As eleições deste ano têm trazido uma série de novos debates e desafios para a esquerda socialista brasileira. Numa dura batalha contra os monopólios político-financeiros, uma parte dos lutadores das greves e mobilizações tem tentado usar o espaço eleitoral para romper a ideologia de que “os políticos são todos iguais” e de que “não existe política sem corrupção”. Felizmente, em algumas cidades, a esquerda socialista tem conseguido um espaço importante nessa disputa de consciência.

No entanto, um fato recente chamou a atenção de todos os ativistas e tem sido assunto nas redes sociais. Trata-se da relação escancarada de membros do PSOL com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, incluindo o fundador e dirigente nacional do PSOL, Martiniano Cavalcante, que recebeu nada menos que R$ 200.000 da empresa Adécio e Rafael Construções e Incorporações LTDA, uma das empresas-laranja utilizada por Cachoeira para suas negociatas.

Mesmo em meio ao julgamento do mensalão e a denúncias que envolvem centenas de políticos burgueses com Cachoeira, a participação do PSOL salta aos olhos dos ativistas como algo inesperado, da mesma forma que salta aos olhos da burguesia, como uma arma a ser usada contra o conjunto da esquerda socialista. É de se esperar que escândalos de corrupção surjam de quando em quando e de forma cada vez maior entre os políticos da burguesia e seus financiadores de campanha milionários. O que não é de se esperar é que um partido que se reivindique socialista esteja envolvido nesses casos.

Direção do PSOL sabia
As primeiras denúncias da relação do PSOL com Cachoeira vieram à tona ainda em maio desse ano, quando da divulgação das escutas telefônicas que evidenciavam a compra de apoio político do vereador Elias Vaz, em uma conversa telefônica diretamente com seu companheiro Carlinhos Cachoeira. A reação da ampla maioria das figuras públicas e dirigentes do PSOL na época foi a de acobertar o vereador, reciclando inclusive a tese do “golpe das elites” defendida pelo PT na época do mensalão.

Sabendo-se das relações de Elias Vaz com Cachoeira, era evidente para qualquer dirigente que acompanha o debate que Martiniano estaria envolvido, pela relação umbilical que existe entre os dois dirigentes em suas trajetórias políticas. Mas o PSOL preferiu não tomar nenhuma iniciativa e hoje Elias Vaz é o candidato prioritário da coligação PSOL-PCB em Goiânia, jogando pesado para manter seu mandato. Nos cálculos das tendências internas, mais valeu a disputa pelo aparato do que manter limpa a bandeira socialista.

Mas a divulgação do recebimento de R$ 200.000 de Cachoeira por Martiniano eleva a discussão para outro patamar. Não estamos mais falando de uma figura pública regional do PSOL, mas de um fundador e dirigente nacional do partido, parte da coluna central de quadros que hoje dirige o PSOL.

Quem é Martiniano Cavalcante?
Para os que não se recordam, Martiniano foi um dos pré-candidatos a presidente da República nas últimas eleições presidenciais, sendo derrotado por Plínio de Arruda Sampaio, depois de uma enorme crise com acusações entre os dois blocos. Era o candidato que Heloísa Helena e Luciana Genro, entre tantos outros dirigentes, defendiam como melhor nome para representar “a ética na política”.

Martiniano é um dos fundadores do PSOL. Fundou em Goiás no ano de 2002 o Movimento Terra Trabalho e liberdade (MTL), que depois passou a existir enquanto corrente interna do PSOL. Em Goiás, dirige um grupo de militantes que se organiza há anos ao redor do mandato do vereador Elias Vaz (PSOL). Mandato que ambos tem feito de tudo para manter, desde giros políticos à direita até, como agora se sabe, financiamentos do grupo de Cachoeira.

Martiniano militou no PSTU durante os anos 1990, rompendo junto de um grupo de militantes que, em essência, argumentava que o centralismo democrático suprimia as liberdades individuais dos militantes, ainda que não soubessem especificar quais liberdades eram essas. As denúncias recentes deixam claro a quais “liberdades individuais” Martiniano e seu grupo se referiam: a liberdade para fazer acordos e conchavos com quem bem entender, sem qualquer controle por parte da militância do partido.

A corrupção como subproduto do vale-tudo eleitoral
Uma reflexão que o conjunto dos lutadores deve fazer neste momento é a dos rumos que vem trilhando o PSOL. De um partido de oposição de esquerda, radical, o PSOL caminha a passos largos para ser apenas mais um partido da ordem. Cada vez mais distante das lutas concretas dos trabalhadores e da juventude, o PSOL vem sucumbindo de conjunto ao vale-tudo eleitoral.

Tendo como parte importante as articulações do Senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), o PSOL conta nessas eleições com um leque de alianças e acordos que envolvem PT,DEM,PDT,PRB, PV, PSL, PTN, PPS, PMN, PSB e PCdoB. No Amapá, o PSOL faz uma coligação com PPS, PRTB, PMN, PTC, PV em Macapá, e com o PTB e o DEM em Santana. O PSB é parceiro do PSOL em Manaus, entre outros lugares. Já o PCdoB foi garantido a qualquer custo em Belém.

É com o mesmo cálculo eleitoral que Marcelo Freixo, no Rio, afrontou os servidores em greve num momento crucial em que precisavam de apoio, admitindo como possível o corte de ponto dos grevistas em um governo do PSOL.

É esse vale-tudo eleitoral a origem do escândalo atual. Cedendo aos partidos e ao financiamento da burguesia, o resultado final não poderia ser outro: esses setores do PSOL acabam assumindo o método da burguesia de negociar. Hoje um dirigente nacional desse partido é manchete dos jornais recebendo R$ 200.000 de ninguém menos que Carlinhos Cachoeira.

Nós, do PSTU, mantemos com orgulho nossa independência de classe, tendo como foco a ação direta dos trabalhadores e sem fazer alianças com partidos da burguesia ou receber financiamento de empresas privadas. Sob essas bases, damos prosseguimento à luta pelo socialismo dentro das fronteiras da classe trabalhadora, seja nas lutas ou nas eleições.

E chamamos aos militantes honestos do PSOL a não se satisfazerem com medidas paliativas da direção desse partido, como a afastamento temporário de Martiniano da direção, mantendo a candidatura de Elias. É preciso mudar o rumo de adaptação eleitoral desse partido ou mudar de partido.