Chávez e a falsificação: socialismo em parceria com multinacionais?
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Hugo Chávez ocupa hoje a maior parte do espaço antiimperialista na América Latina. Muitos ativistas vêem nele a alternativa de luta que Lula deveria representar. Mas a discussão está indo além porque o venezuelano, há algum tempo, tem defendido a implantaEm primeiro lugar, é importante constatar que o debate sobre o socialismo está sendo retomado, mostrando uma vez mais a falsidade da ideologia imperialista de que o “socialismo morreu” com a queda das ditaduras stalinistas do Leste Europeu. Isso é também uma prova no plano ideológico de que a luta de classes no continente tende a aumentar.

A luta pelo socialismo já sofreu muito com as falsificações do passado. A social-democracia européia administrava o capitalismo com algumas concessões para os trabalhadores, dizendo que este era um “modelo socialista”, até passar de armas e bagagens para o neoliberalismo. A burocracia stalinista tomou o processo revolucionário em países onde a burguesia foi expropriada, para impor um regime autoritário a serviço de seus privilégios materiais, que não tinha nada a ver com o socialismo. Muitos ativistas acreditaram na social-democracia e no stalinismo, dedicaram sua vida a estes projetos, mas se frustraram enormemente.

Hoje há uma enorme adesão da esquerda a Chávez. Exemplo disso foi a saudação da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) ao discurso de posse do venezuelano: “Chávez afirmou que essas medidas que inauguram o novo mandato têm como norte o avanço para ‘o socialismo bolivariano, nosso socialismo’. Além disso, nos enche de orgulho que o presidente Chávez, ao se dirigir ao seu ministro do Trabalho, tenha afirmado que também é trotskista, da linha de Trotsky da revolução permanente”.

Nós, na contracorrente, afirmamos que a proposta de Chávez não tem nada a ver com o socialismo e o trotskismo. O que vemos é o início de uma nova frustração, ainda maior que as anteriores.

Em defesa do socialismo… e da revolução
O caminho para o socialismo exige uma revolução que mude completamente a sociedade, acabando com a dominação da grande burguesia. Isso significa, em termos econômicos e sociais, a expropriação das grandes empresas e a planificação da economia a serviço dos trabalhadores.

Chávez não deseja avançar nesse sentido – em vários discursos afirma o oposto. Com receio de que seu projeto pudesse ser mal interpretado, ele fez um chamado (Agência Bolivariana de Notícias, 29/01) aos empresários para construir o “socialismo”: “Hugo Chávez reiterou neste domingo que os empresários privados e pequenos produtores estão convidados a participar na construção do socialismo venezuelano, ao explicar que este modelo inclui o sistema econômico misto”.

Não se pode compreender esse chamado como dirigido apenas aos “pequenos produtores”, mas aos empresários privados como um todo, o que inclui as grandes multinacionais. Segundo o boletim oficial Prensa Presidencial (26/06/05): “A Venezuela recebe com os braços abertos o investimento de empresas estadunidenses interessadas no intercâmbio de matérias-primas e produtos dentro das relações comerciais bilaterais, independente das diferenças existentes com a administração do presidente George W. Bush”.

No principal item da economia venezuelana, o petróleo, as multinacionais podem ser donas de até 49% das empresas e reservas. No caso do gás, podem ser donas de até 100%. Assim, não estamos falando de pequenas empresas, mas do “socialismo” com a Exxon Mobil, a Chevron Texaco e a Repsol.

As nacionalizações
Chávez anunciou recentemente as nacionalizações de duas empresas norte-americanas, a telefônica CANTV e a empresa de eletricidade ELECAR. Isso está sendo alardeado como sinal do objetivo socialista de Chávez. Mas essas medidas não mudam o fundamental – o controle da economia venezuelana pelo mercado –, assim como a manutenção da propriedade privada das outras multinacionais, como as petroleiras. Além disso, as nacionalizações seguem um critério equivocado, pois os donos serão indenizados, embora as empresas tenham sido estatais privatizadas a preço de banana.

A “economia mista” significa uma economia regida pelo mercado, na qual convivem as grandes empresas dominantes, empresas estatais e pequenas empresas, ou seja, uma economia capitalista. Não é a quantidade de empresas estatais que define uma economia, mas se ela é ou não regida pelo mercado. O modelo de Chávez não tem nada a ver com o socialismo. Trata-se de um nacionalismo burguês, à semelhança de outros no passado do continente, como o de Velasco Alvarado (1968-1975) no Peru.

Programas sociais compensatórios não mudam a miséria
Chávez combina a manutenção do capitalismo com uma série de programas sociais compensatórios, financiados pela renda do petróleo. Algo próximo ao modelo da social-democracia européia do passado, mas em um país semi-colonial. Os programas sociais (as “missões”) cobrem distintos aspectos da vida do povo e têm enorme poder político e eleitoral, como se vê no Brasil com o Bolsa Família. Mas isso, lá como aqui, não resolve os problemas básicos dos trabalhadores como salário e emprego.

No mais importante país petroleiro da América, dos 26 milhões de habitantes, cerca de 10 milhões vivem na pobreza. Segundo o órgão governamental INE, 33,9% dos lares são pobres e 10,9% extremamente pobres. Existem 1,2 milhão de desempregados, e metade dos empregados está no setor informal. As cooperativas, impulsionadas pelo governo, ajudam enormemente na flexibilização dos direitos trabalhistas, sem estabilidade para seus trabalhadores e reconhecimento de direitos mínimos como sindicalização, greve, Previdência, etc.

Também segundo os dados oficiais, o salário mínimo de 460 mil bolívares (US$ 214) cobre só o básico para a alimentação (434 mil bolívares)*.

Não existe nenhuma diferença de qualidade entre a vida material de um trabalhador venezuelano e a de um brasileiro – apesar do “boom” petroleiro e do “socialismo” chavista. O diagnóstico é claro: sem romper com o capitalismo não é possível resolver os problemas básicos dos trabalhadores nem avançar para o socialismo.

Antiimperialista ou anti-Bush?
Os discursos de Chávez contra Bush são complemente diferentes da subserviência de Lula, que chama o atual presidente dos EUA de “amigo”. Chávez foi contra a invasão do Iraque e ataca a Alca, mas isso é completamente diferente de ter uma postura antiimperialista conseqüente.

Já nos referimos ao elemento central das multinacionais petroleiras. Tomemos agora outra questão, a dívida externa.

No final de 1998, início do governo Chávez, a dívida era de US$ 23 bilhões. No final de 2005, depois de pagar US$ 24,8 bilhões (mais do que o devido, portanto), a dívida cresceu para US$ 31,6 bilhões.

Em 2006, o governo previa pagar US$ 14 bilhões, enquanto o orçamento nacional da educação previsto era de US$ 11,7 bilhões.

O imperialismo tem nos EUA sua principal expressão, mas o imperialismo europeu também tem grande importância econômica e política. Basta ver o papel cumprido por suas empresas, como Volkswagen, Santander ou Repsol (petroleira espanhola). Chávez mantém uma relação estreita com os governos europeus, contra os quais não se ouve nenhum ataque em seus inúmeros discursos. Seu antiimperialismo se resume aos EUA, e mais precisamente aos republicanos daquele país.

* Dados da Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST), da Venezuela.
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