Ocupação do Incra

Movimento popular impede despejo e conquista vitória parcialO título desta matéria repete uma das principais palavras de ordem das trabalhadoras e trabalhadores que vivem no Assentamento Milton Santos. São poucas palavras, mas que sintetizam a história recente das 68 famílias que, há quase um ano, vivem sob a ameaça de despejo.

As famílias, assentadas há sete anos, deveriam deixar a área até o dia 30 de janeiro, por conta de uma medida de reintegração de posse do terreno em favor do grupo Abdalla.

Porém, após uma intensa jornada de lutas iniciada com a ocupação do Incra, no dia 15 de janeiro, e do Instituto Lula, a partir do dia 24, no prazo limite para a criminosa reintegração, chegou a notícia de que a ação havia sido derrubada, no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região.

Uma vitória parcial, arrancada com garra
Não há dúvidas de que esta é uma vitória das famílias, resultado do seu processo de luta. Porém, é importante lembrar, essa vitória é parcial, uma vez que o Decreto de Desapropriação por Interesse Social ainda não foi assinado pela presidente Dilma, de modo que a Usina Ester e os Abdalla ainda podem recorrer da decisão da suspensão da reintegração de posse.

É necessário, também, que nos recordemos do massacre do Pinheirinho, em São José dos Campos, no qual, após a comemoração da notícia da suspensão do despejo, foi iniciada, durante a madrugada, a investida da polícia, manchando de sangue as mãos do governo tucano (municipal e estadual) e petista (federal).

A violenta e trágica reintegração de posse do Pinheirinho completou um ano no dia 22 de janeiro, e essa tragédia deixou lições importantes aos movimentos que se levantam contra os governos – municipais, estaduais e federal – e os defensores do Capital: jamais baixar a guarda.

O Assentamento aprendeu a lição. A alegria da notícia da suspensão da reintegração de posse veio também acompanhada da necessidade da manutenção da luta.

Uma disposição que os assentados demonstraram não só nos anos de resistência no próprio Milton Santos, mas também nas últimas semanas, tanto no interior do INCRA e do Instituto, quanto nas outras atividades que realizaram.

Agora, como ficou evidente nas falas de diversos assentados durante reuniões realizadas depois do anúncio da derrubada da liminar, esta disposição irá se desdobrar em duas importantes ações decididas pelos moradores do Milton Santos: reorganizar a produção (já que é necessário aproveitar o que resta do período das chuvas para produzir: não cana, mas os alimentos livres de agrotóxicos) e manter e ampliar a rede de apoio e solidariedade que foi formada em torno dos assentados e do assentamento, particularmente durante as mobilizações nas últimas semanas.

Como também foi, permanentemente, destacado pelos companheiros durante todo o processo de mobilização, a busca da unidade com outros movimentos é (como o resultado obtido até agora comprovou) fundamental. Não só para que o Milton Santos continue a existir e produzir, mas também porque o que vimos ocorrer no pequeno assentamento na região de Campinas é parte de uma brutal realidade país afora.

Higienização e criminalização da pobreza a serviço do Capital
O ataque sofrido pelas famílias do Assentamento Milton Santos não é isolado, mas insere-se numa situação de ofensiva do Capital (particularmente, o latifundiário e o especulativo) na qual, o abençoado Estado brasileiro, hoje gerenciado por Dilma e o PT, tem atacado constantemente, e de forma crescente, os trabalhadores e o povo.

Isto é, a investida contra o Milton Santos tem a mesma origem da violência lançada contra o Pinheirinho e contra os Guarani-Kaiowás. Parte da mesma fonte que produz os ataques que, há décadas, assolam quilombolas, sem-terra e sem-tetos.

