Henrique Canary, da Secretaria Nacional de Formação

“A riqueza das sociedades nas quais impera o modo de produção capitalista se apresenta como ‘uma enorme acumulação de mercadorias’, e a mercadoria separadamente – como a forma elementar dessa riqueza”, escrevia Marx no primeiro capítulo de O Capital.

De fato, o capitalismo não pode existir sem transformar tudo em mercadoria: desde as riquezas materiais mais básicas, como o pão, a água e a terra, até os complexos frutos da cultua, como a literatura, as artes e a música. Para seguir existindo, tudo precisa ser passível de compra e venda.

Mas como toda riqueza, seja ela material ou cultural, é fruto do trabalho, a burguesia precisa, antes de tudo, separar o produtor do fruto do seu trabalho.

A essa separação chamamos alienação. A alienação ocorre porque o trabalhador vende ao capitalista a sua força de trabalho, ou seja, trabalha para o capitalista uma determinada quantidade de tempo, realizando tarefas determinadas. Ao final do dia, o trabalhador recebe um salário correspondente à jornada e entrega ao capitalista todo o fruto do seu trabalho. Assim é feita a separação entre o trabalhador e o fruto do seu trabalho.

Mais tarde, as riquezas produzidas são oferecidas ao próprio trabalhador na forma de mercadoria, sem que se leve em conta o fato de que foi esse mesmo trabalhador quem produziu tais riquezas. É assim que um carro, fruto do trabalho do metalúrgico, causa distintas reações neste mesmo metalúrgico: no chão da fábrica ele não agüenta mais ver motores e painéis, mas se o carro está na vitrine da concessionária, seus olhos brilham e sua emoção é evidente. O carro que brotou de suas mãos se tornou um sonho de consumo.

A alienação não é só material. Ela ocorre em todas as esferas da vida. É assim, por exemplo, que o carnaval, a mais importante festa popular do país, é responsável por um verdadeiro apartheid social na Bahia, com os abadás de R$ 2 mil, acessíveis somente aos filhos da burguesia. A juventude negra e pobre de Salvador acompanha “a festa popular” de fora, da “pipoca”, como se diz por lá, separada dos blocos por uma corda e muitos seguranças. O povo, criador da cultura, é alienado dela.

Assim, podemos compreender a alienação como um processo extremamente complexo, através do qual a atividade do próprio homem se transforma em uma força independente que o domina e lhe é contrária. O homem cria riquezas e idéias que só lhe trazem sofrimento e infelicidade. De sujeito ativo, o homem passa a objeto do processo social. Cria a flecha, a espada e a bomba atômica, e é abatido por elas. Cria o Estado, a igreja e a polícia que o oprimem. Cria deuses, fantasmas e demônios, e é punido e assombrado por sua própria criação.

A sociedade parece, tal como dizia Marx, um mago que já não pode controlar as forças que despertou. Toda a filosofia marxista tem como objetivo superar a alienação material e espiritual à qual, o homem é submetido e colocá-lo novamente no comando de seu próprio destino.

Em nossa sociedade, a alienação do homem significa também a alienação da sua própria natureza humana, ou seja, a mercantilização e a coisificação de tudo que deveria ser humano.

A juventude, pela opressão de que é vítima por parte das instituições do Estado, como a polícia, a escola e a igreja, sofre em dobro com a alienação capitalista. A futilidade toma conta da vida da juventude e lhe arranca tudo aquilo que resta de nobre e belo. As relações são efêmeras e superficiais, o MSN e o celular pré-pago sem créditos só permitem informar que está tudo “blz” e perguntar “kd vc?”. Quer-se viver dentro do Orkut porque lá todos são perfeitos e os encontros marcados no caderno de recados não precisam acontecer de verdade.

A televisão é machista, racista e homofóbica, mas ensina que o “sangue de Jesus tem poder”. A imprensa burguesa escrita é emburrecedora. A batata frita do MacDonald’s é amenizada pela nova Coca-Cola light, que não engorda. As empresas de telemarketing, empregadoras de mão-de-obra jovem e sem experiência, se transformaram nos campos de trabalho forçado do século 21 e contaminaram o português com o gerundismo dos manuais norte-americanos mal traduzidos.

Em fuga, parte da juventude recorre ao álcool, mas à ressaca etílica se soma a ressaca social, o ódio ao patrão e ao gerente que corrói a mucosa gástrica, provocando náuseas e vômitos. Vivemos uma vida de prazeres fáceis e falsos. Sábado pode ser ótimo, mas a segunda-feira sempre chega.

Em 1835, aos 17 anos, Marx prestou exames para a conclusão do ginásio. Na redação, intitulada “Reflexões de Um Jovem Perante a Escolha de Uma Profissão”, escreveu: “Se escolhermos uma profissão em que possamos trabalhar ao máximo pela humanidade, não nos curvaremos diante de suas dificuldades porque serão sacrifícios em nome de todos; não sentiremos, então, uma alegria pobre, limitada, egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões”.

O marxismo é a mais completa e verdadeira ideologia porque é, em última instância, a ciência da desalienação, do encontro com a felicidade humana. Essa felicidade não pode se dar de outra forma, a não ser através da reapropriação pelo homem daquilo que lhe foi roubado: sua própria essência humana. Naturalmente, essa superação completa da alienação só é possível em uma sociedade socialista.

Em sua atividade cotidiana, o militante revolucionário encontra parte dessa felicidade. Ao compreender a natureza da sociedade capitalista, se desaliena e se aproxima de si mesmo. “Em uma sociedade alienante, o partido revolucionário é um elemento desalienante”, dizia o trotskista argentino Nahuel Moreno.

Para o militante socialista a atividade revolucionária é, entre tantas outras coisas, um encontro com sua natureza perdida, uma luta incansável pela manifestação da bondade humana, uma fonte de enorme felicidade.

* Henrique Canary é russo, gaúcho e carioca, não necessariamente nessa ordem.