Redação

Em várias Câmaras Municipais estão sendo votados os Planos Municipais de Educação. Os municípios têm até o final de junho para adequarem seus planos educacionais ao PNE (Plano Nacional de Educação).

Estamos vendo se repetirem votações nas Câmaras Municipais que estão simplesmente retirando qualquer referência do termo “gênero” dos Planos de Educação, tendo como consequência um brutal retrocesso pedagógico e um prejuízo imenso para a educação de crianças e jovens.

Isto não é mera casualidade ou fruto da pressão popular. Esta política está sendo organizada por setores religiosos conservadores que estão disseminados em vários partidos e recebem ordens de seus “gurus”.

São Paulo, Maringá, Recife, Jundiaí, Nova Andradina, Maceió, São João Del Rei, Contagem, Campinas e Guarulhos são alguns exemplos de cidades em que vereadores estão aprovando retrocessos em relação à igualdade de gênero e ao respeito à diversidade sexual.

Em São Paulo, todos os artigos que tratavam do termo “gênero” foram alterados e alguns foram integralmente suprimidos. Vejam os artigos modificados:

3.17 – Instaurar para as instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de violências e discriminações de gênero e identidade de gênero, raça/etnia, origem regional ou nacional, orientação sexual, deficiências, intolerância religiosa, entre outras, visando a fortalecer as redes de proteção de direitos previstas na legislação.”

3.18 – Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre sexualidade, diversidade, relações de gênero e Lei Maria da Penha n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, através da Secretaria Municipal de Educação e em parceria com Instituições de Ensino Superior e Universidades, preferencialmente públicas, e desenvolver, garantir e ampliar a oferta de programas de formação inicial e continuada de profissionais da educação, além de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado, visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista, homofóbica e transfóbica no ambiente escolar.”

“3.19. Difundir propostas pedagógicas que incorporem conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual, relações de gênero e identidade de gênero, por meio de ações colaborativas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, dos Conselhos Escolares, equipes pedagógicas e sociedade civil.” (artigo excluído em sua totalidade)

“6.5 – Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de gênero e étnico-racial, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão.”

Em Guarulhos, os vereadores querem proibir uma cartilha em quadrinhos que simplesmente defende que as meninas podem cumprir os mesmos papéis sociais que os meninos!

Os argumentos que os vereadores apresentam para barrar tudo a que se refere a gênero parecem pertencer ao senso comum e à ignorância, como por exemplo o vereador de São Paulo, Ricardo Nunes (PMDB), que diz, segundo o site do G1: “A gente acha que não é correto criança discutir sexualidade, se quer ser menino ou quer ser menina”, ou então o vereador Luiz Eustáquio (PT) de Recife que disse: “Eu mesmo não concordo com alguns pontos, e um deles é o fato de as escolas ensinarem sexualidade, diversidade sexual e assuntos desse tipo. O ensino que tem que ser levado (às crianças) é o Português, a Matemática, História… essa é a responsabilidade dos educadores. Questões morais são de responsabilidade dos pais”.

Mas, por trás da aparente ignorância dos vereadores, o que existe é uma articulação política desde a Câmara dos Deputados em Brasília até as Câmaras de Vereadores nas cidades, passando pelas Assembleias Legislativas e até mesmo pelos Ministérios Públicos. Em Alagoas, foi o Ministério Público do estado, por meio da Promotoria de Justiça do Município que recomendou a retirada de termos relacionados à “ideologia de gênero” no Plano Municipal de Educação da prefeitura.

Esta articulação tem representantes em vários partidos, do PSDB ao PT, e também está presente em orientações de padres e bispos católicos a pastores evangélicos pentecostais. Um exemplo é o padre católico Paulo Ricardo, que tem um arsenal de comunicação à sua disposição e que propaga um vídeo na internet em que explica didaticamente porque os fiéis devem se mobilizar contra a “ideologia de gênero”. Seu blog diz: “O perigo está mais próximo do que você imagina. O plano para introduzir a Ideologia de Gênero nas escolas saiu do Congresso Nacional e está nas Câmaras Municipais de todo o país, bem perto da sua casa. Afinal, o que está acontecendo? Como agir diante dessa nova ameaça à família brasileira? Entenda já os riscos e saiba o que fazer”.

Qual é o “perigo” que eles tanto temem? Crianças que vão aprender a se respeitarem desde cedo? Que vão aprender que meninas não tem que fazer trabalhos domésticos enquanto meninos brincam livres pela rua? Que meninas podem fazer as mesmas coisas que os meninos?  Que homens não podem ser violentos com as mulheres?  Que pessoas do mesmo sexo podem sim namorar e casar se quiserem e não devem ser discriminadas por isso? Que pessoas podem sim nascerem com um sexo, mas se sentirem pertencendo a outro gênero?

Que mundo poderia ser tão terrível se tivesse menos preconceito e menos violência de gênero? Talvez um mundo em que os tais conservadores não tivessem tanto ibope e não enriquecessem tanto e também não se elegessem tanto… O discurso “conservador” virou uma fonte de riqueza e de votos. O exemplo mais emblemático é do próprio Eduardo Cunha, que é um dos deputados que recebeu mais verba de grandes empresas na campanha, tem programa de rádio e consequentemente, um dos mais votados. Ser “conservador” virou um grande negócio. Um discurso intolerante, dogmático, infantilizado, que se diz representar alguma autoridade divina e acaba manipulando a religiosidade das pessoas.

Pois bem, estes “empresários da fé”, ao se articularem politicamente para impor retrocessos na educação estão sendo cúmplices da violência machista, racista e LGBTfóbica, que oprime, mutila e assassina.

As escolas também são palco da violência. Recentemente uma adolescente foi estuprada em uma escola da zona sul de São Paulo e outras meninas tentaram suicídio por causa de uma lista das “mais vadias”. Estes casos são consequência da sociedade machista e opressora, que perpetua a desigualdade para aumentar a exploração e que descarrega tragédias em cima dos mais pobres e vulneráveis. Fruto disso está também uma escola que não tem instrumentos para educar sobre sexualidade, igualdade de gênero e diversidade sexual.

Neste sentido, não somente os “conservadores” são responsáveis, mas o governo Dilma, que vetou o kit-anti-homofobia das escolas, que não implementa um programa efetivo de educação contra a violência machista, que faz todo tipo de acordo com a bancada conservadora no Congresso Nacional, abriu o caminho para o retrocesso que está se implementando agora. Aliás, vereadores do PT estão votando pela retirada do termo Gênero dos Planos como o Jair Tatto em SP ou o caso da vereadora do PT de Guarulhos, Dona Maria, que formulou um PL que proíbe a parada LGBT na cidade.

Mas a luta contra o retrocesso nos Planos de Educação dos Municípios ainda não acabou. Semana que vem, os projetos vão para uma segunda votação em muitas cidades. Vamos nos mobilizar!