Matheus Drummond, de Salvador (BA)

O dia 21 de janeiro é destinado ao Combate a Intolerância Religiosa, instituído pela Lei nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007. A data foi escolhida por conta do aniversário de morte de mãe Gilda, fundadora do terreiro Axé Abassá de Ogum, localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã, em Salvador (BA). A líder religiosa teve o terreiro invadido por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, em 2000, que a acusaram de praticar charlatanismo. Os familiares afirmam que a ialorixá infartou quando viu a foto dela divulgada em um jornal.

Os praticantes das religiões de matrizes africanas são os que mais sofrem com a intolerância religiosa em nosso país. Os praticantes destas religiões são, em sua ampla maioria, negras e negros, moradores da periferia. A perseguição as estas práticas religiosas estão relacionadas ao período da escravidão. Por conta de uma ideologia racista, a cultura negra é historicamente tratada como algo ruim. Somos ensinados, desde criança, a manter distância dos tambores, dos orixás, dos terreiros, como se neles houvesse algo tão prejudicial.

Frequentemente, os rituais das religiões de matriz africana são vinculados ao diabo, figura que representa o lado não sagrado em diversas crenças. Muitos desses ataques vêm de representantes de outras religiões, que ferozmente apontam suas palavras de ódio às crenças negras, com ofensas que vão desde ataques verbais até a invasões a terreiros com o intuito de intimidar os praticantes.

Na Bahia, aumenta a cada ano o número de casos de intolerância religiosa. De acordo com o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, responsável por receber, atender, encaminhar e acompanhar toda e qualquer denúncia de discriminação racial ou violência envolvendo racismo ou intolerância religiosa, 141 casos de intolerância religiosa foram registrados no ano de 2018. Só neste primeiro mês de 2019, já foram registrados 13 casos.

No dia 2 de janeiro, candomblecistas se reuniram em Salvador para protestar contra um ataque a Pedra de Xangô, localizada no bairro de Cajazeiras 10. Mais de 100 kg de sal foram jogados na pedra no dia 28 de dezembro. O caso foi considerado um ato de intolerância religiosa, já que o sal é um símbolo de purificação, e o fato de ter sido jogado na pedra dá a entender que o local estivesse impuro.

Ainda no início do primeiro mês do ano, Mãe Stella de Oxóssi, uma das mais importantes líderes religiosas do país, que morreu no último dia 27 de dezembro, aos 93 anos, foi alvo de intolerância religiosa, injúria racial e lesbofobia nas redes sociais. Os ataques iniciaram após o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), anunciar que a nova via que liga a Avenida Paralela à orla do bairro de Stela Maris receberia o nome da chefa do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Uma das agressões foi publicada por uma professora de um colégio particular identificada como Taiane Fragoso. Em um comentário, Taiane chama a homenagem de “absurdo” e ofende Mãe Stella. “Absurdo colocar o nome de uma avenida o nome dessa macumbeira (sic). Em vez de procurar a Deus, vai procurar fazer macumba para o mal dos outros”, afirmou. O Ministério Público instaurou procedimentos para apurar os ataques.

No dia 12 de janeiro, o Terreiro Ilê Axé Ojisé Olodumare, localizado em Barra do Pojuca, na cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador, foi invadido e o pai de santo da casa foi agredido com uma coronhada no rosto.

Os casos acima citados revelam o quadro assustador de intolerância religiosa na Bahia. Os 13 casos registrados no Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela apenas este mês é mais que o dobro da média mensal de aproximadamente seis casos notificados no ano passado e o triplo do contabilizado em janeiro de 2018.

É preciso dar uma basta nesta situação. Nós, marxistas, sempre defendemos o direito das pessoas de escolherem sua fé. Lênin, numa polêmica contra os antissemitas, dizia que havia tanto judeus trabalhadores quanto judeus patrões, e era dever de todos os comunistas defenderem os trabalhadores independente de sua fé. E o mesmo não poderia ser diferente com outras religiões.

O PSTU defende a laicidade do Estado. A religião é uma opção individual. Por isso, chamamos a todos os trabalhadores a defenderem não uma religião, mas sim o direito de liberdade religiosa e a autodeterminação cultural. E mais, cobramos dos governos medidas concretas no combate ao racismo e a intolerância religiosa, sem depositar nenhuma confiança e esperança no Estado burguês. Pois, como afirma Malcom X: “não existe capitalismo sem racismo”. Por isso, nossa luta é por um outro sistema social, sem exploradores e explorados, por uma sociedade socialista.

 

Matheus Drummond, Salvador (BA)