O tabuleiro das eleições de 2010 se alterou drasticamente, com o convite do Partido Verde (PV) à ex-ministra Marina Silva para disputar a Presidência da República. O PT e o governo reagiram rapidamente. Senadores petistas tentaram fazer com que ela permanecesse no partido, sem sucesso. Em pouco tempo, todos já davam como certa sua candidatura a presidente. A novidade altera a eleição, polarizada entre José Serra (PSDB), pela oposição de direita, e Dilma Rousseff, como herdeira de Lula.

Com uma trajetória de esquerda e defendendo a causa ambiental, Marina pode ocupar um espaço decisivo. O PV estima obter ao menos 10% dos votos, grande parte no eleitorado de esquerda. Entre os que se desapontaram com Lula e os que apoiam o governo. Assim, a candidatura é um obstáculo para Dilma e um presente para a oposição de direita.

Para a ex-ministra do Meio Ambiente, a tese de interferência do PSDB é teoria da conspiração. O certo é que sua entrada contribui para garantir ao tucano um segundo turno. O PSDB agradece. Aécio Neves afirmou à imprensa que não descarta uma aliança com Marina: “se não for possível no primeiro turno, como nós gostaríamos, com certeza, no segundo.”

Ensaio geral
Há antecedentes na manobra tucana. Nas eleições municipais no Rio e em São Paulo, candidaturas “alternativas” foram impulsionadas diretamente pelo PSDB. Em comum, posições ou trajetórias de esquerda, um perfil ético e independente, desvinculado de políticos tradicionais. Ocuparam espaço entre setores desiludidos com a política. Pela internet, conquistaram segmentos da juventude que provavelmente ignorariam a eleição.

Em São Paulo, a vereadora Soninha Francine deixou o PT e se lançou pelo PPS. Com posições avançadas sobre drogas e aborto, retirou votos de Marta Suplicy (PT), derrotada por Gilberto Kassab (DEM). Admiradora de Serra, Soninha obteve 4% dos votos válidos.

Mas foi no Rio onde a fórmula tucana teve mais sucesso. Fernando Gabeira (PV) polarizou a cidade. Nem mesmo a coalizão com o PPS e o PSDB e o apoio do DEM no segundo turno impediram que fosse visto como representante “da esquerda”. Por muito pouco não derrotou Eduardo Paes (PMDB), apoiado por Lula.

A trajetória de Gabeira confunde. Ex-guerrilheiro, fundador do PV, ex-petista, famoso por “ousadias” de comportamento e política, cultiva uma imagem de independência, que se encaixa como luva na estratégia tucana. É como se flutuasse acima das estruturas dos partidos, sem se submeter aos caciques ou aos que financiam as candidaturas. Ilusão. Candidato ao governo do Rio, estará com Serra, mesmo com Marina candidata pelo PV. É o preço do apoio tucano. Em São Paulo, Soninha integra a coalizão DEM-PSDB em uma subprefeitura.


Esse fenômeno é ainda maior com Marina, dona de uma trajetória de luta na floresta, ainda com Chico Mendes. É tida como honesta, íntegra. É mulher e disputa a Presidência, universo de ampla maioria masculina.
Possui ainda história de vida semelhante à de Lula: filha de retirantes, nascida no seringal no Acre, de infância pobre. Também de sobrenome “Silva”, como Lula gosta de realçar.

É provável que muitos trabalhadores olhem com expectativa para a ex-ministra. Que se agarrem a sua biografia, ignorando o restante.

Limites
Há enormes contradições, a começar pelo PV. O partido usa a defesa do meio ambiente para apresentar-se acima das classes, imune aos podres poderes da espécie humana. Todo partido está a serviço de uma das classes sociais. E o PV está longe de ser um partido operário, de trabalhadores. É um partido burguês, que em cada estado serve a outro partido maior, como se fosse uma legenda de aluguel. E tem em sua direção Zequinha Sarney, filho do presidente do Senado, uma ligação direta com o mais repudiado político brasileiro.

Na Bahia, está com o PT. É aliado ao DEM, com Kassab, e ao PSDB, nos governos de Serra e Aécio.

Lideranças do PV, como Alfredo Sirkis, ex-secretário de Cesar Maia, já falam em alianças para aumentar o tempo de TV. O nome para vice é o de Cristovam Buarque, do PDT, outro partido dos patrões e da Força Sindical.

Marina ministra
A imagem de Marina ao deixar o governo foi de alguém coerente, que não aceitou acordos com os que destroem a natureza. Mas não foi isso. Ela foi ministra durante as maiores agressões ao meio ambiente. O Brasil liberou os transgênicos e aprovou a transposição do rio São Francisco, o que nenhum governo de direita tinha conseguido. Permitiu usinas no rio Madeira. O desmatamento na Amazônia foi recorde, com ampliação da soja e do gado. As florestas foram privatizadas. Esses ataques à ecologia foram justificados e legitimados sob a tese do “governo em disputa”.
Não havia disputa. Ao permanecer como ministra, desde 2002, Marina prestou um papel lamentável – emprestou sua biografia, seu prestígio internacional a um governo que sempre esteve ao lado do agronegócio.

Seu balanço foi o de ter participado de ataques históricos ao meio ambiente e de um governo que destruiu a Amazônia como poucos. Ao ter permanecido tanto tempo, tornou-se cúmplice.

Utopia
A atuação de Marina como ministra foi consequência de uma tese, a do desenvolvimento sustentável. Supõe um modelo onde as empresas respeitem os limites da natureza. Significa, na prática, limitar os lucros. Essa tese foi o carro-chefe de Lula. Eleito, prevaleceram os interesses das empresas.

A natureza do capitalismo, do lucro, se acentua na crise econômica. Da mesma forma que as empresas aumentaram a exploração para manter a taxa de lucro, também aceleram a destruição da natureza.

Há outras razões que tornam ainda mais utópica essa defesa – a forte presença das multinacionais e a dependência da economia brasileira. Essa é também a causa da pressa nas licenças das obras do PAC.

A defesa do mesmo programa do PT e do governo Lula, apostando na boa fé capitalista, levará a derrotas. Insistir nessa tese é enganar os trabalhadores. Os que falavam em ética hoje defendem Sarney como “mal menor”. Os que erguiam bandeiras ecológicas são os pragmáticos de hoje.

As empresas se apropriam da ecologia como marketing. A saída para a crise ambiental está nas mãos dos trabalhadores, com um programa socialista, contra empresas e governos. Sem um programa assim, o resto é utopia reacionária.

Por uma verdadeira alternativa em 2010
Neste momento em que velhas ideias são recicladas e oferecidas como novidades aos trabalhadores, é preciso reafirmar o chamado a unir os trabalhadores e os socialistas na eleição de 2010. Uma frente classista e socialista, com PSOL, PSTU e PCB. Não nos enganemos: a manobra da candidatura do PV também disputará os votos da frente, caso esta não apresente um programa e um perfil claro de esquerda e opte por trilhar apenas o caminho ético.

A entrada de Marina reforça a necessidade de ter nossos principais nomes na disputa. Seria um erro não apresentar, nesta conjuntura, a candidatura de Heloísa Helena, com uma trajetória militante e um legado da eleição de 2006. É preciso uma candidatura que reúna os principais nomes como Heloísa e Zé Maria, sem alianças com partidos burgueses e financiamento das empresas, para combater o governo Lula, a oposição de direita e as ilusões em candidaturas como a de Marina.

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