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Mandi Coelho, da Rebeldia, Juventude da Revolução Socialista

Foi intenso. Foi arrebatador. Foi de despedaçar o coração, juntar os cacos. E renascer, depois. É assim que me sinto, voltando, nesse exato momento, de Belo Horizonte para São Paulo, ouvindo “Clube da Esquina”, no volume máximo, relembrando de “A última sessão de música”, o show no Mineirão que marcou a despedida de Milton “Bituca” Nascimento dos palcos.

A estrada é um bom lugar para refletir sobre esse dia único. É o caminho que une dois pontos, a “Travessia” de um lado pro outro. Estrada é movimento. E ela foi tema de “Nuvem cigana”, “Nada será como antes”, “Clube da Esquina N°2”, “Tudo que você podia ser” e tantas outras. Estrada é estar sempre buscando algo. Assim é Milton, caçador-de-si.

Foi também uma estrada que Milton nos fez percorrer ao longo do show. Iniciando com “Ponta de Areia”, o trem que liga Minas Gerais à Bahia. No percurso, o “Cais”, o caminho do que sempre quis e um Saveiro pronto pra partir. O trem azul, o sol na cabeça, você na cabeça… Encerrando esse encontro, que foi, também, uma despedida, na plataforma dessa estação. Que é a vida.

Músicas e voz que pulsam quente em nós

Milton Nascimento me fez sentir a vida crua e cruel pulsando quente no corpo. Na semana do falecimento da Gal Costa, uma dor profunda ao entrar no Mineirão e ver a foto dos dois no telão. Quando Milton abriu o show, dizendo que era uma homenagem à sua querida amiga Gal, e sua voz falhou, trêmula, senti uma palpitação, um soluço entalado na garganta.

Milton Nascimento me fez sentir a imensa vida pulsando quente no corpo. Ao dedicar as três primeiras músicas para Elis Regina, “o maior amor de minha vida”, Milton também atingiu profundamente a ferida viva do meu coração latino, como o de Mercedes de Sosa e Violeta Parra. “Volver a sentir profundo, como un niño frente a Dios, eso es lo que siento yo, en este instante fecundo”: Elis, você tinha razão, ele realmente tem a voz de Deus.

Milton Nascimento me fez sentir pulsando quente no corpo o florescimento de raízes. Que sorte tem os mineiros, com Bituca e Clube da Esquina. Que honra ver o Clube da Esquina, reunido nessa última sessão de música. Que fantástico ser Minas Gerais. E que especial, também, para quem sabe o que significa ser do mundo, da América do Sul. Que orgulho da Música Popular Brasileira!

Vida é estrada, travessia e movimento

Sobretudo, Milton Nascimento me fez sentir, formigando no profundo dos ossos e da carne, a chama inabalável, a única certeza: a maior potência da vida é a vida em si. “Dum spiro spero”. Enquanto há vida, há esperança. A emocionante “Maria, Maria”, o ápice, o auge, os fogos de artifício, o mantra de 60 mil vozes: a estranha mania de ter fé na vida…

Milton, Bituca, sei que nada será como está. Ainda assim, me dói o que nos deixa. A ausência de Gal, de Elis. Me dói também o que muda. Termos que nos despedir de você nos palcos é muito difícil. Mas saber que você vai seguir fazendo música é esperança e alegria. A vida é isso: estrada, travessia e movimento. Obrigada, Bituca. Sua voz embalou gerações e foi força, raça e gana. Sempre. Estrada de fazer o sonho acontecer.