Uma delegação da Conlutas está em Honduras, levando todo seu apoio e solidariedade aos trabalhadores que resistem ao golpe militar. A viagem é parte de um esforço de tantos militantes e organizações que buscam manter acesa a chama do internacionalismo da classe trabalhadora. Dirceu Travesso, da Secretaria Executiva da Conlutas, que está na delegação, relatou suas primeiras impressões no país. Confira algumas delas abaixo.

Ditadura mostra sua cara
A chegada a Tegucigalpa, capital, vai revelar em poucas horas a situação e os dilemas deste país. No aeroporto, por volta das 13h30, a sensação é de não estar chegando a um país com uma ditadura. Não há uma presença ostensiva de militares, muito menos tanques ou veículos militares, como a memória das ditaduras dos anos 70 evoca. Desembarco usando uma camisa com a figura de Rosa de Luxemburgo. Passo normalmente pela Polícia Nacional, alfândega, etc. O dirigente que me espera no aeroporto, membro da Coordenação da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado, no telefonema feito do Panamá para confirmar se estaria me esperando, havia me avisado “estoy usando una camisa contra el golpe”. Ele me recebe de camisa contra o golpe e saímos normalmente do aeroporto para a cidade.

O destino seria o centro da capital, onde estava por acontecer o ato de encerramento da marcha convocada pela Frente Nacional Contra o Golpe. No caminho, um telefonema avisa que a manifestação havia sido reprimida violentamente. Mudamos a direção. Vamos “a la Pedagógica”, faculdade de formação de professores, de onde saem as manifestações do sindicato dos professores, ou melhor, professoras, pois aqui também a esmagadora maioria é de mulheres. Uma das categorias que têm cumprido um papel fundamental na resistência, em greve desde o primeiro dia do golpe. O telefone continua tocando, informações sobre prisões e a repressão.

Chegamos à Pedagógica, a orientação dada sobre a manifestação e a repressão foi que todos se dirigissem para lá. Ainda havia pouca gente, descemos e paramos na rua. De repente saem de dentro da faculdade companheiros e companheiras correndo. Atrás, o Exército e a Polícia Nacional atirando e reprimindo. Vieram por dentro da faculdade e chegaram por trás dos que já estavam lá. Correria, gritos, tiros, bombas. Todos correm.

De todos os 46 dias de resistência, o dia 12 foi quando houve a maior repressão. Cerca de 40 presos em Tegucigalpa e mais 80 em San Pedro Sula. Uma contraofensiva dos golpistas, depois da marcha de cerca de 30 mil no dia anterior, que havia terminado com enfrentamentos.

A ditadura aparece. Não tem a mesma força e truculência de outros anos. Os limites são dados por uma resistência heroica do povo hondurenho, que tem como principal organismo impulsionador a Frente Contra o Golpe. Uma ditadura com os militares formados na mesma Escola das Américas que educou os “gorilas” facínoras de antes, com uma unidade muito forte dos setores burgueses hondurenhos e suas instituições.

Histórias de resistência contra a dominação
Nas paredes, as marcas dos últimos dias. A quantidade de fast foods internacionais espalhados pela cidade, com suas logomarcas imensas, chama a atenção. O Popeye completamente incendiado. Mc Donalds, Burger King, Pizza Hut e outros com seus vidros totalmente quebrados. Todos pichados. “Fuera Golpistas”, “Fuera Gorilleti”, trocadilho com o nome do presidente golpista Micheletti e gorilas, como eram chamados os militares golpistas de outros tempos. Mais à frente, Gorilletti vira Pinochelletti em outra “pintada” (pichação). As cores das cadeias de fast food, que aqui são isentas de qualquer imposto, com seus vidros quebrados e as pichações, viram um mosaico embaralhando os embates que se travam.

Na marcha, durante as conversas, o tema da dominação colonial aparece de varas formas. Surgem então as histórias sobre o general Francisco Morazan, figura nacional histórica da luta pela independência. Uma batalha travada pela independência nacional e pela unidade centroamericana, contra a divisão artificial em distintos países promovida pelos impérios, sempre apoiados em oligarquias regionais. A independência em relação à Espanha foi conquistada em 1821, mas Honduras era parte, até 1823, do Império Mexicano. Depois, se somou à recém-fundada Províncias Unidas da América Central. Em 1838, essa experiência de unidade sofre uma derrota e é dissolvida. Morazan é a figura mais destacada na luta pela manutenção da unidade centroamericana. A bandeira de Honduras até hoje permanece com cinco estrelas em referência à luta pela unidade do que eram as províncias: Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Nicarágua e Honduras.

Esses episódios históricos vão revelando a constância da luta pela independência nacional e contra a divisão artificial, imposta sempre pelos dominadores com aliados internos.

Assim, ela aparece na conversa sobre a grande manifestação do dia 5 de julho, quando cerca de 100 mil hondurenhos marcharam até o aeroporto e outras cerca de 200 mil pessoas não conseguiram chegar, bloqueadas em estradas para não chegarem à capital. Foram esperar “Mel”, como é conhecido o deposto Manuel Zelaya, para recolocá-lo no governo, de onde fora deposto uma semana antes. Foi a maior manifestação desde 1954, quando uma grande greve geral dos trabalhadores da banana derrotou a indústria bananeira imperialista, que dominava a região.

Em Tegucigalpa, a manifestação com cerca de cinco mil pessoas passou em frente ao Ministério Público, com uma comissão da Frente Nacional Contra o Golpe de Estado sendo recebida para exigir a libertação dos presos e a punição aos militares e policiais que estão reprimindo. A resposta foi que o Ministério Público não tinha conhecimento de nenhum caso de violação de direitos humanos. Nesse mesmo dia, houve repressão violenta mais uma vez em San Pedro Sula, onde foi realizada uma manifestação com bloqueio na estrada. Terminei o dia em uma visita ao deputado Melvin Ponces, antigolpista, internado depois de ser espancado pelos golpistas. Braço quebrado, duas cirurgias, hematomas e lesões. Nada que a justiça burguesa possa ver.

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