O governo Lula está preocupado com a enorme repercussão internacional do assassinato de Dorothy Stang e com outros episódios, como a violenta desocupação em Goiânia e os confrontos com perueiros em São Paulo. Tenta reverter os danos a sua imagem com a prisão dos assassinos de Dorothy, com o envio do Exército e um pacote de reservas ambientais.
A verdade, no entanto, salta à vista. O balanço dos números da reforma agrária, a quantidade de ativistas assassinados no campo e na cidade e os gastos com programas de habitação mostram que o governo Lula não governa para sem-teto e sem-terras. Trata-se de um governo a serviço do agronegócio, cúmplice da violência, e contra uma verdadeira reforma agrária.
Marcados para morrer
Dorothy solicitou proteção para ela e outros ativistas muitas vezes. A última foi uma semana antes de morrer, ao secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. Nada foi feito.
A morte da religiosa não alterou a rotina na região que, segundo entidades, é de dois a três assassinatos por fim de semana. Veio uma seqüência de mortes, de menor repercussão, por se tratarem de dirigentes pouco conhecidos e nascidos no Brasil. Na terça, dia 15, Daniel Soares da Costa Filho, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parauapebas, foi assassinado. No mesmo dia, também foram encontrados os corpos de Cláudio Matogrosso, a 30 km de Anapu, e o de Olisvaldo Morais, a 28 km da cidade onde Dorothy morreu.
Este banho de sangue só é possível pela completa impunidade dos latifundiários, com a cobertura de todos os poderes do Estado. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, entre 1985 e 2003, 1.349 pessoas foram assassinadas e só 15 mandantes condenados.
Esses dois anos do governo do PT e de Lula não intimidaram o latifúndio. A situação piorou para os lutadores. Morreram 58 pessoas, contra 44 nos três últimos anos de FHC. Outro documento, de 39 entidades, contabiliza, sob o governo Lula, 125 mortes.
A violência no campo não é uma questão impossível de se resolver. Os latifundiários são minoria. Se os sem-terra tivessem ao seu lado o Estado, se faria a reforma agrária contra jagunços e latifundiários. O que se passa é o oposto: o governo Lula, assim como todo o poder de Estado, segue ao lado da burguesia agrária, desde as grandes empresas do agronegócio aos grileiros do Pará. As medidas contra os matadores de Dorothy Stang são superficiais e conjunturais.
Tampouco o envio do Exército ao Pará servirá para proteger os sem-terra ameaçados. As tropas estão lá para garantir a propriedade privada e, se necessário, reprimir o movimento, como sempre fez.
Reforma agrária no papel
Esta aliança do Estado com o agronegócio e o latifúndio refletem nos números da reforma agrária. Em 2003, foram assentadas 36 mil famílias, muito abaixo da meta (já rebaixada) de 60 mil famílias.
Os números de 2004 são ainda pouco claros. O governo divulgou o assentamento de 81.254 famílias, bem abaixo de sua própria meta de 115 mil. No entanto, estes números são contestados pela Confederação dos Trabalhadores da Agricultura, cujo presidente, Manoel dos Santos, afirma que foram assentadas no máximo 40 mil famílias, metade do divulgado. Mesma opinião do padre Flavio Lazzari, da Comissão Pastoral da Terra: Os números estão maquiados. Como nessas estatísticas entram as regularizações de famílias já assentadas, são contabilizados assentamentos de famílias que não são fruto do trabalho do Incra no ano passado.
Mesmo com os números falsificados, a média dos dois primeiros anos de gestão do PT, de 58 mil assentamentos, é inferior a de assentados desde 1995, de 64 mil anuais. Ou seja, Lula assentou menos do que FHC.
Nas cidades – Se o governo age em defesa do agronegócio, nas cidades, nada tem feito pela moradia. O Orçamento de 2003 para a Habitação foi um dos menores e o governo ainda poupou: gastou menos de 3% do previsto.
Em abril de 2004, Lula acusou o governo Fernando Henrique pela morte de 300 mil crianças, por falta de saneamento. Se FHC matou tudo isso, Lula deve ter uma meta maior, pois só o Aerolula custará o dobro dos gastos em Saneamento em 2004.
Todo esse descaso com a área social tem se refletido no aumento das ocupações urbanas, com famílias inteiras que optam por lutar a viver sufocados pela combinação de desemprego e aluguel.
O governo Lula não tem feito nada para resolver a situação desta gente. Em São Bernardo do Campo (SP), em 2003, o governo assistiu milhares de famílias sendo expulsas de um terreno da Volkswagen. A cena se repetiu em Goiânia. Um terreno abandonado pelos donos virou o sonho de muita gente. Lula esteve na cidade um mês antes. Deve tê-los visto protestando e avisando da ameaça de invasão policial. Como no caso da freira Dorothy Stang, nada fez e dois sem-teto foram mortos.
Post author Eduardo Almeida Neto e Wilson H. Silva, da redação
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