O Império Russo havia sido governado pela Dinastia dos Romanov por 8 gerações, entre 1613 a 1762, e daí até 1917 por uma ramificação da família dos Romanov com os Oldenburgo, ou seja, um império de mais de 300 anos. Nicolau II, o último dos czares, governou entre 1894 e Fevereiro [1] de 1917, quando caiu seu governo produto da insurreição operária e popular, encerrando um ciclo histórico marcado por fome e repressão, que começou a ser seriamente questionado com a primeira fase da Revolução Russa , ocorrida no ano de 1905, então esmagada pelas forças repressivas do governo.

A Rússia czarista era o país mais atrasado da Europa. Em 1914, dos mais 160 milhões de habitantes 87% da população vivia no campo com relações sociais herdadas do feudalismo cujo direito de servidão foi extinto apenas em 1861. Cem milhões de camponeses dividiam 60% das terras agricultáveis, o restante pertencia à coroa e aos grandes proprietários rurais, os kulaks. Do total de camponeses, somente 35% possuíam terras e condições técnicas suficientes para assegurar sua subsistência e cerca de 15% eram sem terras.

O sistema de propriedade comunal prevaleceu até 1906, quando uma nova lei agrária estimulou a mercantilização do acesso às parcelas de terra, aprofundando a diferença entre camponeses ricos e pobres, fortalecendo a burguesia agrária e proletarizando cerca de 5 milhões de camponeses. Um dado exemplar da concentração agrária é que 30 mil latifundiários detinham o equivalente, em terras, ao que possuía 10 milhões de famílias rurais, ou seja, 76 milhões de hectares. Havia, portanto, uma situação histórica e estrutural explosiva no campo, um dos componentes fundamentais da revolução.

A força de trabalho operária, então extremamente minoritária na sociedade, é altamente explorada. A quantidade de operários chega a pouco mais de 3 milhões de trabalhadores. A jornada de trabalho legal, raramente cumprida, ainda em 1906 é de 10 horas diárias, os salários são baixíssimos, muito inferiores à média européia da época e sofria uma disciplina extremamente repressiva nas fábricas.

O que distinguia a classe operária russa, apesar de pequena em relação à proporção total da sociedade, era a alta concentração em grandes fábricas e em poucas cidades, principalmente em Petrogrado e Moscou, e sua juventude enquanto classe. Cerca de 55% dos operários laboravam em fábricas com mais de 500 trabalhadores, em média. Essa mesma razão nos Estados Unidos, na mesma época, era de 31%. Sendo que ao redor de 40% da mão-de-obra fabril estava localizada nas fábricas gigantes com mais de 1000 operários, em média. Em Moscou esse percentual chegava a 57% e em Petrogrado a 44%.

Diferente das classes operárias inglesas, alemãs e francesas cuja secularidade e experiência haviam proporcionado grandes conquistas no final do século XIX, tendo gerado inclusive uma aristocracia, descolada dos interesses das grandes massas empobrecidas, o proletariado russo era em sua maioria de origem camponesa, altamente explorada e muito mais homogênea em suas relações sociais.

A burguesia por sua vez era a classe representante de uma economia capitalista semicolonial oligopolizada, associada à aristocracia czarista por suas relações sociais, submissa ao imperialismo e ao sistema monetário europeu por sua dependência econômica. Cerca de 40% de todo o capital investido na Rússia era de origem estrangeira com maior peso para o imperialismo Inglês, Francês, Belga e Alemão.

A classe burguesa semicolonial russa também se demonstra ao longo da história, politicamente estéril, incapaz de dirigir as massas diante das lutas por melhores condições de vida ou mesmo levar até o fim as demandas democráticas e republicanas, já que crescera sob os auspícios da coroa e nunca havia rompido politicamente por completo com o regime monárquico. Daí a submissão da Duma, o parlamento do império, que não tinha soberania diante do poder do czar e podia ser dissolvido aos desejos do imperador.