Ataques que têm a mesma origem e os mesmos propósitos das enormes construções que estão destruindo comunidades, assentamentos, ocupações e bairros inteiros por conta dos chamados “megaeventos” (Copa e Olimpíadas) e obras de infraestrutura do Plano de Aceleração e Crescimento (PAC), como Belo Monte (Pará), Jirau (Rondônia) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Financiadas com dinheiro público, estas obras têm imposto sofrimento a centenas de milhares. Ao mesmo tempo, o descaso do governo Dilma com esta situação não se encontra apenas nos muitos incentivos (fiscais, econômicos, jurídicos e políticos) com os quais empresários corruptos, como os Abdallas, os Nahas e tantos outros, têm se beneficiado. Dilma bateu um recorde lamentável: seu governo é o que menos assentou famílias nos últimos 20 anos, superando somente o governo Collor.

Resistir, lutar, ocupar e produzir
Estes ataques constantes mostram que os governos, visando preservar sua valiosa aliança com determinados setores da burguesia (como a Usina Ester, dos proprietários da EPTV; ou os Abdalla, que ganharam do governo de São Paulo a desapropriação de um terreno no valor de R$ 2,5 bilhões), desencadeiam uma série de investidas contra os trabalhadores.

Assim, a luta empreendida pelas 68 famílias do Assentamento Milton Santos deve servir como inspiração para os próximos enfrentamentos que estão por vir. “Inspiração” porque, no decorrer do processo de enfrentamento, a luta das famílias esteve sempre calcada na independência dos governos e dos patrões, contando com a mobilização e apoio dos trabalhadores, tanto os do assentamento quanto os das organizações apoiadoras (ativistas independentes e organizações dos movimentos sindical, popular, negro, da Cultura e estudantil etc).

Não ter o “rabo preso” com governos ou patrões possibilitou que os assentados atingissem diretamente o governo federal, primeiro com a ocupação da sede do Incra em São Paulo, no dia 15 de janeiro; e, em seguida, com a ocupação do Instituto Lula, no dia 23 de janeiro. Os assentados, organizados, sabiam que o foco dos seus ataques deveria ser o governo federal e as figuras que o representam. E foi isto que fizeram.


Ocupação do Instituto Lula

A pressão gerada pelas ocupações, principalmente a do Instituto Lula, foi tão grande que o caso do Assentamento Milton Santos apareceu nos jornais de maior circulação do país, além de ganhar espaço na televisão. A comprovação de que a ação foi necessária e acertada veio rápido: um dia depois da ocupação do Instituto Lula, veio de Brasília, especialmente para tratar do imbróglio do assentamento, o presidente nacional do Incra, Carlos Guedes.

Vale lembrar, contudo, que a independência diante do governo, demonstrada pela ocupação do Instituto, também provocou enorme polêmica nos movimentos sociais, particularmente naqueles que mantém vínculos mais estreitos com o “lulismo”.

Neste sentido, a atitude adotada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) foi, particularmente, lamentável. Apesar de oferecer apoio à luta do Milton Santos, diante da ocupação do Instituto Lula, a direção do MST apressou-se em divulgar uma nota à impressa negando qualquer envolvimento ou apoio à ocupação do escritório político de Lula (que, vale lembrar, era presidente quando os direitos dos assentados foram reconhecidos).

Os motivos dados pelo MST para negar apoio a uma ação tomada em função de uma “situação limite” (como explicaram os assentados em sua nota à imprensa) são de uma enorme contradição com a atual situação do campo e o descaso do governo Dilma: “Os protestos organizado pelo MST têm como orientação geral denunciar os verdadeiros inimigos da reforma agrária, como o agronegócio, o latifúndio, o Poder Judiciário e a imprensa burguesa e pressionar os órgãos de Estado para que façam a Reforma Agrária”.

Essa tentativa de esvaziar e desqualificar a ação (chamada de “inócua” pela direção do MST) é lamentável, exatamente por ter partido de um dos maiores movimentos sociais da América Latina que teria que acompanhar a base assentada nessa empreitada tão importante e radicalizada. E não “lavar as mãos”, como aconteceu.

