Após dias de pânico com os atentados do PCC, estão sendo revelados assassinatos e chacinas praticados pela PM, principalmente na periferia da capital. Apesar dos esforços do governo em esconder informações, laudos apontam que pessoas foram
executadas pela polícia. O secretário de Segurança chegou a dizer que, entre
as vítimas, havia suicidas

Apesar da Justiça ter determinado a divulgação da lista com a relação de todos os mortos pela polícia nos dias que se seguiram à crise de violência, o governo acobertou até o último momento as documentações sobre os casos.

O Ministério Público Estadual exigiu a liberação dos laudos de necropsia e lista com a relação de nomes dos mortos, com os boletins de ocorrências lavrados após cada ação. No entanto, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, chefiada por Saulo de Castro Abreu, forneceu na última hora apenas documentos esparsos e desencontrados.

Nas confusas informações divulgadas, Abreu chegou a dizer que, entre os mortos, havia até pessoas que se suicidaram: “Num primeiro momento, nós computamos lesão corporal seguida de morte, suicídio, não importa. Toda morte que não foi natural, portanto, foi ao IML, [que] computa [os dados]”, explicou.

Tal atitude, além de tentar acobertar a onda de assassinatos e execuções pela PM, remonta aos métodos utilizados pela ditadura militar de dissimular homicídios, escondendo e forjando documentações.

Na entrevista coletiva no dia 23 de maio, o comandante-geral da PM, coronel Elizeu Éclair Teixeira Borges, afirmou que o número de mortos chegava a 110, sendo que 79 tinham o que chamou de “ligação direta” com os ataques do PCC, e 31 eram “ocorrências rotineiras de criminalidade”.
Já na tarde do dia 26, sexta-feira, a Secretaria finalmente entregou à Promotoria a listagem com os BO’s relacionados às mortes. De acordo com a lista, foram mortos pela polícia civil e militar 146 pessoas, entre os dias 12 e 19, incluindo os mortos nas rebeliões.

Além dos boletins, a Secretaria também foi obrigada a divulgar os laudos elaborados pelo IML (Instituto Médico Legal) sobre as mortes. O governador Cláudio Lembo (PFL) tentou de todas as formas manter os documentos em sigilo, mas a promotoria prometeu liberá-los nesta semana.

A crise de segurança fez a primeira baixa no governo estadual. O secretário estadual de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, deixou o cargo em razão dos atritos com o secretário de Segurança Pública. Saulo de Castro continua firme e forte em seu cargo.

Castro, ex-dirigente da Febem, é acusado de comandar o temível Gradi (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância), que infiltrava policiais entre os presos, sendo acusado de uma série de chacinas entre 2001 e 2002. Vê-se que o secretário dispõe de ampla experiência no assunto.
Apesar de ainda não ter sido examinada toda a documentação, de acordo com o jornal Folha de S. Paulo os rascunhos fornecidos pelo IML à Promotoria revelam indícios de execução. A trajetória da bala, de cima para baixo, e a parte do corpo atingida revelam que pessoas apontadas pela polícia como tendo “trocado tiro com policiais”, na verdade foram executadas.

Em Guarulhos ocorreu uma verdadeira chacina. Entre 12 e 18 de maio, foram assassinadas 56 pessoas, sendo 34 com tiros na cabeça. Os tiros, sempre mais de um, foram de grosso calibre, de uso da polícia ou das Forças Armadas. Após o terror imposto pelo PCC, agora a população pobre e desprotegida enfrenta o terror da polícia, que enxerga os jovens negros como marginais ou criminosos em potencial.
A onda de terror atingiu tal ponto que o escritor e rapper Ferréz, autor de livros como Capão Pecado e Manual Prático do Ódio, também líder comunitário, foi obrigado a sair do estado por alguns dias por conta de ameaças de morte que ele e sua família sofreram. Ferréz denunciou a onda de assassinatos covardes que a polícia praticava na periferia.

Na mesma semana em que as notícias sobre o abuso da polícia surgiam na mídia, foi anunciado pelo governo um aperto fiscal recorde. Lula economizou até abril cerca de R$ 194 bilhões da saúde, educação e demais áreas sociais para pagar juros da dívida. Apesar do problema da violência não ser resolvido apenas com investimentos nas áreas sociais, o sucateamento desses serviços públicos essenciais aumenta ainda mais a situação de caos.

A recente crise foi desencadeada por várias situações que fizeram explodir a panela de pressão da segurança pública. Entre elas, cadeias superlotadas e tratamento desumano nos presídios, transformados em verdadeiros depósitos de pobres e marginalizados, aliados à política neoliberal de Lula e dos governos estaduais, como o de Alckmin (PSDB) e Lembo (PFL).

O PCC, segundo reportagem do jornalista João de Barros publicada na revista Caros Amigos, ancora-se no tráfico de drogas, cujos principais líderes são empresários, fazendeiros e até parlamentares. Os funcionários do tráfico, presos, reprimidos e mortos pela polícia nas favelas, não passam do elo mais fraco desse sistema, que encontra na exclusão social campo fértil para conquistar jovens desempregados.

É impossível resolver a questão da segurança pública por dentro dos limites do capitalismo. As forças de coação do Estado existem apenas para manter a ordem atual e proteger a propriedade privada e os privilégios da classe dominante. Já o crime organizado é a parte não-oficial de uma burguesia marginal. Tanto por parte da polícia quanto por parte dos bandidos, as vítimas são sempre os trabalhadores e a juventude pobre.

Enquanto o PCC incendiava ônibus públicos, deixando milhões de pessoas aterrorizadas e a pé, a burguesia seguia sua vida, protegida por fortes esquemas de segurança privada e usando seus helicópteros. Enquanto a polícia invade a periferia e assassina jovens de forma covarde, a elite aplaude e brada por “pena de morte”. Mais ainda, os próprios policiais são trabalhadores dessas comunidades, servindo como verdadeiras buchas de canhão para a manutenção da mal chamada ordem.
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