O dia 25 de julho foi escolhido em 1992 para marcar a luta da mulher negra e latina

Desde 1992, quando representantes de 70 países participaram do 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, em San Domingo, na República Dominicana, o dia 25 de julho foi instituído como o “Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe”, com o objetivo de dar visibilidade às lutas e à resistência das descendentes da diáspora africana, desde sempre marcadas pela perversa e cruel combinação de exploração sócio-econômica e pela dupla opressão, do racismo e do machismo.

Segundo dados de 2011, estamos falando de cerca de 80 milhões de mulheres afrodescendentes (ou seja, metade da população negra que vive nos países latinos e caribenhos) que, ainda hoje, têm suas vidas determinadas pela história de uma região do planeta onde o desenvolvimento do Capitalismo praticamente confunde-se com a da escravidão e todas suas terríveis consequências.

Por isto mesmo, o “25 de julho” é também um dia de reflexão e “luto” em memória de tantos milhões de mulheres que tiveram suas vidas violentamente marcadas ou simplesmente ceifadas em função da ganância de senhores brancos que, geração após geração, as exploraram, as oprimiram, as violentaram e, quando puderam, as assassinaram, em defesa da ganância, do lucro e de um patriarcalismo nefasto, que em nosso continente, tomou dimensões de peste ou epidemia.

É lamentável que este tipo de coisa ainda aconteça na América Latina e no Caribe, particularmente em um momento que muitos dos países da região são governados por partidos que, décadas atrás, denunciavam e lutavam contra esta situação. Países que, inclusive, têm à frente mulheres, descendentes indígenas e/ou líderes populares que, de forma vergonhosa, pouco ou absolutamente nada fizeram ou fazem para que o “25 de julho” pudesse se tornar um dia de festa, não de denúncia e protesto.

“A carne mais barata do mercado é a carne negra”
O verso cortante de “A carne” é particularmente doloroso para quem conhece seu significado, literalmente, na carne e na pele negra que a cobre. Por isso mesmo não é um acaso que a letra tenha ganho uma versão definitiva na possante voz de Elza Soares, uma negra cuja história – marcada pela pobreza extrema, por uma primeira gravidez aos 13 anos, por dois filhos mortos pela fome e uma luta sem fim pela dignidade – é exemplar tanto dos sofrimentos quando da resistência das mulheres negras latinas e caribenhas.

Mulheres cujas histórias de sofrimento e lutas tiveram início quando nossas primeiras ancestrais foram sequestradas da África e se viram presas aos grilhões físicos, morais, emocionais, políticos, econômicos e também sexuais, criados por “senhores brancos” sempre dispostos a tentar transformá-las em “pedaços de carne” destinados a servi-los de todas as formas possíveis.

Sabemos que, graças à luta e resistência de uns tantos outros milhões de mulheres negras – e seus aliados e aliadas entre os trabalhadores, os jovens e demais oprimidos –, este projeto nunca chegou a ser totalmente implementado. Contudo, os dados disponíveis demonstram que a situação ainda está muitíssimo distante da dignidade, do respeito e dos níveis de condições de vida que as mulheres negras necessitam e merecem.

Uma situação que, para ser compreendida de fato, precisa sempre considerar a profundidade do que significa ser “duplamente oprimida”, como mulher e como negra. Significa, dentre muitas outras coisas, ser vista como um “objeto”, como os machistas vêm todas as mulheres; mas, também, ter um passado como “escrava”, ou seja, ser vista, pelos “donos do mundo”, como “objeto” desde sempre, feita para servir, “disponível” a qualquer hora e pra qualquer coisa, mas ainda indigna de se postular a ser gente.

Uma mentalidade patriarcal e racista que, em nosso país, Gilberto Freyre (não por acaso responsável pela propagação de dois mitos nefastos: o da democracia racial e o da mulata, como principal “produto” do país) sintetizou em ditado lamentavelmente popular, que ele utilizou na abertura de um dos capítulos de “Casa Grande & Senzala”: “Branca pra casar, mulata pra foder, negra pra trabalhar”.

Continente afora, esta mesma mentalidade (muitas vezes multiplicada em relação às mulheres negras que também tem suas raízes nos povos nativos da região) criou as bases para que os novos senhores de engenho impusessem sobre milhões de mulheres níveis absurdos de opressão e exploração, como toda e qualquer estatística feita na América Latina e no Caribe comprova.

Hermanas guerreiras
No dia 25 de julho, os militantes das Secretarias de Negros e Negras e Mulheres do PSTU irão, ao lado dos movimentos sindical, estudantil, popular e do movimento negro (como o Quilombo Raça e Classe) e feminista (como as “Mulheres em Luta”), marcar esta data com protestos contra a terrível situação de milhões de brasileiras, colombianas, nicaraguenses, mexicanas, equatorianas, argentinas, haitianas e de tantas outras nacionalidades.

Uma luta que precisa ser travada todos os dias, em todos os cantos. É o mínimo que devemos a todas milhões de mulheres negras que tanto tem sofrido com o racismo, o machismo e a exploração capitalista que deles se alimenta.

Também esta é melhor forma de homenagear tantas delas que no decorrer dos séculos se dedicaram à luta por liberdade e dignidade (muitas vezes dando suas próprias vidas), a exemplo da quilombola Dandara e Teresa de Benguela; guerreiras como Luiza Mahin, Lélia González e Maria Beatriz Nascimento; resistentes e sobreviventes como a “escrava” Anastácia e Carolina de Jesus.

Todas elas brasileiras, mas irmãs de “raça e classe” dos milhões de outras que, na América Latina e no Caribe, ainda hoje lutam pela dignidade e não se curvam à perversa ganância e aos imundos preconceitos que são alimentados pelo capitalismo e os “senhores brancos” que se beneficiam com este sistema podre.

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