Ocupações de prédios do Legislativo e do Executivo colocam os políticos e o regime na mira dos manifestantes

Após a jornada de lutas que varreu o país em junho, uma forma de luta tida como radicalizada se espalhou por várias capitais. São ocupações de Câmaras Municipais, Prefeituras e Assembleias Legislativas nas mais diversas regiões. Com variadas reivindicações e setores à frente, essas ocupações, de uma forma ou de outra, vêm questionando as próprias instituições do regime democrático burguês.
Além de expressar o repúdio aos políticos e ao regime, as ocupações também mostram um nível de organização superior dos diversos movimentos e setores mobilizados. São, em geral, ocupações extremamente organizadas com funcionamento baseado nos critérios da democracia operária, ainda que não seja chamado assim por seus participantes. Ou seja, total liberdade nas discussões, votação das polêmicas e das propostas diferentes e, por fim, com o movimento acatando a definição da maioria. Processo que reflete, por sua vez, o nascimento e o desenvolvimento de organismos amplos  e democráticos que reúnem os setores em luta e que estão possibilitando a continuidade das mobilizações.
 
Ocupação histórica em Porto Alegre
A capital gaúcha esteve na vanguarda de todo esse processo que estamos vendo neste ano. Da luta contra o aumento da tarifa à criação desses organismos. Criado em janeiro, a partir das mobilizações contra o aumento da passagem, o Bloco de Lutas contra o Aumento da Tarifa cresceu com as mobilizações e, da mesma forma que os protestos em junho, se generalizou para outros setores, incorporando várias bandeiras. Hoje, é o Bloco quem organiza as mobilizações contra os gastos públicos com a Copa do Mundo e as remoções forçadas, por exemplo.
A Câmara da cidade foi ocupada no dia 10 de julho, tendo como principal reivindicação o passe livre e a abertura das contas das empresas do transporte público. Enfrentando a truculência das autoridades e seus mandados de reintegração de posse, os manifestantes resistiram e deram um exemplo de organização e autogestão. Da limpeza à segurança e comunicação, tudo era discutido coletivamente e realizado por comissões específicas.
“A ocupação foi um processo muito rico, levamos a pauta do transporte público, mas agora no marco desse acúmulo geral construído das mobilizações de junho e, a partir daí, fizemos um questionamento amplo do regime político”, explica Matheus Gomes, o “Gordo”, da Juventude do PSTU e da ANEL, presente na ocupação e no Bloco de Lutas. Matheus ressalta que a reivindicação de início contra o aumento evoluiu para o questionamento do regime e até do próprio sistema. “Ocupamos a Câmara não só por transporte público  mas para expressar toda a nossa insatisfação com o próprio capitalismo, sempre pautados na discussão, na democracia e na ação direta”, afirma.
Os manifestantes desocuparam a Câmara uma semana depois, após terem protocolado dois projetos de leis formulados na própria ocupação. Um deles, institui o passe livre em Porto Alegre para estudantes, desempregados, indígenas e quilombolas. O outro, institui a abertura e a transparência das contas do transporte público da cidade. 
 
Em BH, redução sem isenção
Belo Horizonte foi outra capital em que a Câmara de Vereadores foi ocupada através de um movimento articulado por diversos setores, entidades e organizações, reunidos na Assembleia Popular Horizontal, um organismo surgido das lutas. A ocupação ocorreu após os vereadores aprovarem a redução da tarifa em 10 centavos através da isenção do imposto ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza). Os manifestantes exigiam a redução da tarifa sem qualquer tipo de isenção para as empresas de transporte.
A ocupação, iniciada no dia 29 de junho, durou nove dias, conquistando a redução da tarifa em 15 centavos e um processo de negociação por parte da prefeitura de Márcio Lacerda (PSB). No entanto, a mobilização está longe de terminar. Enquanto fechávamos esta edição, vários movimentos sem-teto ocupavam a Prefeitura de Belo Horizonte, exigindo abertura de negociação por parte de Lacerda.
 
São Luís
A ocupação da Câmara Municipal de São Luís, capital do Maranhão, teve início no dia 23 de julho e foi, inicialmente, protagonizado por setores populares, a partir de uma mobilização impulsionada por moradores da Vila Opaco, comunidade pobre da cidade, que reivindicavam infraestrutura urbana.  “Com a câmara ocupada, foram se incorporando diversos movimentos e outras comunidades, dando corpo à ocupação e incrementando a pauta de reivindicações, que hoje gira em torno de três eixos: mobilidade urbana, regulação fundiária e transparência na Câmara”, explica Nelson Júnior, da Juventude do PSTU em São Luís e integrante da ANEL.
A Assembleia Popular na cidade, que vinha aglutinando os movimentos sociais, aprovou posteriormente sua integração à ocupação. Após uma semana de ocupação, o movimento conquistou a realização de uma sessão extraordinária da Câmara para discutir as reivindicações, marcada para o dia 7 de agosto, com direito à participação, com fala, de 10 representantes da ocupação. Enquanto fechávamos esta edição, os ativistas desocupavam a Câmara com um grande ato em frente ao principal terminal da cidade.
 
Mais ocupações pelo Nordeste
Em Natal, a prefeitura foi ocupada durante um dia pelos trabalhadores do transporte alternativo, que reivindicavam do prefeito Carlos Eduardo (PDT) a redução da tarifa e a unificação do bilhete eletrônico. O prefeito, porém, além de não negociar, respondeu ao movimento com truculência, indo à Justiça para tirar os trabalhadores de lá. Foi expedido mandado de reintegração de posse e a polícia esteve bem perto de invadir a prefeitura com violência.
A ocupação ocorreu nos dias 24 e 25 de julho e arrancou a formação de uma comissão da prefeitura. A vereadora Amanda Gurgel (PSTU) esteve todo o tempo ao lado dos ocupantes.
Já em Salvador, a ocupação da Câmara, realizada no dia 23 de julho, completava uma semana no momento em que fechávamos esta edição. Os ocupantes exigiam uma reunião com o prefeito ACM Neto (DEM) ou com o governador Jacques Wagner (PT).
  Na Paraíba, houve uma ocupação da Assembleia Legislativa do dia 25 para o dia 26, reivindicando passe livre a estudantes e a apuração de denúncias de corrupção no governo, além do fim do processo de privatização das rodoviárias de João Pessoa e Campina Grande.
 
Radicalização das lutas
Essa série de ocupações dos prédios que representam o poder mostram que as mobilizações de junho estão longe de terminar e que, ao contrário, tendem a se radicalizar com o questionamento profundo não só dos políticos como do próprio regime. Expressam, ainda, formas de organização que mantém a mobilização acesa, com a unidade dos movimentos sociais, estudantis e  sindical, com métodos de democracia operária. Uma grande experiência de luta e exemplo para as demais cidades.
 

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