A I Guerra Mundial abre uma nova crise social e econômica
O deflagrar da I Guerra Imperialista, em agosto de 1914, aguçou ao extremo os problemas estruturais do país. A Rússia entra em aliança, como elo mais débil da Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia) contra a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Império Turco Otomano) tentando se apropriar dos prováveis saldos residuais da rapina imperialista como sócia menor das poderosas potências.

No entanto, o resultado foi inverso, à crise gerada pelas demandas da economia de guerra, associada à desmoralização do exército nas frentes de batalha, gerou uma poderosa força centrípeta capaz de unificar os operários com os soldados sublevados e, por sua vez, os camponeses, base social principal do exército czarista.

Foram mobilizados cerca de 15 milhões de homens, 10 milhões de soldados, 2 milhões de cavalos. As perdas russas foram as maiores da Aliança, ao redor de 40% da Entente. Chegando a 5,5 milhões entre mortos, feridos e prisioneiros, aproximadamente 2,5 milhões de mortos. A economia diminuiu sua produção em 20% somente no primeiro ano, o consumo de mercadorias reduziu-se à metade.

A euforia nacionalista predominante no país nos primeiros meses de guerra, capaz de fortalecer a coroa e generalizar um clima de perseguição e julgamentos por alta traição à pátria aos que eram contra a guerra que levaria à matança entre os trabalhadores da Europa, aos poucos, foi cedendo à desmoralização das tropas, ao desabastecimento e à fome crescente.

As deserções e sublevações na frente de batalha passaram a ser constantes, os soldados não tinham comida, nem botas, nem armas capazes de enfrentar o moderno exército alemão. As perdas foram crescendo, ao passo que nas cidades as greves e protestos foram aumentando contra a carestia e a falta de produtos básicos como o pão. A partir de 1916 o czar vai perdendo pouco a pouco o apoio que detinha no início da guerra.

Abre-se a crise revolucionária
As massas russas já não suportavam mais os sacrifícios da guerra. As greves passaram a ser cada vez mais freqüentes e ter cada vez mais um caráter político, associando os problemas da carestia e escassez com a necessidade de pôr um fim à Guerra. Já no dia 14 de fevereiro, dia da abertura do parlamento, somente em Petrogrado, pararam 90 mil grevistas. No dia 16, foi introduzido na cidade o cartão de racionamento do pão, no dia 20 as padarias foram depredadas.

A semana decisiva para a caída do czar começou no dia 23 de fevereiro, Dia Internacional da Mulher (8 de Março). Trotsky relata “O dia 23 de fevereiro era o Dia Internacional da Mulher. Os círculos da social-democracia tencionavam festejá-lo segundo as normas tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera ainda ninguém poderia supor que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma organização preconizava greves para aquele dia. A mais combativa das organizações bolcheviques – o Comitê do bairro Vyborg, essencialmente operário – desaconselhava a greve” [2].

As operárias têxteis iniciaram uma greve que ninguém sabia onde iria parar, não havia previsão nem planejamento do desenlace, havia mais prudência em função do massacre de 1905 e ainda da recente cólera popular nacionalista. Desde janeiro daquele ano até abril de 1906 as autoridades policiais, a mando do czar, massacraram 14 mil, executaram mil, feriram 20 mil e prenderam 70 mil pessoas. As organizações militantes, principalmente dos bolcheviques, foram desarticuladas, os dirigentes exilados, presos e deportados. Os cinco deputados bolcheviques ainda estavam presos por serem acusados de traidores da pátria por votarem e se manifestarem contra o apoio à guerra. Centenas de militantes estavam presos, a organização política e as reuniões eram clandestinas.

A realidade foi mais audaz que as previsões. E assim se sucedeu a jornada que só parou com caída de Nicolau: no dia 24, metade dos operários industriais de Petrogrado entrou em greve, as palavras de ordem que começavam a surgir eram “abaixo a autocracia!”, “abaixo a guerra!” ; no dia 25, 240 mil saíram às ruas, agora com estudantes, operários, trabalhadores dos bondes, populares, etc., houve enfrentamentos dos cossacos (cavalaria) contra a polícia, houve tentativa de reação pela noite com a prisão de 100 militares revolucionários; no dia 26, era um domingo, não havia trabalho, não se podia medir a força das fábricas, o exército entra em ação, os manifestantes gritam a cada encontro com os soldados “marchem conosco!”, “não atirem em seus irmãos!”; ainda no dia 26, o regimento Pavlovsky, da guarda fiel de Sua Majestade, se rebela contra o comando inaugurando uma série de sublevações de vários regimentos de soldados.

