Desde 13 de agosto, boa parte do mundo está acompanhando a realização da 25ª Olimpíada da Era Moderna. Do ponto de vista esportivo, os Jogos Olímpicos não deixam de ser um evento repleto de belos momentos e de empolgantes disputas. O problema é que, há muito, a Olimpíada deixou de ser uma celebração da busca da perfeição pelos seres humanos (concepção que levou os gregos a criarem os Jogos em 776 AC).

Hoje, há muito mais em jogo. Se é verdade que o evento é um espetáculo resultante da dedicação aos treinos, da habilidade técnica e da superação dos próprios limites, é impossível negar que, para além disso, há um outro “espetáculo” que não tem nada de belo: a movimentação de quantias fabulosas de dinheiro e o estímulo a uma onda de um absurdo ufanismo nacionalista.

Medalhões de ouro

Todos os números envolvendo os jogos são enormes. São mais de 10 mil atletas, de 202 países, que concorrerão a 3.410 medalhas. Mais impressionantes são os números por trás dos jogos. Só de investimentos diretos em Atenas foram 4,5 bilhões de euros (cerca de R$ 17 bilhões). Esses investimentos devem ser recuperados por meio de uma arrecadação de 5 bilhões de euros.

Boa parte dessa arrecadação se relaciona ao mercado publicitário. Substituindo os antigos deuses gregos, as marcas das grandes multinacionais são onipresentes: invadem todos os espaços dentro e fora dos jogos.

Considerando-se que a audiência mundial, somente na TV, será superior a um bilhão de pessoas, é impossível dizer quanto o mercado publicitário irá movimentar na mídia. Somente no Brasil, os 16 dias de jogos farão circular cerca de R$ 500 milhões. A TV Globo espera faturar R$ 95,5 milhões com as cotas vendidas para cinco empresas.

Invadindo os espaços comerciais da TV com mais fôlego e empolgação que qualquer atleta olímpico, empresas como Bradesco, Petrobras, Coca-Cola, Casas Bahia, Nestlé, Banco do Brasil, Visa e McDonald’s não pouparam esforços para associar suas marcas ao “espírito olímpico”.

E esse é um jogo em que somente eles ganham. Em primeiro lugar, os atletas ficam submetidos às regras do mercado, o que chega a influenciar na escolha dos campeonatos em que irão participar. Isso para não falar naqueles que orientam suas carreiras pelas mesmas regras, recusando-se a competir em torneios que não sejam “lucrativos”.

Ufanismo oportunista

Outra faceta nefasta das Olimpíadas é a onda de ufanismo que os jogos desencadeiam. Sintonizada com a balela do “espetáculo do crescimento” difundido pelo governo Lula, a mídia brasileira tem feito um estardalhaço enorme sobre as grandes chances que o país tem. Baseados no fato de que esta será a maior delegação brasileira na história dos Jogos (246 atletas) e no bom desempenho de alguns deles, publicitários e a imprensa têm apostado num número recorde de medalhas (falam em improváveis 159 premiações) e nos saturado com “mensagens” de otimismo.

Exceção honrosa a essa farsa foi um artigo publicado na CartaCapital, de 11 de agosto, com o sugestivo título “A costumeira enganação”, afirmando que as Olimpíadas são “mais um exemplo do tradicional esforço da elite nativa para iludir a nação” por meio da criação de um clima de ufanismo nacionalista.

Nos últimos 84 anos, os atletas brasileiros ganharam 66 medalhas, uma a mais do que a Alemanha ganhou somente em 1996, em Atlanta. Além disso, a classificação geral do país só vem caindo. Em 1988, em Moscou, o Brasil foi o 18º colocado; em Atlanta, foi o 25º e o pior desempenho da história se deu na última edição, em Sydney, em 2000, quando o país despencou para o 52º.
Qualquer relação desse desempenho com o aumento da crise não é mera coincidência. Como destacou Mino Carta no artigo mencionado: “ocorre que o esporte, bem como outras manifestações do homem, não escapam às contingências políticas, econômicas e sociais” e, nesse campo, o desempenho dos governos brasileiros está a anos-luz de qualquer pódio.

Para além da miséria que vitima grande parte da população, impedindo o desenvolvimento saudável da maioria no que se refere particularmente ao esporte, a ausência de políticas e investimentos públicos no setor deixam nossos atletas completamente à mercê do patrocínio privado, que, respeitando as leis do mercado, só emprega seu dinheiro quando há “garantia de retorno”, ou seja, só financia atletas depois que estes já provaram que podem servir como bons garotos-propaganda de suas marcas.

Enquanto isso, na periferia, nas escolas públicas e no Brasil afora, uma multidão de crianças e jovens vive sem nenhuma prática esportiva. Nesse sentido, a exploração da imagem de figuras como a ginasta Daiane dos Santos ou das jogadoras de futebol é de um vergonhoso oportunismo. É revoltante assistir matérias que exploram o “passado simples” desta gente transformada em símbolos de um “Brasil que pode dar certo se se esforçar bastante”.

Melhor do que o ufanismo oportunista — no qual, evidentemente, o governo Lula embarcou de mala e cuia — e da submissão dos esportes ao mercado, seria o incentivo real à prática esportiva e a transformação dos Jogos na celebração do desenvolvimento da humanidade. Algo impossível nos marcos deste sistema.

NOTAS OLÍMPICAS

ECOS DA GUERRA

A cerimônia de abertura dos Jogos foi marcada por uma demonstração da oposição mundial à guerra e às políticas imperialistas. Chamou a atenção a recepção dada a três das menores delegações que desfilaram no estádio. Os representantes da Palestina, do Afeganistão e do Iraque foram os mais aplaudidos pelas 80 mil pessoas que lotavam o estádio. Já a delegação dos EUA foi ostensivamente vaiada e recebida com o sinal de negativo.

RECORDE EM SEGURANÇA

Prevendo uma recepção pouco simpática, os norte-americanos deixaram de lado suas tradicionais bandeirinhas e são os únicos que não usam uniformes oficiais na Vila Olímpica. No mesmo sentido, o esquema de segurança em Atenas é inédito. Foi gasto US$ 1,5 bilhão, valor cinco vezes maior do que em Sydney (2000) e dez vezes maior do que em Atlanta (1996). Outro detalhe também distingue os Jogos de Atenas: dos 70 mil soldados, policiais e agentes de segurança, pelo menos 60% circulam à paisana. Também preocupados com a segurança, mais de 80% dos gregos são contrários à presença de dois indesejáveis convidados: o ex-presidente Bush (o pai) e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair.

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