Estudante ferido na invasão da polícia à FSA
ocupacaofsa.blogspot.com

Invasões policiais em universidades, ações violentas sem mandato: a verdadeira face da democracia dos ricos“Por volta da meia-noite e meia, a polícia resolve entrar, no meio das negociações. O professor estava conversando com o oficial da PM. No meio da conversa, o oficial vira para trás e faz um sinal para os cerca de 20 homens da Força Tática que estavam lá e eles começam a caminhar em direção à reitoria. O professor fica sem saber o que fazer ali. Neste momento, os estudantes passam para o lado de dentro da barricada. Devia ter entre 60 e 70 pessoas. Antes de qualquer policial aparecer, já voa uma bomba e explode lá dentro.”

Policiais agredindo os estudantes / ocupacaofsa.blogspot.comA cena descrita acima não aconteceu há 30 ou 40 anos atrás, nos tempos da ditadura militar. Aconteceu na noite de 13 de setembro, há pouco mais de uma semana. Reinaldo Chagas, nosso narrador, é estudante de História da Fundação Santo André (FSA), no ABC paulista, e estava junto com seus colegas protestando contra a proposta de aumentos de mensalidades na instituição pública, anunciada pela reitoria, que variavam entre 8% e 126%. A invasão foi protagonizada pela polícia do governo “democrático” de José Serra (PSDB), sem mandado de reintegração de posse.

Cerca de três semanas antes, madrugada de 22 de agosto: a Tropa de Choque da Polícia Militar do governo “democrático” de José Serra invade a Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, e retira militantes que participavam de uma ocupação simbólica. Parte da Jornada Nacional de Luta pela Educação, o movimento tinha hora para acabar. Era para ser uma ocupação de 24 horas, mas a polícia e o Estado permitiram sete horas de protesto, como narra Fabio Nassif, do jornal Contraponto e estudante de jornalismo da PUC, que estava no local. ” ‘Acorda vagabundo!´, diziam para uns. Chutavam outros. Ameaçavam outros. Pedimos calma. Eles apontaram armas”, diz a matéria de Nassif na edição especial “Repressão” do Contraponto, que compara a invasão da polícia à PUC em 1977 às ações repressivas de hoje.

Madrugada de 20 de junho de 2007, campus Araraquara da Unesp, também em São Paulo. Por volta das 2h30, a Tropa de Choque da PM invade a universidade, prendendo 120 estudantes que ocupavam o prédio, em protesto contra os decretos do governador José Serra, que feriam a autonomia universitária. O contingente policial: 180 homens armados com cacetetes e escudos. A tropa chegou em ônibus, surpreendendo os estudantes, acompanhada pelo diretor da unidade, Cláudio Gomide. Colegas dos estudantes detidos e a imprensa foram impedidos de chegar ao local.

Polícia impede manifestação de rua durante ocupação da USP / Diego CruzA ocupação da reitoria da USP, que foi o estopim da reativação do movimento estudantil do país, foi a única que não teve invasão da polícia. Talvez porque a força da mobilização tenha conseguido atingir uma repercussão inesperada. O processo da USP detonou uma série de ocupações pelo país. Mesmo assim, os enfrentamentos com a polícia eram constantes.

Ameaças de desocupação chegavam todo dia. Os estudantes não saíam. Helicópteros sobrevoavam o prédio, fazendo terrorismo e tensionando os militantes. E os estudantes continuaram firmes. Em atos e passeatas de rua, a polícia estava sempre presente, impedindo os manifestantes de ir e vir, usando e abusando de seus cacetetes e sprays de gás pimenta contra pessoas que só tinham como arma seus livros e sua capacidade de se indignar. A saída só veio com o recuo do governo “democrático” de José Serra.

Os exemplos são inúmeros. E não é só o movimento estudantil que está sendo reprimido. Em maio, o presidente Lula, ex-preso político, mandou o Exército e a Polícia Federal à usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, para retirar militantes dos movimentos sociais, liderados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que ocuparam o local no Dia Nacional de Lutas, em 23 de maio. Em seu governo, o número de assassinatos no campo é o maior dos últimos dez anos. Em 2002, ainda no governo FHC, 43 pessoas haviam sido mortas nos conflitos pela terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra. Em 2003, ainda no primeiro ano de mandato de Lula, este número subiu para 71.

Democracia para quem?
A abertura política, em meados da década de 1980, mudou apenas a forma de repressão. Cristina Salay estava na invasão da PUC pela polícia da ditadura militar, em 1977. Trinta anos depois, sua filha, Joana Salay, é uma das ativistas que estavam na reitoria da FSA na noite da violência policial. Para Cristina, a relação entre a repressão da ditadura e a atual é a mesma. “Eles invadem uma instância arbitrariamente, como forma de pressionar, destruir o movimento, de destruir os protestos. Os estudantes têm o direito de protestarem da forma que acharem melhor”, opina.

Para Reinaldo, a repressão “democrática” tem a ver com o acirramento das lutas e o renascimento dos movimentos sociais. Ele acredita que “o primeiro mandato de Lula fez com que sua máscara caísse, e os movimentos sociais voltaram à ativa com tudo”. “A forma que o governo Lula tem de responder, por meio dos governos estaduais e de suas polícias militares, ao invés de ser pela saída negociada, normalmente tem sido na base da porrada, com a ação da Polícia Militar e da Tropa de Choque”, diz.

Os casos aqui relatados não são fatos isolados. São uma demonstração do avanço da política de criminalização dos movimentos sociais. A polícia, no capitalismo, existe para defender a propriedade privada e a classe dos ricos.

É evidente que não podemos fazer uma analogia mecânica com os tempos da ditadura: a repressão era oficializada. A censura vitimava tanto os protestos de rua quanto as manifestações artísticas e culturais mais singelas. Os nossos panfletos, por exemplo, seriam motivo para que militantes fossem presos e alguns “desaparecessem”.

A democracia que vivemos hoje, contudo, é uma ilusão. Que democracia pode haver quando milhões têm muito pouco e um punhado de banqueiros, empresários, chefes de Estado e capitalistas em geral concentram toda a riqueza do mundo? Quando um país oprime outros, como imperialismo norte-americano? E, sobretudo, que democracia é esta que prende, espanca e mata aqueles que se manifestam para reverter esta situação?

Os objetivos das forças repressivas, em todo caso, não deixam de ser os mesmos. Na ditadura e na “democracia”, a intenção é impedir, coibir, proibir toda e qualquer forma de expressão e de protesto que subvertam a ordem vigente, a ordem dos ricos.

LEIA TAMBÉM:

  • Comissão Pastoral da Terra: os números atuais da repressão