Contudo, ao contrário do que foi dito, que a ação dos assentados não teria sido legítima e coerente com a história das lutas dos movimentos sociais e teria sido “inócua”, significou pressão suficiente sobre o governo Dilma Rousseff. A ação resultou na suspensão da reintegração de posse, deixando claro, mais uma vez, que a questão da terra é uma questão política, mais que um debate técnico-jurídico.

As famílias, agora, estão em suas casas, no assentamento, preparando a resistência e a produção. A luta continua e, nós do PSTU – que estivemos presentes em todos os momentos desta luta – fazemos questão de, mais uma vez, destacar nosso mais irrestrito apoio à luta das famílias do Assentamento Milton Santos e exigimos que “Dilma, Desaproprie Já!”

Instituto Lula: a “Bastilha” do PT
Fundamental para a vitória conquistada, até o momento, pelo Assentamento Milton Santos, a ocupação do Instituto Lula – para além das polêmicas que causou nos movimentos sociais – também serviu para que muitos ativistas pudessem verificar, em primeira-mão, o quanto os representantes dos “ex-militantes” e, agora, membros da estrutura do Estado gerenciado pelo PT, se afastaram de qualquer coisa que tenha a ver com as lutas e necessidades de nosso povo.

Apesar da repetidas declarações “em defesa” de uma solução que garantisse a terra aos assentados, os petistas foram exímios em produzir declarações que jogavam contra o movimento. A começar por Lula, que, segundo Luis Dulci, teria dito: “com a causa, eu sou solidário, mas não com os métodos”.

O lenga-lenga de que o Instituto e o próprio presidente não têm nada a ver com o governo, não podendo, assim, incidir sobre Dilma não precisa sequer ser comentado. Basta lembrar as constantes reuniões com Dilma e Haddad, exatamente para discutir políticas de Estado.

A História dirá quem vai ficar com a corda no pescoço
Contudo, foram de dois dos diretores do Instituto que partiram as piores pérolas. Paulo Okamoto – ex-dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cujas relações, hoje, com Marco Valério, do Mensalão, ainda estão sob investigação –, em sua passagem pelo Instituto ocupado, sufocou suas vagas promessas de apoio com ameaças nada sutis e dignas dos representantes da classe dominante: “Vocês têm que tomar cuidado com o que vocês fazem!” e “Vocês tem que tomar cuidado com o que estão mexendo”.

Dulci, também, foi na mesma linha. E além. Confundindo sua atual posição com seu passado como dirigente dos professores e da CUT, o diretor do Instituto (falando aos assentados, logo após a assembléia em que eles decidiram deixar o local) começou fazendo uma avaliação um tanto bizarra da ocupação: “Consideramos que o movimento fez um erro político. Não é correto que um movimento social, com uma causa justa, invada ou ocupe outra entidade popular”.

Se não bastasse elevar o escritório de Lula à categoria de “entidade popular”, Dulci ainda nos brindou com uma pérola inacreditável. Depois de garantida a saída, o diretor do Instituto ergueu a voz para decretar: “Isso que ocorreu aqui vai ter consequências. Ninguém, nunca mais, vai ocupar este espaço”.

Fiel à promessa (e as deste tipo, atualmente, o “lulismo” é rápido em concretizar), Dulci já mandou aumentar os muros e a cerca eletrificada do Instituto, transformado, pelas palavras de Dulci, numa espécie de último bastião do “lulismo”, um símbolo da “maneira petista de governar”.
Mas, símbolo por símbolo, é melhor que Dulci reveja a “Aula” dada por Seu Pedro, diante do representante do INCRA, no qual o assentado lembra que, já existiram “Bastilhas” instransponíveis e governantes que dispuseram a tudo e qualquer coisa para mantê-las, inclusive sufocando os trabalhadores, suas lutas e necessidades, também existiram momentos em que a corda trocou de mãos.

Para maiores informações sobre a história do assentamento, acesse:

  • Blog do Assentamento
  • Assentamento Milton Santos ocupa prédio do INCRA
  • Assentamento Milton Santos corre o risco de despejo
  • Assentamento Milton Santos: de que lado Dilma ficará?