Abertura do Encontro
Eduardo Henrique

O debate sobre a quem pertence o petróleo e o gás, os hidrocarbonetos, e como estes devem ser explorados não é novo na Bolívia, onde os trabalhadores estão em campanha pelo que chamam de terceira nacionalização. O tema está no centro da revolução que já derrubou dois presidentes no país e motivou a realização do Encontro Continental pela Nacionalização dos Hidrocarbonetos, no início deste mês, na cidade de El Alto, principal centro dos protestos dos últimos anos. Uma delegação brasileira participou do encontro, e com ela, militantes da Conlutas. Leia a seguir o relato de Eduardo Henrique, militante do PSTU e da Oposição Petroleira do Rio de Janeiro.

A estrada que nos leva do aeroporto de El Alto para o Centro de La Paz conhece bem os cachorros, as pequenas dinamites usadas pelos manifestantes que desceram desta cidade operária para derrubar presidentes na capital. Agora os bolivianos vivem o cuarto intermédio, uma trégua celebrada entre as principais lideranças populares e a classe dominante, para que se chegue às eleições de dezembro. A Revolução hiberna, espera seu próximo ato, quando estradas como a que atravessamos estarão novamente tomadas por bloqueios de mineiros e indígenas.

A visão é angustiante. La Paz fica na parte mais baixa de um “cone” de montanhas de pedra, com ladeiras e mais ladeiras apinhadas de casas mal acabadas. Pouquíssimas são as casas que levam tinta em suas paredes externas e, por aqui, dizem que é porque assim paga-se menos impostos. Descemos as ladeiras à noite. Na manhã seguinte, no dia 12 de agosto, já as subíamos de volta, para a passeata de abertura do encontro.

O BASE (Oposição Nacional Petroleira) havia aprovado enviar uma representação ao Encontro e assim nos juntamos – um petroleiro do Rio de Janeiro e outro de Aracaju – aos outros três companheiros da delegação da Conlutas. Os militantes do PSTU nos unimos a diversos militantes da LIT (Liga Internacional dos Trabalhadores) e do CITO (Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo).

Antes da abertura do Encontro, na Universidade Pública de El Alto, a passeata reuniu cerca de 500 pessoas e foi encabeçada por amautas (sábios aymaras) tocando seus típicos berrantes e ostentando a wipala (bandeira inca com as cores do arco-íris, representante dos povos indígenas). Pelo caminho, mineiros de El Alto explodiam dinamites.

A presença internacional pôde ser vista na passeata, com as delegações portando cartazes com o nome de seus países. Entre palavras de ordem, entrevistas à imprensa local e muita animação, aprendendo a mascar a tradicional folha de coca, driblando a falta de ar do altiplano e vencendo os oito quilômetros que nos separavam da universidade. A coluna da LIT contou com militantes de Brasil, Peru, Bolívia, Espanha, Paraguai e Colômbia.

O encontro foi aberto por Jaime Solares, da Central Operária Boliviana, e Miguel Zubieta, da Federação Sindical Mineira, entre outros organizadores do evento, como os representantes do Acordo Internacional dos Trabalhadores (AcIT). Depois seguimos para a UMSA, universidade em La Paz, onde transcorreram os três dias de debate com cerca de 300 pessoas e um forte peso de delegações internacionais.

Nacionalizar sem indenizar – aqui, como lá
A brasileira Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), com organizações do Paraguai e Espanha, apresentou um texto ao Encontro, que estabelecia como fundamental que o Encontro avançasse em seu programa e estabelecesse que a nacionalização deve ocorrer sem indenização e em todos os países, bem como a necessidade de organizar uma campanha no continente. Esta não é uma discussão menor, pois significa passar do suposto consenso sobre o monopólio dos recursos naturais na Bolívia para a prática de exigir que governos como o de Lula e o de Hugo Chávez barrem a farra das multinacionais no Brasil, na Venezuela e em toda a América Latina.

Foi isso que tanto incomodou dirigentes da CUT e da FUP (Federação Única dos Petroleiros) presentes ao Encontro. A intervenção de Toninho, da Conlutas de São José de Campos (SP) e dirigente histórico dos metalúrgicos da região, deixou mais incomodados ainda os governistas, quando denunciou o papel imperialista que cumpre a Petrobras nos países da América do Sul e em outros países do mundo. Assim como queimamos a bandeira dos Estados Unidos quando realizamos nossos atos contra as multinacionais no Brasil, Toninho declarou que se os companheiros bolivianos chegassem a queimar a bandeira brasileira como protesto contra a Petrobrás, não poderíamos censurá-los, pelo contrário, cruzaríamos a fronteira para nos juntarmos aos irmãos bolivianos em luta. Lá, como aqui, defendemos o monopólio estatal do petróleo, inclusive com a estatização da Petrobrás boliviana.

A Petrobrás deve sim ter uma política de ajudar no desenvolvimento e industrialização da Bolívia. Esse deveria ser o papel do governo Lula, diferente de Hugo Chávez, que, na recente greve petroleira equatoriana, enviou petróleo para o país para ajudar o governo de Palacios e desmoralizar os trabalhadores em luta.

Entre as resoluções aprovadas no encontro, a principal foi a realização de um jornada internacional de protestos, no dia 17 de outubro deste ano. O objetivo é promover protestos unitários em diversos países pela nacionalização dos hidrocarbonetos. No Brasil, os atos deverão incluir ainda o repúdio ao 7º leilão de poços da Petrobras, previsto para este ano. Veja abaixo outros pontos aprovados no encontro.

  • Apoio incondicional à luta do povo boliviano, pela nacionalização dos hidrocarbonetos sem indenização, sob controle dos trabalhadores
  • Nacionalização sem indenização dos hidrocarbonetos em todos os países
  • Contra as privatizações e pela renacionalização das empresas e serviços públicos privatizados
  • Em defesa da soberania dos povos
  • Fora bases militares estadunidenses da América Latina
  • Fora do Haiti as tropas da ONU comandadas pelo Brasil
  • Solidariedade à luta dos povos do Iraque, Afeganistão e Palestina
  • Realização do 2º Encontro Continental, dentro de um ano, na Venezuela.

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