Existe uma tradição nos movimentos sociais para se homenagear um militante falecido: alguém fala seu nome e logo em seguida todos falam “presente”. Muitos militantes novos se perguntam o porquê disto. O motivo é lembrar que a pessoa ainda está presente por meio de seus companheiros, que darão seguimento a sua luta. Apesar de não estar mais ali, a pessoa ainda existe por ter sido parte daquela coletividade, por ter dedicado sua vida a uma sociedade melhor e mais justa.

E este sentimento é que atenua um pouco nossa tristeza. Lucas Fortuna, militante do movimento LGBT de Goiânia, foi encontrado morto neste último domingo (18) na praia de Cabo de Santo Agostinho, próxima à Recife, capital do estado de Pernambuco. Pelas características do crime (o celular e carteira não foram roubados, marcas de torturas), tudo indica que Lucas foi vítima de mais um crime homofóbico.

A família está desolada com a brutalidade, os amigos e companheiros de militância não acreditaram na notícia. Lucas foi um dos criadores do grupo “Colcha de Retalhos”, que se destacou por organizar protestos contra a homofobia em Goiânia. Eram vários “beijaços” que constrangeram os moralistas hipócritas da capital de Goiás. E Lucas era um dos que sempre estavam na linha de frente e na organização do movimento.

Ele também foi ativo no movimento estudantil. Fez parte da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos) do Diretório Acadêmico de Comunicação da Universidade Federal de Goiás e também do Diretório Central dos Estudantes da instituição. Cumpriu um papel importante ao defender a luta contra a homofobia no movimento estudantil.

Todos que conviveram com ele se lembram da pessoa que era. Autêntico, bem humorado, inteligente. E acima de tudo, incansável na luta pela diversidade em um estado como Goiás, um dos mais conservadores do país.

Mas este não é um momento apenas para homenagear o companheiro. Temos de denunciar a barbárie por que passam os gays, lésbicas, bissexuais, trangêneros e travestis do país. Nos últimos meses a violência homofóbica tem aumentado muito. São milhares de pessoas que são assassinadas apenas por sua forma de amar e ter prazer. Uma reação estúpida, que tem como motivo o fato dos LGBT’s terem ganhado visibilidade e conseguido algumas vitórias, mesmo que parciais.

O Brasil ainda não é um país que respeita a diversidade. Por trás da aparência democrática, somos um dos países em que mais se mata por homofobia. E a polícia muitas vezes sequer reconhece o caráter do crime, que na maioria das vezes não é nem investigado. Por ironia, esta é a mesma polícia que reprime manifestações, como a última parada gay de Goiânia.

Nessa hora é importante prestar solidariedade aos amigos, à família e ao movimento LGBT de Goiás e do país. Mas não é só isso. A melhor forma de homenagear o companheiro que se foi é continuar sua luta. É lutar para que a homofobia seja crime e para que o casamento igualitário seja legalizado. Lucas Fortuna deixou um legado neste mundo e isto faz com que ele ainda esteja presente entre nós.

Diz o ditado que toda pessoa morre, mas nem toda pessoa vive. E ele viveu como poucos. Uma vida absurdamente curta, mas que valeu a pena.

Ademar foi colega de Lucas na faculdade em Goiânia, onde militaram juntos no DCE