Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação
(Não contém revelações importantesFinalmente estreou um dos filmes mais esperados do ano. Batman – O cavaleiro das trevas ressurge encerra um longo e exitoso projeto cinematográfico que começou com Batman Begins, de 2005, e teve continuidade com Batman – O cavaleiro das trevas, de 2008, tornado inesquecível pela brilhante atuação de Heath Ledger no papel de Coringa. Toda a franquia foi dirigida por Christopher Nolan, que sem a menor sombra de dúvidas fez um excelente trabalho de recuperação da imagem do herói mascarado, jogada na lama depois do desastre de Batman Eternamente (1995, Joel Schumacher) e do inacreditavelmente ruim Batman & Robin (1997, também de Joel Schumacher).
Nolan rompeu em definitivo com a lógica caricaturesca das produções anteriores e nos mostrou um Batman mais realista, sombrio e contraditório, o que foi obviamente facilitado pela feliz escolha de Christian Bale no papel de Bruce Wayne. Além disso, as atuações de Michael Caine e Morgan Freeman nos papéis do mordomo Alfred e de Lucius Fox, respectivamente, dão um brilho e um charme especial a todos os filmes da franquia. Ao mesmo tempo que escolheu uma via mais realista para a história, a série dirigida por Nolan recuperou importantes elementos dos quadrinhos, como por exemplo a relação de Batman com a Liga das Sombras e a história de algumas personagens, que nos filmes anteriores não eram contadas. Por tudo isso, se esperava muito deste último filme e agora chegou a hora da verdade.
A volta do Homem-Morcego
Batman – O cavaleiro das trevas ressurge começa onde o filme anterior parou. A Morte de Harvey Dent, o procurador de Gotham City que se transformou em Duas-Caras no filme anterior, acabou por fazer aprovar uma nova lei de combate ao crime organizado que permitiu desbaratinar a totalidade das quadrilhas que atuavam na cidade. Gotham City se tornou uma metrópole pacífica e a criminalidade caiu abruptamente.
Essa nova realidade, combinada com a extrema culpa sentida por Bruce Wayne em razão das mortes ocorridas no filme anterior, faz com que Batman desapareça das ruas e Bruce viva recluso em sua mansão. Mas eis que surge na cidade um novo criminoso, um mercenário conhecido por Bane, que planeja destruir Gotham por razões que não ficam claras no início do filme e se revelarão por completo apenas no final. A ameaça faz com que Batman venca suas dores, supere seus traumas e ressurja como o protetor da cidade.
O problema é que Bane é muito mais poderoso do que parece à primeira vista e seus planos são mais complexos do que Batman previa. A partir daí, se desenvolverá toda a trama do filme, na qual o Homem-Morcego passará, como todo herói, por uma série de altos e baixos.
Um elemento interessante é que esta nova aventura será cruzada por alguns fatos ocorridos em Batman Begins, fundamentalmente a relação de Bruce Wayne com a Liga das Sombras e seu chefe Ra’s Al Ghul, antigo mestre de Bruce. Assim, de certa maneira, “o circulo se fecha” e a história toda adquire coerência. Mais uma boa jogada de Nolan.
Bane, o torturador de almas
Outra grande expectativa em relação ao filme girava em torno do vilão Bane. Depois da grandiosa interpretação do Coringa feita por Heath Ledger no filme anterior, havia muita dúvida nos fãs da franquia se seria possível achar um novo antagonista à altura do herói e, por outro lado, se o ator escolhido chegaria próximo de Ledger em sua interpretação.
No entanto, seria um enorme erro comparar o Coringa com Bane. São vilões absolutamente distintos e requerem atuações diversas por parte dos atores que os interpretam. O Coringa é um maníaco, completamente louco e não tem nenhum plano pré-determinado. Seu único “plano”, se assim pode ser chamado, é ver o mundo pegar fogo, como definiu o mordomo Alfred no segundo filme. Bane, ao contrário, é um vilão pensativo e inteligente, apesar de extremamente violento. Além disso, também foi treinado pela Liga das Sombras, possuindo, portanto, praticamente as mesmas habilidades de Batman. Sua incrível força física e aparência aterrorizante fazem com que ele se torne a encarnação do próprio mal, um verdadeiro demônio sentado em seu inferno subterrâneo particular.
Em uma das cenas mais marcantes do filme, perguntado por Batman se era um torturador, Bane responde: “Sim, mas não de corpos. Sou um torturador de almas”. Os próprios cartazes de divulgação do longa mostram uma máscara de Batman quebrada jogada ao chão, o que revela até certo ponto a vitória que Bane obtém contra o Batman durante o filme, vitória da qual nenhum outro vilão da saga sequer chegou perto. Mas em sua luta contra o cavaleiro das trevas, a principal vitória de Bane é psicológica e isso é o mais interessante do filme. Bane joga o Homem-Morcego em um mundo de dor interior do qual não se sabe até o último momento se haverá escapatória.
