mulheres, têm vidas muito diferentes, logo, têm interesses diferentes. E enquanto as primeiras estão de fato em uma situação cada vez melhor, as segundas estão cada vez mais pobres, mais oprimidas e mais exploradas.

Não somos nós que afirmamos isso. É o órgão máximo do imperialismo mundial, a ONU, cujo último relatório aponta para um fato que desmente todos os discursos da mídia sobre a emancipação da mulher: 70% dos pobres do mundo são mulheres! Isso quer dizer que neste 2008, a pobreza tem rosto de mulher.

Então, o que temos a comemorar neste Dia Internacional da Mulher?
As mulheres trabalhadoras e pobres têm muito pouco a comemorar, justamente porque estão ficando cada vez mais pobres e cada vez mais exploradas. Cada vez mais, a sua situação de oprimidas vem sendo usada pelo capitalismo para aumentar a exploração da mão de obra feminina, que já é mais da metade em todo o mundo.

Por isso as mulheres vêm participando cada vez mais nas lutas políticas e sociais em todo o mundo. Da Palestina ao Iraque, passando por todos os países muçulmanos, pela China, a Índia e a América Latina, as mulheres estão cada vez mais presentes nas lutas, sempre em lados opostos. Neste último período, em alguns países, como Portugal e México, elas conquistaram a legalização do aborto, uma vitória importante nessa sua luta histórica. Mas temos de lembrar que o capitalismo dá com uma mão e rouba com a outra.

Na Itália, onde o aborto já é legalizado há muito tempo, a Igreja Católica está jogando todo o seu peso para tentar anular a lei 194 que garante o aborto legal nos hospitais públicos. Por meio dos partidos católicos, está fazendo uma enorme campanha para retirar essa grande conquista das mulheres italianas e já em muito hospitais, os médicos católicos se recusam a fazer o aborto alegando sua crença religiosa. E nos países da América Latina, onde o aborto é considerado crime, milhões de mulheres morrem ou ficam com seqüelas graves por terem de se submeter a abortos clandestinos, sem que o governo faça nada para resolver o problema.

Na China, a restauração do capitalismo está fazendo com que as mulheres, que haviam feito grandes conquistas durante a revolução chinesa, agora voltem a ser as mulheres mais oprimidas e escravizadas do mundo. O mesmo vem ocorrendo em Cuba, na Rússia e outros países que retornaram ao capitalismo.

A propaganda diz que agora as mulheres têm mais empregos. Mas que tipo de emprego? O avanço das políticas neoliberais reservaram para as mulheres os trabalhos mais precários, mais miseráveis e desqualificados. Em sua grande maioria, elas ainda continuam confinadas aos trabalhos tradicionalmente considerados “femininos”, como a enfermagem, o ensino, a limpeza e sobretudo o setor de serviços, como telefonistas, balconistas, atendentes, e principalmente, no trabalho doméstico. Na maioria dos países do mundo, a proporção de mulheres nos setores de ponta da economia e na indústria não passa de 20 por cento, sempre em postos subalternos e com salários mais baixos. A desigualdade salarial se aprofunda, sendo que em média as mulheres recebem 30 por cento menos que os homens.

No entanto, as mulheres hoje já são mais da metade da mão de obra em quase todos os países do mundo. Ocupam um papel cada vez mais importante na economia, sobretudo no campo, e mesmo com a desigualdade salarial e os empregos precários, as mulheres já chefiam, sozinhas, 30 por cento das famílias.

No lar, dupla jornada, violência doméstica e destruição da família
Neste ano de 2008, as mulheres trabalhadoras e pobres continuam carregando nas costas aquele que é um dos mais graves fatores de sua opressão: as tarefas domésticas. Milhões de mulheres no mundo inteiro deixam grande parte de sua vida no fogão, na pia, no tanque, trabalhos que a embrutecem, que deterioram sua saúde e sua auto-estima, e pelo qual nada recebem em troca. A sociedade patriarcal, que se considera tão moderna e avançada, continua alimentando a ideologia nefasta de que o “lar é domínio da mulher”, e a ela cabe fazer a comida, lavar os pratos, passar a roupa, cuidar dos filhos.

Esse é um dos maiores fatores de opressão da mulher porque aquelas que querem exercer uma profissão e seguir uma carreira, ou aquela que precisa trabalhar fora para poder sustentar a casa, deve arcar com a dupla jornada. Depois de um dia de trabalho na fábrica, como operária, na escola, como professora, ou em outro emprego qualquer, a mulher volta para casa e deve ainda enfrentar horas estafantes de trabalho doméstico.
O capitalista se apropria desse trabalho não-pago para aumentar suas ganâncias e manter as mulheres superexploradas, recebendo menores salários – o salário da mulher é sempre considerado complementar ao do homem – e sendo uma parte fundamental do exército industrial de reserva, sempre pronta para ser empregada ou desempregada conforme as necessidades do capital.

As mulheres negras, jovens e imigrantes sofrem em dobro essa carga de exploração, porque ela se combina com a enorme opressão que pesa sobre seus ombros, o que as torna mais susceptíveis ao desemprego e à semi-escravidão.

Na África, milhões de mulheres jovens são brutalmente agredidas a cada ano com as práticas da mutilação genital. Na América Latina, milhões de mulheres vivem em favelas, sem as mínimas condições de criar dignamente os seus filhos, expostos a todo tipo de doenças e agressões. Em todos os países do mundo, a violência contra a mulher avança sem cessar. A cada 4 minutos uma mulher é agredida em sua própria casa pelo marido, o pai, o irmão ou o companheiro.

Outro fator de opressão para a mulher trabalhadora e pobre é situação da família. A propaganda exalta a família, como sendo o pilar básico da sociedade moderna. Mas as mulheres trabalhadoras e pobres estão vendo a cada dia suas famílias destroçadas e divididas. O afã de extrair a maior quantidade de lucro possível, explorando e superexplorando os trabalhadores, sejam homens, mulheres ou crianças e inclusive a povos inteiros, está destruindo a família do trabalhador. A busca pelo emprego e melhores condições de vida provoca os movimentos migratórios; a violência urbana leva à morte milhões de jovens nas grandes cidades, e tudo isso é motivo de desintegração das famílias trabalhadoras, com sua conseqüente carga de infelicidade e abandono.

A luta pela sobrevivência e a falta de perspectiva futura continuam levando milhões de mulheres à prostituição, a uma vida arriscada, de convívio com a criminalidade e a destruição da auto-estima.

E a mesma mídia que exalta a “emancipação da mulher” e a que continua tratando-a como um objeto sexual, um produto de consumo. Como a mulher pode ser emancipada se é comparada a uma garrafa de cerveja, a uma máquina como o automóvel de luxo ou um telefone celular? Os padrões de beleza impostos pela indústria, no seu afã de vender seus produtos, ainda continuam levando milhões de mulheres ao desespero, a doenças como a anorexia, à morte em clínicas de cirurgia plástica. Tudo isso representa um agravamento sem precedentes na carga de opressão que a cada dia pesa sobre os ombros das mulheres.