Jornada de lutas na colônia francesa no Caribe afronta metrópole e o governo Sarkozy e alcança outras colônias, como Martinica e Guiana FrancesaUma greve geral ocorre no arquipélago de Guadalupe desde 20 de janeiro. A ilha faz parte da França, mesmo situada no mar do Caribe. A greve está sendo dirigida pelo Coletivo Contra a Exploração Ultrajante (LKP, na sigla em créole), que reúne 52 entidades sindicais e populares.

O movimento já começa a atingir outras colônias francesas. Na vizinha Martinica, nas Antilhas Francesas, uma greve geral foi decretada em 5 de fevereiro. Na Guiana Francesa, país que faz fronteira com o Brasil, também foram registrados protestos e passeatas. No dia 29 de janeiro, as jornadas nos três departamentos, juntas, reuniram mais de 2,5 milhões de pessoas.

O movimento em Guadalupe – e também nos demais departamentos – é contra a carestia de vida e por aumentos de salários, mas também denuncia o controle da economia da ilha por parte de uma elite branca. “Guadalupe é nossa, não deles” é um dos slogans dirigidos aos békés, descendentes dos colonos escravistas que controlam a economia local. O slogan mostra também que a rebelião atual é filha da história de opressão colonial da ilha (veja quadro).

Em Guadalupe, o branco é quase sempre o patrão. Uma ínfima minoria de uns dois mil descendentes dos colonos brancos escravistas manda na economia da ilha. Essa minoria controla desde o petróleo e a gasolina até a grande distribuição, e é ela que fixa os preços, bem mais caros do que na metrópole. A população negra, maioria na ilha, compõe a classe operária, os camponeses e os sem-terra. Mas a crise econômica mundial aumentou ainda mais o fosso que separa os habitantes da metrópole dos do arquipélago.

Formalmente, Guadalupe é desde 1946 um departamento, um estado da França metropolitana. Mas, na verdade, a ilha é uma colônia do país europeu. Todos os dados sociais e econômicos comprovam isso. Há enormes diferenças entre a ilha e a metrópole.

Enquanto a taxa de pobreza na França é de 6%, em Guadalupe dobra para 12,5%. Com o desemprego não é muito diferente. O índice na França é de 8,1%, mas na ilha é três vezes maior (22,7%) e, entre os jovens até de 25 anos, a taxa é de 55,3%, mais do que o dobro da metrópole nessa faixa etária (22,2%). Os salários são muito mais baixos do que os da metrópole, embora os preços sejam 30% mais altos em Guadalupe. Foi contra essa situação que os trabalhadores da ilha se rebelaram.

Governo na parede
Nos dez primeiros dias, o presidente francês Nicolas Sarkozy tentou ignorar a greve. Mas em seguida disse que faria “respeitar o Estado de Direito”. Ou seja, cogitava responder às mobilizações com repressão policial. Por isso, enviou mais 300 policiais à ilha, como reforço.

Mas a greve se radicalizou. Barricadas foram levantadas nas ruas e a população faminta saqueou supermercados. O assassinato de um sindicalista em uma barricada em Point-à-Pitre, a cidade mais importante de Guadalupe, desencadeou uma nova onda de protestos, mantendo o comércio fechado, estradas bloqueadas, carros incendiados e barricadas por toda parte. O presidente do conselho regional da ilha, Victorin Lurel, do Partido Socialista, afirmou: “estamos a um passo da revolta”.

A radicalização dos protestos obrigou Sarkozy a abrir negociações. Em pronunciamento na TV, o presidente disse que “compreende e compartilha deste sentimento de injustiça”.

No momento, Sarkozy não pode contar com a cartada de uma repressão violenta aos protestos. O presidente da França teme que as mobilizações se desdobrem na própria metrópole, onde o movimento operário cumpre um papel decisivo. No último dia 21, mais de 30 mil pessoas saíram às ruas na França em solidariedade à greve em Guadalupe.

Para tentar resolver a crise, Sarkozy anunciou um pacote de auxílio de 580 milhões de euros, além de prometer limitar preços de 100 produtos de consumo essencial. O presidente francês prometeu também um aumento para “algo em torno a 200 euros” dos baixos salários pagos na ilha.

As medidas do governo francês são uma tentativa clara de responder a uma crise que poderá ter desdobramentos imprevisíveis. A revolta que tomou conta da ilha de Guadalupe ameaça se espalhar para outras colônias francesas ou, ainda, colocar mais lenha na fogueira da explosiva situação social francesa. Recentemente o país foi sacudido por uma grande paralisação que envolveu milhões de trabalhadores. Sem dúvida, a greve em Guadalupe é mais um episódio da nova situação mundial que se abre com a crise econômica.

O Grupo Socialista Internacionalista (GSI), seção da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) na França, publicou várias declarações de apoio à luta dos trabalhadores em Guadalupe. Na última, afirma: “O povo de Guadalupe mostra a todos o caminho da greve geral para acabar com essa política, para acabar com esse governo! Hoje todo o povo de Guadalupe é representado pelo LKP. Desde o dia 20 de janeiro, a greve é geral.”.

Uma nova jornada de lutas está marcada para 13 de março em Guadalupe e outras colônias francesas. E é possível avançar ainda mais. Como questiona a declaração da GSI: “Não seria hora de ocupar as fábricas, os comércios e terras agrícolas? Não seria hora de eleger comitês para definir as necessidades concretas da população e impor medidas? De fato, Guadalupe encontra-se em uma situação de duplo poder (…). Não é hora de o LKP assumir o poder em Guadalupe, contra as instituições capitalistas coloniais e contra os poderes locais que estão unidos na preservação da ordem colonial?”.

Uma história de massacres e opressão

A história da exploração de Guadalupe vem de longe. Em 1635, os colonizadores franceses desembarcaram no arquipélago e iniciaram uma guerra contra os indígenas locais, que resistiram e foram dizimados. A partir de então, os europeus passaram a utilizar escravos africanos para trabalhar no plantio da cana-de-açúcar.

Guadalupe tem uma única história única e dolorosa. Foi a única colônia onde a escravidão foi abolida, em 1794, e depois restaurada. A volta da escravidão ocorreu em 1802 e causou uma imensa rebelião do povo negro. Mas ao contrário do Haiti, a rebelião dos escravos foi derrotada.

A segunda abolição da escravidão ocorreu em 1848 e deixou uma população negra formalmente livre, mas miserável nas mãos dos exploradores brancos, cujos descendentes são chamados de békés.

No século 20, as lutas sociais foram duramente reprimidas. Em 1952, quatro camponeses foram assassinados pelo exército no chamado massacre de Saint-Valentin; 15 anos mais tarde, em 1967, protestos que duraram três meses terminaram em um novo massacre, com 87 mortos.

A longa história de opressão deixou marcas na estrutura social do arquipélago. Os oprimidos estão agora cobrando a fatura.

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