Will BG, de Criciúma (SC)
Will BG
O Poço é um filme espanhol dirigido por Galder Gaztelu e escrito por David Desola e Pedro Rivero. O longa estreou na Netflix no último 20 de março e vem causando burburinho nas redes sociais desde então, seja por seu final em aberto ou pela retratação da sociedade. Mas, afinal, o que podemos tirar de O Poço?
O filme se passa em um futuro onde uma prisão vertical mantém duas pessoas em cada andar e a comida é distribuída da mesma forma. Os de cima comem primeiro e os de baixo ficam com os restos. A história poderia muito bem se desenvolver apenas como um reflexo da pirâmide social em que vivemos, onde os mais privilegiados ocupam o topo e ficam com toda a riqueza produzida pelos trabalhadores, que acabam sendo relegados, fazendo a base acabar apenas com o que os de cima acham que devemos ficar. Porém, os roteiristas David e Pedro e o diretor Galder aprofundam um tema bastante necessário sobre o sistema capitalista em que vivemos. Afinal, por que algumas pessoas passam fome?
Hoje nós já conseguimos produzir comida suficiente para alimentar praticamente o dobro da população mundial, porém sem uma distribuição igualitária e com a busca pelo lucro dos burgueses, várias pessoas em diferentes lugares morrem de fome ou não tem o mínimo necessário para manter uma alimentação nutritiva, o que acaba causando vários problemas de saúde. Em O Poço essa realidade cruel do Capitalismo é mostrada para o público na forma desta prisão vertical, onde os de cima acabam comendo primeiro e com o passar dos andares a escassez aparece e no fim várias pessoas ficam sem se alimentar. Chegando no ápice de praticarem canibalismo para a sobrevivência.
Porém, se este poço é tão ruim assim, por que as pessoas não se rebelam contra a administração e saem dessa prisão? Esse ponto é crucial para O Poço representar melhor nosso sistema do que alguns outros filmes mais aclamados de futuros distópicos, mas que apenas ficam na superfície do problema. Neste longa de Gaztelu, as pessoas são realocadas aleatoriamente de posições a cada mês. Um dia você pode estar na posição 3 e, ao passar o mês, pode estar na 235 e morrer de fome. Esta dinâmica do medo é eficaz para que as pessoas se mantenham fiéis à administração e inclusive agradeçam a ela (ou Deus) por acordarem em uma posição que dê para se alimentar, sem questionar muito que esse medo e agradecimento só existe, justamente, devido à própria administração não distribuir a comida de forma igualitária, e assim relegar algumas pessoas a morrerem de fome.
Esta dinâmica do medo tão bem executada em O Poço é uma das principais armas do sistema capitalista para se perpetuar no poder por tanto tempo sem que haja uma rebelião nacional, ou até mesmo internacional, mesmo que de tempos em tempos o sistema colapse ou pessoas morram de fome. Enquanto os ricos, os donos de fábrica e os bancos nunca sequer sejam afetados. Este medo de perder o emprego num dia e no próximo mês não ter dinheiro para pagar o almoço da família e a escola dos filhos, é o que faz algumas pessoas até agradecerem a seus patrões pelos empregos que têm e pelo quanto ganham. Mesmo que esse medo só seja real por conta do próprio sistema e dos patrões que enchem o bolso com a riqueza produzida pelo trabalhador, e dê a ele apenas uma pequena parte para que sobreviva por apenas um mês. Porque, obrigatoriamente, o sistema quer que o trabalhador se sinta obrigado a fazer a mesma coisa no próximo mês.
Por fim, em O Poço, duas pessoas saem em busca de levar um pouco de justiça para a prisão e levar um pouco de comida para cada andar e fazer com que as pessoas sejam solidárias umas com as outras. Esses levam bastante porrada e xingamentos, mas o trabalho tem que ser feito por alguém e de pouco em pouco, pois assim como em O Poço nós vivemos numa sociedade que lida com o medo de tentar se desencaixar do sistema para lutar contra ele. Não é fácil, nem imediato, mas é muito importante um trabalho de base que vá unificar os debaixo para lutar contra a administração. Mostrar que nós podemos viver sem ela, mas ela não consegue viver sem nós. Nós produzimos, nós geramos a riqueza e queremos ela distribuída para todos e não na mão de poucos.