Decisão atinge 125 trabalhadoresEm 8 de dezembro, a pauta da Nona Sessão da Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça, em Brasília, anunciava o julgamento de um processo esperado desde 28 de setembro de 1993, ano seu protocolo inicial. Com efeito, tratava-se do pedido de anistia e indenização de 125 ex-funcionários da Embraer, em São José dos Campos (SP), demitidos por perseguição política, nas greves de 1983, 1984 e 1988.

Após anos de muita luta, o pedido de anistia feito pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, em nome destes trabalhadores, foi finalmente julgado favorável, plenamente, sendo concedido a cada um destes a declaração da condição de anistiado do Estado brasileiro, bem como pensão vitalícia, mais o retroativo devido na forma de salários desde 1988, ano da promulgação do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, que em seu art. 8º assegurou este direito aos milhares de perseguidos políticos pelo regime militar instituído em 1964.

Trata-se de um dos mais antigos processos de anistia política do Brasil, que atravessou diversas legislações sobre o tema, Medidas Provisórias, portarias, até sua regulamentação pela Lei 10.552 somente em 2002. Várias decisões judiciais também ocorreram em função deste pedido de anistia, sendo resultado de uma batalha jurídica e política que parecia que nunca terminaria, até que finalmente julgado, na sessão do último dia 8, em sua totalidade.

Esta decisão é também importante precedente na compreensão dos fatos relacionados á repressão política no interior das fábricas, em que órgãos de segurança e departamentos de recursos humanos atuavam em conjunto, identificando trabalhadores que contestavam o regime militar e, muitas vezes, não somente demitindo, mas prendendo e torturando, em nome da “segurança nacional” e da “luta contra o comunismo”.

Mais do que um direito constitucional, essa anistia obtida pelo sindicato, com o apoio da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP), é uma medida de justiça em relação a estes trabalhadores, que, desde suas arbitrárias dispensas, foram igualmente monitorados pelo DOPS, SNI, impedidos de obter novos empregos e discriminados de tal modo que muitos tiveram que sair da região e do Estado para sobreviverem. Alguns já morreram e, infelizmente, não puderam assistir a vitória final deste processo.

Os autos destes processos exibem, em suas páginas, relatos, fotos, ocorrências policiais, bem como os informes dos serviços de inteligência que espionavam as reuniões e assembleias metalúrgicas. Mostram como foram de fato tratados estes operários, colocados para fora da Embraer com fuzis apontados para suas cabeças e tratados como criminosos, quando, na verdade, exerciam o direito de livre manifestação e de greve.

Muitos destes, inclusive, eram severamente perseguidos por serem militantes de organizações de esquerda, como a Convergência Socialista. A sessão de julgamento fez transbordar toda essa parte da história de São José dos Campos e do Brasil que não pode ser esquecida, tendo marcado profundamente a vida destes perseguidos.

Os chamados “anos de chumbo”, no qual a ditadura militar, sobretudo, na Embraer, então controlada pelo Ministério da Aeronáutica, lançava a Polícia da Aeronáutica para reprimir as greves de seus empregados, que, ainda sim, não recuavam e enfrentavam os coronéis que faziam da empresa um verdadeiro quartel.

Era o momento em que os metalúrgicos de São José dos Campos se uniam aos seus companheiros metalúrgicos do ABC e, com suas greves políticas, exigiam não somente aumento de salário, mas o fim do regime militar.

Era a luta de resistência, que tornou possível a derrota dos militares e a conquista de liberdades democráticas, embora seja preciso reconhecer que muitas empresas, até hoje, ainda fazem de suas linhas de produção uma ditadura particular, cerceando a liberdade e perseguindo os que ousam lutar por melhores condições de trabalho.

Essa anistia, portanto, é uma vitória não somente destes heróis, que sacrificaram suas vidas pessoais, em favor de uma luta coletiva, mas do povo brasileiro que foi ás ruas pedir diretas já e o fim da ditadura.

Enganam-se aqueles que pensam que tudo isso é coisa do passado, pois apesar dos avanços democráticos e do denominado Estado de Direito, persistem demissões políticas de sindicalistas, repressão ás greves, atos anti-sindicais, que são a expressão de uma concepção que enxerga o movimento dos trabalhadores enquanto caso de polícia. A ditadura continua nos locais de trabalho!

A luta pela anistia é passado e presente, ao mesmo tempo. É reconhecimento dos que sofreram e exemplo para os jovens trabalhadores que buscam uma sociedade verdadeiramente justa e democrática.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e estes 125 anistiados estão de parabéns pela perseverança e vitória alcançada. Sigamos em frente.


*Vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP)

**Advogado