Flávia Bischain, de São Paulo (SP)

Decretada inicialmente por Michel Temer em 2016, a Reforma do Ensino Médio foi oficializada no ano seguinte através da Lei 13.415/2017. Mas, foi a partir de 2020, no auge da pandemia e já no governo Bolsonaro, que ela começou a ser implantada nas escolas de todo o país. Agora as mudanças passam a ser sentidas pela comunidade escolar e se tornam visíveis os prejuízos na aprendizagem dos alunos e nas condições de trabalho dos professores. Com a promessa de aumentar a carga horária, o novo modelo, na verdade, enxugou as disciplinas básicas (orientadas pela Base Nacional Comum Curricular), substituindo-as por uma parte flexível do currículo, composta pelos chamados “itinerários formativos” e pelas disciplinas “eletivas”.

Nas últimas semanas, os jornais destacavam algumas das curiosas “matérias” que os jovens passaram a ter em substituição ao antigo currículo: “Sonhando alto”, “Brigadeiro caseiro” e “Projeto de Vida”, por exemplo. Enquanto isso, as disciplinas tradicionais foram reduzidas da grade ou dissolvidas em “áreas de conhecimento” (Humanas, Exatas, Biológicas, Linguagem e Tecnologia). Os mais prejudicados foram os alunos do terceiro ano, para os quais a maior parte do currículo foi substituída pela parte diversificada. A própria BNCC, aprovada em 2018, tornou obrigatórias apenas as disciplinas de português e matemática nos três anos do Ensino Médio, todas as outras podem ser flexibilizadas. O resultado é que os alunos deixaram de ter acesso a conteúdos importantes e passaram a ter essas disciplinas aleatórias e aparentemente sem sentido, que servem para atender aos interesses do novo mercado de trabalho, também mais flexível e precário (com baixa estabilidade e poucos direitos). O resultado está aí:

Esse aqui é meu horário de aulas para o terceiro ano, e nele não consta NENHUMA aula de História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Filosofia, Biologia, Química ou Física! Matérias que vão cair no Enem e nos vestibulares. Além disso, conta com somente DUAS aulas na semana de Português e Matemática”. Essa foi a postagem de uma estudante do Ensino Médio da rede estadual de São Paulo que viralizou nas redes essa semana. Em um dos comentários outra estudante protesta: “(…) é horrível! E umas matérias totalmente sem sentido e que não vão ajudar em nada! Eu exijo uma greve pra tirar esse ‘Novo Ensino Médio’“.

Com essa formação parcial e esvaziada, o jovem estudante da escola pública terá ainda mais dificuldade para acessar o Ensino Superior, ou mesmo para ter um emprego qualificado. O Ensino Básico completo só estará disponível para aqueles que podem pagar as mais caras escolas privadas. Com isso, a desigualdade educacional entre ricos e pobres vai aumentar ainda mais no país.

As mentiras do Novo Ensino Médio

Para tentar convencer a população da mudança, os governos e grupos empresariais que participaram diretamente da formulação da proposta (como a Fundação Lemann, o Instituto Unibanco, a Fundação Itaú, o Instituto Natura, entre outros), partem de uma verdade para espalhar várias mentiras. A verdade é que o Ensino Médio há tempos vem sofrendo com a baixa qualidade e os altos índices de abandono. Segundo a UNICEF (2022), 2 milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos deixaram a escola, a maioria porque precisava trabalhar (48%). Esses problemas se aprofundaram na pandemia, quando 5,1 milhões de estudantes brasileiros ficaram sem acesso à educação (UNICEF, 2021).
O que eles não dizem, no entanto, é que isso é consequência da política de sucatear a escola pública para favorecer os interesses privados, que vem sendo implanta por sucessivos governos. Por isso, longe de resolver esses problemas, a reforma em curso vai aprofundar as desigualdades educacionais no país. Ou seja, o que era ruim está ficando pior. Vejamos algumas das mentiras propagandeadas:

1) “O estudante pode escolher o que interessa”: Isso é mentira porque a própria lei não obriga as escolas a oferecerem todos os itinerários formativos. Na prática os alunos das escolas públicas são obrigados a “pegar o que tem”. “Eu só pude escolher entre exatas ou humanas, mas as aulas que eu queria mesmo ter eu não pude escolher, eu era obrigada a aceitar o que vinha”, afirmou a estudante Julia, da rede estadual de São Paulo.

2) Um ensino mais “moderno”: Os mesmos governos que falam que o ensino atual vai inserir os jovens no “mundo digital”, não garantem o mínimo de estrutura nas escolas. Em muitos casos, computadores e tablets até foram comprados, mas permanecem encaixotados por falta de verbas para instalação ou internet. Mesmo em estados mais abastados, como São Paulo, há escolas sem aulas nesse momento porque não tem nem funcionários para lavar o banheiro por consequência da terceirização.

3) “O aluno vai sair com uma formação técnica ou profissionalizante”: Com a falta de estrutura e a privatização, os recursos públicos vão pro bolso de empresas, que contratam pelo chamado “notório saber”, profissionais que não são professores, com piores salários e que não têm nenhum acompanhamento. A qualidade fica comprometida e os alunos não aprendem nem o básico, nem o profissionalizante. É uma enganação.

