Disputas eleitorais para as diretorias da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e para o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), duas das entidades patronais mais fortes do país, ocorreram apenas quatro vezes na histórCrise e projeto neoliberal

O impacto da crise sobre a Fiesp-Ciesp, a partir da década de 1980, foi intenso. A crise do governo José Sarney e o fiasco do Plano Cruzado fortaleceram, no empresariado, uma alternativa neoliberal. Tal alternativa visava a uma profunda reorganização social, alterando a relação de forças entre as classes, colocando o movimento sindical na defensiva e modificando a articulação entre capitais nacionais e internacionais.

Na medida em que essa alternativa permitia uma saída para a crise, o empresariado a apoiou e aceitou a hegemonia do capital financeiro em seu interior. Mas isso implicou que setores antes dominados pela burguesia brasileira, como as indústrias de autopeças e de bens de capital, fossem duramente atingidos.

A desnacionalização e a desindustrialização foram o resultado da reorganização social neoliberal no interior da burguesia. O próprio complexo Fiesp-Ciesp, perdeu muito de sua força nos anos 1990, juntamente com a diminuição da participação da indústria no PIB nacional. Exilada das decisões econômicas fundamentais, marginalizada nas composições ministeriais, a burguesia industrial viu seu poder político se esvair. As disputas eleitorais que ocorreram no complexo Fiesp-Ciesp, a partir do início dos anos 1990, colocaram frente a frente diferentes projetos hegemônicos que equacionavam soluções diferentes para essa situação.

Tais soluções iam desde o fundamentalismo neoliberal, defendido pelas multinacionais, até um liberal-desenvolvimentismo, protagonizado por aqueles setores mais fortemente atingidos pelas políticas neoliberais, embora não houvesse desacordos substanciais entre a burguesia industrial quanto à redução dos direitos sociais.

A construção de uma nova aliança

A vitória de Paulo Skaf, na Fiesp, contou com o apoio descarado do governo federal. Empresário da indústria têxtil, Skaf soube utilizar a seu favor a estrutura corporativa da Federação, na qual só os sindicatos votam. Mobilizou os descontentes com a gestão anterior, ao mesmo tempo em que colocou em campo o peso dos sindicatos e associações da indústria têxtil, vitaminados pelo desempenho de suas exportações nos últimos três anos.

Na chapa de Cláudio Vaz, empresário com longa trajetória no setor de autopeças e acionista da Fiamm, era forte a presença de empresários do setor metal-mecânico e eletro-eletrônico, partidários de um projeto de corte liberal-desenvolvimentista. Na chapa de Skaf, por sua vez, além da sobre-representação do setor têxtil, estão presentes setores altamente internacionalizados da economia. A imprensa tem destacado o novo 10 vice-presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, da CSN e do Grupo Vicunha, o maior conglomerado têxtil brasileiro. Mas merece destaque, também, o 20 vice-presidente, João Guilherme Sabino Ometto, do Grupo Iracema São Martinho e da Copersucar, ativo empresário do agronegócio.

A presença desses empresários em alguns dos principais cargos da Fiesp fornece indícios de uma importante afinidade entre o novo perfil da diretoria da entidade e as diretrizes econômicas do governo Lula. Muitos dos laços do governo com os industriais foram construídos durante a campanha eleitoral. Nela, o líder do PT não recebeu o apoio da maioria das lideranças industriais mais importantes. Em compensação, não foi hostilizado.

O reduzido antagonismo dos industriais com Lula, durante a campanha, representava a confiança de que não se produziria uma descontinuidade radical da política econômica. O limite de difícil transposição entre o empresariado e Lula eram os movimentos sociais identificados com a história do PT. Mas, depois da eleição, o governo venceu esse limite divorciando-se dos movimentos e estreitando seus laços com frações do capital nacional e internacional.

Do lado do capital financeiro, essa aproximação se fez por meio de uma burocracia sindical do setor público convertida em gestora dos maiores fundos de pensão do país – Previ, Petros e Funcef, dentre eles. A aproximação com o capital industrial e agrário não poderia ser feita, entretanto, por meio da burocracia sindical do setor privado. O ponto de contato entre essa burocracia e o capital industrial – uma política desenvolvimentista – simplesmente não existia. Ao contrário do que setores da burguesia industrial esperavam, a política econômica de Lula manteve em grande medida as diretrizes do governo FHC. A esperada política industrial nunca saiu do papel, os juros continuaram elevados e os níveis de crescimento econômico permaneceram pífios, frustrando as lideranças empresariais.

A ponte que permitiu estabelecer relações mais sólidas com o capital industrial foi o vice-presidente José Alencar, dono da Coteminas. Mas essas relações foram estabelecidas de modo seletivo. A representação empresarial encontra-se localizada em dois ministérios-chaves: o da Agricultura, com Roberto Rodrigues, ex-presidente da Associação Brasileira de Agribusiness, e o de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, com Luiz Fernando Furlan, da Sadia.

Consolidou-se, assim, no governo Lula, uma aliança entre o capital financeiro e os setores mais fortemente internacionalizados da indústria e da agropecuária, sob a hegemonia do primeiro. A vitória de Paulo Skaf não indica uma conversão da maioria do empresariado industrial ao governo. A vitória da chapa de Cláudio Vaz, no Ciesp, desmente essa suposta maioria. O que a chapa de Skaf reflete é a consolidação dessa aliança no interior do governo.

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