Cubatão (SP), 6 de maio. Explode a greve dos trabalhadores da construção civil, mais de 10 mil operários de braços cruzados. Na refinaria da Petrobras, todas as obras estão paradas. Na fábrica de fertilizantes da Vale, nenhum terceirizado bateu o ponto. Em todas as demais empresas petroquímicas, a adesão é total. A “peãozada” em greve não está de brincadeira

Do lado de fora da refinaria, se observa as torres enormes, a fumaça incessante e um mar de operários que ergue gigantescas construções. O peão faz a riqueza, mas fica apenas com a miséria. Mortes, choques, mutilações e acidentes: o cotidiano dramático que massacra e destrói. No ano passado, um operário terceirizado da Petrobras morreu sob os escombros de um forno sucateado. Obras multimilionárias de um lado, mortes e salários baixos de outro. A combinação de ingredientes é explosiva.
E tal como em Jirau, Belo Monte, na região amazônica; Comperj, no Rio de Janeiro; Fortaleza (CE), Aracaju (SE) e Belém (PA), os trabalhadores da construção civil de Cubatão estão insatisfeitos. Porém, não é só raiva: é uma disposição de luta enorme. Do tamanho das obras que eles levantam com força, destreza e suor.
Raimundo*, que trabalha na refinaria, explica: “É muito trabalho, é muita obra… o salário é ruim. Temos que ir pra cima pra tirar o que é nosso. Da boa vontade das empresas, não vem nada. Em todo lugar tá tendo greve. Em São José, conseguiram muita coisa. É assim que a coisas melhoram”.      

Meia pista não basta
13 de maio. Após oito dias de greve, ninguém voltou ao trabalho e a concentração para o ato de rua reúne milhares de operários. “Não tem jeito, sem greve não tem como. Só assim para aumentar o salário”, responde Pedro, que é eletricista, à minha pergunta sobre a greve. Logo em seguida, questiono sobre a força da mobilização. “Olha ali (na rua), é muito peão… tá tudo parado”, responde com um sorriso incontido no rosto.
O ato sai em marcha na principal avenida da cidade. No caminhão de som, o sindicalista avisa: “É para ocupar meia pista, está combinado com a Polícia”.  Porém, a turma não deu muita bola pra ele. Um operário fala alto: “meia pista o quê! É a avenida inteira!” E a maré operária toma conta das duas pistas.
Um fato inusitado chama a atenção. Atrás da passeata, vão cerca de cem motoqueiros produzindo um barulho ensurdecedor com a “explosão” repetida do motor. São todos trabalhadores em suas motos. A “coluna” dos motoqueiros faz a cobertura do ato, um tipo de “cavalaria” da manifestação. Não deu outra: a polícia, amedrontada pelos motoqueiros, não ousou se intrometer na passeata.
           
O peão e a assembleia
A assembleia, ao final do ato, é quente. A diretoria do sindicato, ligada à Força Sindical, vai defender a aprovação da proposta apresentada pela patronal. O presidente do sindicato anuncia: 9% de aumento salarial, pagamento de metade dos dias parados, 17 reais de ticket alimentação, etc. Apreensão… Qual será a posição dos trabalhadores?
Num instante, o silêncio inicial da peãozada se transforma numa sonora vaia e os gritos de “não, não!” formam um coro uniforme.  A face do sindicalista se enruga e suas falas se tornam vacilantes enquanto o suor corre pelo rosto. Claramente transtornado, ele parte ao passo seguinte: colocar medo nos trabalhadores. “Podemos perder todas as conquistas. A justiça vai dar menos. Não podemos arriscar” afirma no carro de som. A vaia continua, mas agora se ouve alguns gritos irritados de “Pelego, pelego”. O sindicalista põe a proposta em votação. Ninguém é favorável. “A greve continua!”, grita um trabalhador em meio a uma onda entusiasmada de aplausos.  Sem rodeios, a categoria atropela a diretoria do sindicato.

O peão e o partido
14 de Maio. Na multidão de operários em assembleia, o panfleto do PSTU vai de mãos em mãos. Diversos trabalhadores pegam espontaneamente inúmeros boletins para distribuir entre os presentes. O material já passou a fazer parte do cotidiano da greve e é bastante disputado pelos operários. No outro canto, a faixa colorida do partido em apoio à greve vira atração e vários operários começam a tirar fotos ao lado da faixa.
Quando a assembleia começa, a proposta da patronal é de novo colocada em votação. “Quem é a favor da proposta?”. Vaia. “Quem é contra?”. Todo mundo levanta os braços, e neles estão os panfletos do partido estendidos dizendo: “A greve não pode parar!”.
O apoio ativo do PSTU ganhou força real no movimento: seus panfletos e a solidariedade efetiva de seus militantes já são parte da luta em curso.

O peão e a burguesia           
15 de maio. A greve já completa 10 dias. O ânimo e a confiança ainda dão o colorido do movimento. “Não tem como, eles (as empresas) vão ter que aceitar. Tá vendo ali, tá cheio de soldador, montador e eletricista, não tem nada funcionando. Repor dia parado? Nem morto… Vamos ganhar!” diz confiante o trabalhador.
A fala de Luis, montador na Refinaria, é especialmente significativa. Quando pergunto sobre a possibilidade de derrota da greve, ele me responde: “Problema na minha vida é se acontecer alguma coisa com meus filhos. Se der errado aqui, fazer o quê?  O que não pode é baixar a cabeça pra patrão. A greve é a arma que a gente tem, né?”
Assim, na luta, o operário contrapõe os seus interesses imediatos aos da burguesia, define as fronteiras de classe e impõe o confronto aberto entre elas. No último dia 14, a greve terminou com uma importante vitória. Os operários conquistam 10% de aumento salarial, R$ 17,00 de ticket alimentação e PLR de 1,3 salários. A força da greve foi tão grande que não haverá desconto dos dias parados. Uma enorme vitória que serve de exemplo aos trabalhadores de todo país!

*Todos os nomes citados neste texto são fictícios por uma questão de segurança dos trabalhadores.

Post author Gabriel Casoni, da Baixada Santista (SP)
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