Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Bolsonaro tenta impor seu projeto opressivo fundamentalista com os mesmos métodos e com a fúria de um terrorista miliciano. Quer atingir o maior número de pessoas com extrema violência, provocando o máximo de estragos no menor tempo possível. Agora, volta sua metralhadora giratória contra algo que pode registrar, problematizar e provocar reflexão sobre tudo isso: o cinema.

Lgbtfobia em cena
No dia 21 de agosto, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, anunciou a suspensão de um edital de março de 2018 que selecionou produções sobre diversidade de gênero e sexualidade que seriam exibidas nas emissoras públicas de TV. O processo havia sido conduzido pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) em parceria com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Os selecionados seriam financiadas pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Cumprindo a promessa de que não permitiria a liberação de verbas públicas para produções LGBTs, Bolsonaro mirou diretamente em quatro produções: Afronte, longa-metragem de Bruno Victor e Marcus Azevedo sobre negros e negras LGBTs em Brasília; Transversais, série documental de Émerson Maranhão e Allan Deberton sobre transexuais cearenses; Religare Queer, da Válvula Produções, sobre uma ex-freira lésbica; e O sexo reverso, de Maurício Macêdo, baseado no trabalho da antropóloga Bárbara Arisi junto a indígenas que pesquisaram as práticas sexuais dos brancos).

Com a grosseria de sempre e seu estilo “pichação de porta de banheiro”, Bolsonaro foi citando cada um dos filmes acompanhados de frases como “vamos abortar esta missão”, “mais um filme que foi pro saco” e “é dinheiro jogado fora”. Anunciou ainda que pretende trocar os membros e rever “critérios e diretrizes para a aplicação dos recursos do FSA”, ou seja, garantir que projetos semelhantes sequer tenham chance de serem avaliados.

Cena de ‘Afronte’

Perseguição ideológica e hipocrisia
O ataque lgbtfóbico faz parte de um projeto de intervenção na Ancine. Por isso a intenção de mudar a sede da agência do Rio de Janeiro para Brasília como forma de controlar o órgão e censurar os projetos.

“É muito importante que o produto da Ancine esteja alinhado com o sentimento da maioria da nossa sociedade. Um sentimento de dever, de cultura adequada, um sentimento cristão”, disse o porta-voz do governo, Otávio Rêgo Barros. Uma ideia que foi reforçada por Bolsonaro em 31 de agosto, quando anunciou o perfil de quem ele quer ver à frente da agência: “É Bíblia embaixo do braço e que saiba 200 versículos da Bíblia.”

Dá para imaginar os roteiros que passariam por um filtro como esse. Em 20 de julho, por exemplo, a Ancine autorizou a captação de R$ 530 mil para a produção de um documentário intitulado Nem tudo se desfaz, cujo enredo é a ascensão do “mito” ao poder. O diretor da empreitada é o obscuro Josias Teófilo, autor do não menos sinistro Jardim das aflições, sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho, guru dos Bolsonaro.

Cena de Barucau, de Kléber Mendonça

Barrar a censura e libertar o cinema
Os ataques de Bolsonaro se dão exatamente quando o cinema nacional atravessa uma fase muito rica e criativa, algo reconhecido tanto pelo público quanto por alguns dos principais festivais do Brasil e do mundo.

Em maio, por exemplo, Bacurau, de Kléber Mendonça e Juliano Dornelles, e A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, saíram de Cannes, na França, com os prêmios do Júri e da mostra “Um Certo Olhar” respectivamente.

Meses antes, Marighella, de Wagner Moura, e Estou me guardando para quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes, causaram furor em Berlim, onde o genial documentário Espero Tua (Re)volta, dirigido por Eliza Capai, foi vencedor do prêmio concedido pela Anistia Internacional para o filme relacionado aos direitos humanos.

Assim como todos os demais filmes citados no artigo, o filme de Capai diz muito sobre o porquê dos atentados de Bolsonaro contra o cinema. O filme conta como a participação nas ocupações de escolas paulistas em 2015 mudou a vida de três secundaristas da periferia. Assim, mergulha no universo da gente comum, marcada por uma diversidade imersa em algo que une a maioria do povo brasileiro: as carências produzidas por um sistema caracterizado pela exploração de classe e pelas mais diversas formas de opressão.

Seu Jorge e Wagner Moura durante as gravações de ‘Margiguella’

Estes filmes nos ajudam a pensar sobre tudo que o governo quer mascarar. Não se trata de defender de forma cega as gestões da Ancine nos governos anteriores. Pelo contrário. É consenso no setor que as políticas de fomento vinculadas à isenção fiscal concedida às empresas que financiam as produções sempre funcionaram como uma espécie de “censura econômica”, já que nunca foi do interesse das empresas patrocinar obras que questionem o sistema que lhes garante os lucros.

A diferença agora é a intervenção direta do Estado através da mais pura e descarada censura. Derrubar esse projeto se coloca à frente de todo o resto.