As eleições brasileiras estão produzindo situações que desafiam a realidade. Uma delas foi a reação do público no show de abertura da turnê “Us + Them” (Nós + eles), do ex-Pink Floyd Roger Waters, em São Paulo, no dia 9 de outubro. O músico exibiu o nome de Jair Bolsonaro na lista “Neofascismo está em ascensão”, com nomes de líderes mundiais autoritários. Também projetou a hashtag #ELENÃO em dois momentos.
Parte do público, que tinha acabado de ouvir o protesto de Waters contra Trump e outros políticos autoritários, começou a vaiar e soltar toda sorte de xingamentos. Muitos, porém, aplaudiram. Waters repetiu o protesto nos shows seguintes. Em Brasília, a frase “nem fodendo” foi exibida no telão.
O episódio, evidentemente, rendeu uma série de memes nas redes sociais. Seria uma decepção para qualquer fã de verdade de Pink Floyd se Waters viesse ao Brasil no atual momento e não se manifestasse contra Bolsonaro. Um tempo atrás, ele chegou inclusive a se posicionar a favor do “Fora Temer”. Ele perdeu o avô na Primeira Guerra Mundial e o pai na Segunda. Sim, ele sabe muito bem sobre o que está falando.
Pink Floyd nasceu em 1965 e é ainda hoje uma das maiores expressões do rock progressivo, representado principalmente pelos Beatles em sua fase psicodélica. Desde o início, o Pink Floyd é uma das bandas mais politizadas de toda a história do rock.
A crítica ao autoritarismo já estava presente de forma contundente contra o stalinismo no disco Animals (1977), inspirado em A Revolução dos Bichos, livro de George Orwell. As faixas “Pigs (Three Different Ones)”, “Dogs” e “Sheep” representam os políticos corruptos e moralistas (porcos), as forças de repressão (cachorros) e uma massa que não pensa por si (ovelhas).
The Wall (1979) é uma ópera rock sobre alienação e solidão, representada por um muro que divide artista e público. “Another brick in the wall” (parte 2), a faixa mais conhecida do disco, representa bem uma das características do atual momento que vivemos: “Nós não precisamos de nenhuma educação / Nós não precisamos de nenhuma lavagem cerebral”.
O que pensar? Talvez que essas pessoas sejam ignorantes que nunca entenderam a banda. Talvez, ainda, que estejam entorpecidas pela polarização e, do alto de sua arrogância, se conferem o direito de censurar o artista de acordo com o que defendem: se não pensa como eles, não pode ser dito.
O certo é que ameaças às liberdades democráticas e aos direitos humanos básicos, em qualquer parte do mundo, é assunto de todos sim. O episódio serviu para deixar a mostra o estrago na consciência causado por anos de governos de frente popular, agora explorado da pior forma pela ameaça autoritária do facínora Jair Bolsonaro.