ESte artigo inaugura uma nova etapa desta série. Daqui em diante se pretende discutir o problema da dívida externa sob o contexto da aplicação do modelo econômico neoliberal nas economias dependentes, e ainda incorporar a análise do
fenômeno da dívida interna, no caso do Brasil, tendo como medida o período dos governos de FHC e Lula. Neste primeiro artigo, porém, o objetivo central limita-se à relação existente entre o problema dívida externa e as reformas institucionais promovidas na economia brasileira. Portanto, nosso ponto de partida é dar um marco geral do processo

Plano Brady: solução imperialista para a “crise de pagamentos da dívida externa”
Vimos no artigo da semana passada que durante os anos 80 as economias dependentes enfrentaram dificuldades para a formação de reservas internacionais suficientes aos compromissos da dívida externa. Foi um período marcado por uma queda na oferta de empréstimos, além do crescimento do custo da dívida externa em função da elevação das taxas de juros internacionais, incentivada principalmente pelo governo dos Estados Unidos. Alguns governos devedores tiveram que interromper os pagamentos temporariamente. Sarney no Brasil, assim como outros da América Latina, decretaram moratórias parciais.

Os governos imperialistas, representantes dos credores (bancos, multinacionais, especuladores), pediram a intervenção dos organismos financeiros internacionais – FMI e Banco Mundial – para garantir as condições de pagamentos e a sustentação do mecanismo da dívida externa. A receita foi a de sempre: em essência, a dívida externa deve ser paga e os devedores precisam promover ajustes estruturais em suas economias.

Nesse contexto, no ano de 1989, o então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady, lança uma proposta de negociação da dívida externa, mais tarde denominada Plano Brady, uma alusão ao seu nome. Essencialmente, o plano previa mudanças nas formas de pagamento e ajustes econômicos. No primeiro caso, os governos poderiam trocar dívidas vencidas baseadas em taxas de juros flutuantes por títulos (formas de aplicações financeiras) com taxas fixas. Ou seja, o prazo foi ampliado, mas manteve-se o pagamento tanto do principal como dos juros. Desse modo, os governos devedores ficaram amarrados ao compromisso da dívida externa, e iniciaram ajustes estruturais em suas economias para atrair capitais estrangeiros e formar reservas internacionais.

Na região da América Latina, durante os anos 90, os distintos governos burgueses subservientes aos interesses do imperialismo trataram de acelerar as reformas institucionais. Países como Chile, México e Argentina adotaram planos de estabilização fundados nos princípios do Plano Brady, cujas principais medidas concentravam-se na liberdade irrestrita ao capital e liberalização do comércio exterior. Essas medidas geraram novos espaços de acumulação. O resultado foi o aumento da entrada líquida de capital estrangeiro. Em 1989 era equivalente a 9,3 bilhões de dólares, e atingiu 60,8 bilhões em 1992 (Pomar & Gonçalves, 2000).

No Brasil, nos primeiros anos da década, os governos de Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994) apoiaram-se principalmente na elevação da taxa de juros interna para atrair o fluxo de capitais estrangeiros destinado à região da América Latina. Para aumentar ainda mais as garantias para os credores da dívida externa, em abril de 1994, tendo como ministro da Fazenda o já presidenciável Fernando Henrique Cardoso, foi assinado um acordo da dívida externa que respeitava os princípios do Plano Brady.

A negociação da dívida externa e as (re)formas de extração de riquezas no Brasil
No Brasil, os princípios do Plano Brady assumiram forma concreta no Plano Real, impulsionado a partir do primeiro governo de FHC (1994). Em linhas gerais, as políticas levaram à adaptação da economia da economia brasileira ao movimento de internacionalização do capital, mais conhecido como globalização da economia. Começava um período de grande ofensiva contra as conquistas dos trabalhadores brasileiros. O plano pavimentou com pedras de brilhantes o caminho dos grandes bancos, empresas multinacionais e especuladores.

O governo de FHC iniciou o processo de reforma do Estado, ainda mantido pelo governo Lula. Muitas empresas estatais, dos diferentes setores econômicos, foram privatizadas. As privatizações geraram novos espaços de acumulação ao capital estrangeiro que, desse modo, se apropriou de capitais constituídos pelo Estado, muitas vezes utilizando os bradies (bônus emitidos a partir do acordo do Plano Brady) como forma de pagamento.

O investimento direto estrangeiro destinado à economia brasileira adquiriu novo perfil a partir do Plano Real. Grande parte desse investimento destinou-se a fusões e aquisições de capitais. Em outras palavras, um amplo processo de desnacionalização. O capital estrangeiro aumentou significativamente sua presença no processo de acumulação da economia brasileira. Um dos impactos resultantes dessa realidade é o crescimento da remessa de lucros para o exterior, como veremos nos próximos artigos.

A “estabilidade” para os grandes capitalistas
Outro pilar do Plano Real foi a criação da tal “estabilidade”, baseada na queda da inflação e liberdade de mercado. A “estabilidade de preços” foi alcançada por meio de uma política monetária restritiva, baseada em taxa real de juros muito alta e operações com títulos públicos, combinados com outras ações econômicas. É sabido que, desde aquele período, em muitos momentos, a taxa de juros básica estabelecida pelo Banco Central atingiu patamares acima da média mundial. Em 2006, por exemplo, o Brasil não ganhou a copa, mas é campeão da taxa real de juros, a mais alta do mundo!

A taxa de juros interna elevada, principalmente na primeira fase do Plano Real, estimulou os residentes na economia brasileira a buscarem empréstimos no exterior.

Como resultado, a dívida externa, que em 1994 era de aproximadamente 149 bilhões de dólares, já em 1998, em apenas quatro anos, saltou para 242 bilhões. Desse montante, cabe destacar, aumentou significativamente a parcela de responsabilidade do setor privado (empresas, pessoas físicas). A dívida adquiriu novo perfil, muito embora, como veremos nos próximos artigos, ainda repousa sobre o Estado a criação de condições para seu pagamento.

As operações com títulos públicos, financiadas com altas taxas de juros, estimularam a entrada de capital financeiro especulativo na economia brasileira. O pressuposto era que essa entrada ajudaria no fechamento das contas externas, mas fez crescer outra forma de extração de riquezas da economia brasileira: a dívida interna. Esta deu uma nova configuração aos gastos do Estado, antes voltados principalmente para o provimento de serviços e investimentos, agora se destinam em grande medida ao pagamento de juros.
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