Formação ruim para o emprego precário

Mas então quem ganha com o Novo Ensino Médio? Na realidade, essa flexibilização do currículo está diretamente ligada à flexibilização das condições e relações de trabalho, que pioraram com a reforma trabalhista. O “projeto de vida” que o capitalismo tem para a juventude pobre, majoritariamente negra e periférica, é transformá-la nesse novo trabalhador cada vez mais sem direitos, ou pior ainda, prepará-la para ser uma juventude sem trabalho e resiliente à sua condição. Por isso, as aulas de “Brigadeiro caseiro” ou de “empreendedorismo” ganham importância, para que os alunos consigam “se virar” para sobreviver sem um emprego formal e estável, trabalhando em aplicativos ou mesmo vendendo brigadeiro. Segundo o pesquisador Fernando Cassio, da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) “[…] um dos elaboradores das apostilas oferecidas aos professores como apoio curricular aos itinerários formativos do NEM é o iFood. As secretarias de Educação nem se preocupam mais em disfarçar”.

Piores condições de trabalho também para o professor

Já os professores estão tendo que trabalhar cada vez mais e em piores condições. Com a redução das suas disciplinas, a maioria se viu obrigada a ensinar muitas matérias diferentes, mesmo sem ter formação específica. O sobretrabalho tem agravado os problemas de estresse e adoecimento. As novas “disciplinas” não seguem nenhum parâmetro e na prática o professor se vê refém das apostilas. Além disso, faltam professores para tantas disciplinas e muitas vezes os alunos ficam sem aula.

Não dá pra “aperfeiçoar”: É preciso Revogar integralmente o Novo Ensino Médio e a BNCC!

Apesar de toda a campanha dos trabalhadores e entidades da educação pela Revogação desta reforma neoliberal, Lula e seu Ministro da Educação, Camilo Santana, não querem atender essa demanda e falam simplesmente em “aperfeiçoar” o modelo. Para piorar, a equipe de transição na Educação foi composta pelo novo governo com os mesmos grupos empresariais que ajudaram a formular a reforma. Entre eles estão os representantes da Fundação Lemann, cujo fundador é ninguém menos que o homem mais rico do Brasil, Jorge Lemann, e que também está envolvido no atual escândalo do rombo nas Lojas Americanas.

A relação dos governos do PT com os interesses dos grupos empresariais chamados de “tubarões da educação” vem de longe, a privatização do Ensino Superior se aprofundou no governo Lula e o criador do projeto inicial da Reforma do Ensino Médio em 2013 foi o deputado federal Reginaldo Lopes, do PT de Minas Gerais. Na época, o projeto já tinha os elementos centrais da reforma atual e foi defendido por Dilma.

Essa reforma privatiza e destrói a educação pública e não tem como ser “melhorada”. É preciso revogar integralmente o Novo Ensino Médio. Um ensino de qualidade e para todos deve ser elaborado e construído em conjunto com a comunidade e os trabalhadores, não com os empresários e banqueiros que querem lucrar com a Educação! A política de “frente ampla” do PT e de alianças com a burguesia, só aprofunda o comprometimento do governo com os interesses dos poderosos.

A luta pela revogação deve ser encampada por estudantes, pais, trabalhadores da educação e entidades de classe em todo o país para conseguir arrancar essa conquista do governo, derrotando mais esse ataque à Educação. Para isso é de suma importância que a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação) e os sindicatos construam realmente um calendário nacional unificado de greves e mobilizações. Não tem recuo! Lula, #RevogaNovoEnsinoMédio, já!

A escola que nós queremos

● Controlada pela comunidade: A limitada política de gestão democrática tem sido cada vez mais substituída pela gestão empresarial. Só com a participação ativa dos Conselhos de Escola, o respeito à autonomia e o controle efetivo da comunidade e dos trabalhadores nas tomadas de decisões, na construção da política educacional e inclusive no controle dos investimentos, poderemos reverter de fato essa situação.

● Mais investimento e valorização: Para ter modernização, tecnologia e infraestrutura é preciso mais investimentos públicos na escola pública e melhores salários para todos os trabalhadores da educação.

● Condições de trabalho e de estudo: É preciso reduzir o número de alunos por sala de aula, garantir a abertura de escolas e de turmas no período noturno e no EJA (Educação de Jovens e Adultos), melhorar a alimentação e garantir a inclusão com qualidade dos alunos com deficiência. O combate ao racismo, ao machismo, à lgbtfobia e à xenofobia, assim como as políticas para ampliar o acesso e a permanência nas escolas, são essenciais.

● O filho do rico e o filho do trabalhador na mesma escola! É preciso reverter as privatizações e estatizar os grandes grupos empresariais que transformam a Educação em mercadoria. A Educação é um direito de todos e não um privilégio de quem pode pagar, por isso todos têm que ter acesso à mesma escola!

● Baseada em novas relações de trabalho e de estudo: Ao longo da história, o ensino sempre esteve ligado às necessidades do trabalho, e por isso é limitado aos interesses do capitalismo, cada vez mais decadente e em crise. Para que as crianças e jovens tenham acesso a uma formação completa e universal é preciso construir pelas mãos da classe trabalhadora, uma sociedade socialista que supere a contradição da sociedade atual, na qual o trabalho da maioria alimenta o lucro de uma minoria exploradora.