O Bane do cinema foi significativamente modificado em relação ao dos quadrinhos e é preciso que se esclareça isso. Nos gibis, a história de Bane é a seguinte: ele nasce na prisão, onde cumpre prisão perpétua pelos crimes de seu pai, o Rei Cobra. Comete seu primeiro assassinato aos 8 anos, quando mata um prisioneiro que queria usá-lo como moeda de troca com outros bandidos. Sua única companhia é um ursinho de pelúcia chamado Osito (literalmente “Ursinho” em espanhol). Dentro de Osito o menino Bane esconde uma faca com a qual mata seus inimigos na prisão.
À medida que cresce, Bane se revela extremamente inteligente e forte, o que chama a atenção dos administradores da prisão. Estes resolvem testar em Bane uma nova droga chamada “Veneno”, cujos testes nenhum ser humano havia suportado. Bane sobrevive ao teste do “Veneno” e tem sua força consideravelmente aumentada, mas agora precisa tomá-la a cada 12 horas, sob pena de sofrer uma grave abstinência que poderá matá-lo. Por isso o Bane dos quadrinhos usa uma máscara com vários tubos ligados a um aparelho que fica em seu braço e que injeta o “Veneno” direto em seu cérebro. Bane é obcecado por Gotham City e por seu guardião mascarado, e assim que a oportunidade se apresenta, ruma para a cidade com o objetivo de destruir Batman.
O Bane do cinema não usa exatamente uma máscara, mas uma espécie de respirador que cobre apenas parte do rosto e o ajuda a suportar as graves consequencias de uma briga na prisão. Ainda assim, o essencial de Bane foi mantido com relativa fidelidade e a interpretação de Tom Hardy (obviamente limitada por este não poder mostrar o rosto, e sim apenas os olhos) não deixou a desejar. O Bane do cinema é, sobretudo, convincente. Até certo ponto humano e cativante, o que provocará inclusive certa simpatia com a personagem em determinado momento do filme.
O fim do Homem-Morcego
A batalha final por Gotham City adquire, nesta saga de Nolan, um caráter épico e defintivo. E nisso não há absolutamente nenhuma surpresa. Todo o filme caminha para isso desde o início e mesmo os trailers divulgados não escondem esse fato. Nolan dá a Batman um fim também convincente. A decisão que o cavaleiro das trevas toma para salvar a cidade não é apenas mais um ato de heroísmo, e sim um passo lógico e perfeitamente compatível com o drama interior e anterior da personagem.
Como toda grande produção holywoodiana, o filme tem clichês e más escolhas. Algumas cenas são desnecessárias e confusas e até mal interpretadas. Há também um certo excesso de personagens, algumas inclusive ficam subaproveitadas, como a própria Mulher-Gato, bastante bem interpretada por Anne Hathaway, que não tentou de maneira alguma imitar Michelle Pfeiffer (Batman: O retorno, 1992, Tim Burton), mas sim fez um trabalho original. Ou mesmo o simpático Lucius Fox, que desta vez aparece bem menos do que nos filmes anteriores.
Poderia ser feita também uma dura crítica política ao filme, por exemplo, sobre o fato de que a “Lei Harvey Dent”, que permitiu acabar com o crime organizado em Gotham City, nada mais é do que a permissão para a polícia prender pessoas sem provas e mantê-las presas sem julgamento. Ou seja, Gotham virou uma espécie de “UPP gigante” e isso é apresentado no filme como algo positivo, como a solução final para o problema da criminalidade. Nesse momento, qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico se retorce na cadeira…
Mas tomado de conjunto, o filme de Nolan é plenamente satisfatório. Os pontos altos do filme ficam nas interpretações de Christian Bale (que demonstra, mais uma vez, uma incrível capacidade de transformar seu corpo, pois aparece magro no início do filme e volta a ser musculoso da metade em diante) e Michael Caine, desta vez muito mais tenso e sério do que nos filmes anteriores; no vilão Bane, digno do fim de uma grande saga e do herói que enfrenta; e no tom realístico dado a todas as cenas externas, gravadas, em sua maioria, nas ruas de Nova York em plena luz do dia, e não em estúdios com fundo de pano verde, como em quase todos os filmes de aventura atuais.
Como dissemos mais acima, apesar dos problemas, o filme cumpriu com folga o esperado. A saga dirigida por Nolan não precisa ser definitva e pode ser que vejamos outras franquias ainda melhores. Nada está descartado. Mas se tivéssemos que ficar apenas com essa, já estaríamos satisfeitos. O mais humano de todos os heróis foi definitivamente reabilitado no imaginário das várias gerações que cresceram com ele. Foi em primeiro lugar nesse imaginário que Batman ressurgiu e voltou a ocupar seu devido lugar. Batman, o cavaleiro das trevas ressurge é um fim digno para o Homem-Morcego.