Se as direções das grandes centrais realmente quisessem, poderiam muito bem constituir um contrapeso à campanha de fake news do governo e da imprensa

De dentro do plenário da Câmara dos Deputados, os repórteres da Globo News riem e fazem graça ao vivo. Não conseguem esconder o entusiasmo e satisfação com a iminente aprovação da proposta que supostamente irá tirar o país da recessão e criar, como num passe de mágica, milhões de empregos no Brasil. É de se entender: durante sete meses ininterruptos a grande imprensa se jogou numa verdadeira campanha de distorção e desinformação a fim de vender a reforma da Previdência como uma medida de combate às desigualdades e pré-condição para a retomada do crescimento.

Numa ação coordenada e talvez sem precedentes, a grande imprensa conferiu total suporte às fake news do governo Bolsonaro a fim de empurrar goela abaixo uma medida anti-popular e historicamente rechaçada pela população. Porque, se os R$ 37 milhões despejados na campanha institucional da reforma, contando os milhões pagos a “influencers” do quilate de Ratinho e Luciana Gimenez, têm o seu peso, o que determina hoje a consciência de grande parte da população é o que sai no Jornal Nacional.

E o que se viu foi uma verdadeira lavagem cerebral digno de “Laranja Mecânica”. Primeiro, a chantagem de que, sem a reforma, as aposentadorias estariam ameaçadas com a quebra da Previdência. Argumento comprado por parte significativa da população e da classe trabalhadora. E, desgraçadamente, até pela “oposição” e influentes colunistas identificados com a esquerda. Depois, a ideia de que a reforma atinge somente privilegiados, servidores públicos e políticos. Um onipresente Sardenberg “explica” na rede Globo a reforma com o auxílio da tela high tech: a idade mínima não afeta os mais pobres, que hoje já se aposentam com a média de 65 anos. Em grande parte dos grandes veículos de comunicação, a reforma se resumia a isso: idade mínima, fim das aposentadorias especiais e que venha a bonança.

O mais duro ataque às aposentadorias, as mudanças da regra de cálculo, foi simplesmente omitido para grande parte da população. Não se explica que o benefício atual que parte do piso de 85% do valor das contribuições, cai para 60%, atingindo justamente os mais pobres do INSS. Nem o rebaixamento da base de cálculo desse benefício. Ou seja, o trabalhador que se aposenta aos 65 anos e tem o mínimo de 15 anos de contribuição, vai perder algo como 30% do benefício. Algo que penaliza a maioria dos que dependem do INSS, e que recebem até dois salários mínimos. Um confisco que é o grosso da tal economia que pretendem fazer em 10 anos.

Pouco ou nada se fala sobre as viúvas pobres e idosas, maioria das beneficiárias da pensão por morte hoje. A reforma reduz a pensão de 100% para 60%, podendo ficar abaixo de um salário mínimo. Ou a mudança da aposentadoria por invalidez, cuja integralidade fica restrita a acidentes de trabalho ou doenças laborais. Imagine, você está indo trabalhar e é atropelado, ficando inválido para o serviço. Para o governo, você teve azar, e seu benefício vai ser reduzido para 60% também. Provavelmente você não verá Sardenberg dando esse exemplo na Globo.

A campanha massiva e mentirosa por essa reforma cruel contra os pobres conseguiu ampliar o apoio popular à medida. Segundo o Datafolha, 47% apoiam a reforma, contra 44%. Empate técnico, mas pela primeira vez o apoio aparece na frente dos contrários. No entanto, só 11% compram o argumento de que o brasileiro se aposenta “cedo demais”. Mais alguns números interessantes: Só 17% se declaram “bem informados”. O restante, ou 69%, ou está “mais ou menos informado” (41%), “mal informado” (11%) ou “não tomou conhecimento (17%).

Isso significa que grande parte do povo ainda não sabe, ou sabe pouco, sobre a reforma da Previdência. Mesmo entre os que dizem conhecer bem a proposta (17%, dentre esses 51% de favoráveis), é provável que a maioria só saiba aquilo que Sardenberg e a grande imprensa querem que saiba. Quem é contra combater privilégios, criar empregos e ainda sem penalizar os mais pobres?

O mais incrível nessa campanha de desinformação em massa da grande imprensa foi a exigência de “negociação” do governo Bolsonaro com o Congresso Nacional. Leia-se, compra de votos. A liberação expressa de bilhões em emendas parlamentares não foi só normalizada, como praticamente exigida e defendida como “parte do jogo democrático”. Uma hipocrisia sem tamanho. Nesse contexto, a figura nefasta e corrupta de Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi elevada à condição de quase um herói nacional, com direito a reportagem e entrevista no Fantástico na própria residência do político.

Como mentira tem perna curta, se confirmada a aprovação dessa reforma a experiência deve ser tão rápida quanto dolorosa. E a grande imprensa vai se revelar ainda mais aquilo que de fato é: a correia de transmissão do grande capital, dos banqueiros e políticos corruptos.

O papel das centrais sindicais
Se é verdade que a grande imprensa está cumprindo um papel vergonhoso e crucial na reforma, não é possível deixar de falar no papel desempenhado pelas direções das maiores centrais sindicais. Ao mesmo tempo em que atuam para direcionar a luta para a negociação nos gabinetes, omitem-se naquilo que deveria ser sua primeira obrigação: informar suas bases sobre o real perigo da reforma. Ao invés de apenas 50 mil cartilhas, se poderia atingir dezenas de milhões de trabalhadores em seus locais de trabalho. Só a CUT afirma possuir 24 milhões na base.

Se parece difícil peitar a rede Globo, se as direções das grandes centrais realmente quisessem, poderiam muito bem constituir um contrapeso à campanha de desinformação e fake news do governo e da imprensa. A batalha, porém, não está perdida. Os parlamentares voltam às suas bases para o recesso de julho, e em agosto será retomada a votação da reforma em 2º turno. É possível virar essa situação, explicar à classe a tragédia social que representa essa reforma, expor os parlamentares, e ao mesmo tempo fazer o que não fizeram até agora: jogar peso na luta e mobilização direta contra o desmonte da Previdência pública.