No dia 27, houve uma enxurrada de sublevações de soldados, greve geral, protestos, bloqueios, tomada de locais públicos e os últimos enfrentamentos, os carros militares já desfilavam nas ruas com bandeiras vermelhas. Os presos são libertados. A multidão toma o Palácio de Inverno. A insurreição se espalha para Moscou e grandes cidades do país. O czar já tendo suas medidas de repressão desobedecidas e suas ações de governo paralisadas há dias, renuncia no dia 2 de março.

O novo governo e o duplo poder
A maioria do parlamento e dos partidos liberais burgueses, entre eles o principal era o partido Cadete, negociava o tempo todo com a monarquia a formação de um novo gabinete para tentar solucionar os problemas que se generalizavam no país. Continuava totalmente submissa aos desígnios do czar até o dia 27. O parlamento desmoralizado mais uma vez virava as costas para o povo.

Os deputados reuniram-se pela manhã e tomaram conhecimento de que a Duma fora novamente dissolvida. Ocorre que, na parte da tarde, a multidão de operários, soldados e populares, se dirige ao Palácio Táuride, sede parlamento, que então se reunia informalmente para discutir a crise, toma o edifício e pressiona os deputados presentes a elegerem um Governo Provisório. O Deputado populista de esquerda Kerensky integra o novo governo e vai se tornando cada vez mais porta voz do mesmo.

Na outra sala, do mesmo edifício, porém se reuniam representantes dos trabalhadores, dos soldados e das organizações socialistas de várias correntes, elegendo também aí um Comitê Executivo Provisório. Esse Conselho de Representantes, conhecido como Soviete de Petrogrado, iria aos poucos adquirir cada vez mais força e se chocar com as medidas do Governo Provisório.

A dualidade de poderes com a existência dos sovietes se generaliza para as fábricas, bairros, campos e cidades. A experiência de soviética 1905 agora se reconstrói de forma reforçada. Desta vez cavalgando uma vitória espetacular. Mas a guerra continuava os camponeses não tinham terra e a fome iria aumentar. A revolução terminava sua segunda fase.

As conquistas democráticas da Revolução de Fevereiro possibilitaram a liberdade de reunião e de organização. Os militantes e as organizações locais dos partidos de esquerda que jogaram um papel importante nos acontecimentos, porém não dirigente, vão se fortalecendo, se unificando e se dividindo em função dos próximos passos da luta revolucionária. Os militantes exilados voltam do exterior, entre eles estão Lênin e Trotsky, que serão decisivos nas futuras batalhas. Com a queda do czar a revolução estava apenas começando. O fortalecimento dos sovietes viera acompanhado de todo um debate político estratégico sobre o que fazer com o governo provisório, com os sovietes e com a revolução, que apenas despertara do seu profundo sono e dava suas primeiras palavras.

PARA SABER MAIS SOBRE A REVOLUÇÃO RUSSA:
BROUÉ, Pierre. El Partido Bolchevique. Volume I. Ed José Luís e Rosa Sundermann.

TROTSKI, Leon. A História da Revolução Russa. 1º Volume. 3ª Edição. Ed. Paz e Terra.

NOTAS:
1. Pela força dos acontecimentos as referências aos meses e datas ficaram conhecidas pelo velho calendário juliano adotado na Rússia antes da Revolução. Adotando-se o calendário universal gregoriano, a Revolução de Fevereiro ocorreu em março, o primeiro dia das jornadas revolucionárias começa no Dia Internacional da Mulher, 8 de Março.
2. A História da Revolução Russa. 3ª Edição. 1º Volume. p. 102.