Há 200 anos, nascia Karl Marx. Em 1818, a Alemanha continuava não unificada, mas estava sob forte domínio do império prussiano. Sua região natal, a Renânia, por conta da proximidade à França, era alimentada por sonhos de liberdade política soprados pela Revolução Francesa. Chegou a ser parte da República Francesa até 1815, quando fora anexada pela Prússia.
Consequência disso, a região era foco de reivindicações liberais de vários matizes. Dos mais extremos radicais democratas aos mais moderados. A família de Marx encontrava-se entre os últimos. Este ambiente em que viveu e desenvolveu-se foi um dos impulsos para que, ainda em sua juventude, Marx estivesse do lado da intelectualidade progressista de sua época, conhecida como a esquerda hegeliana.
Foi, até 1842, um democrata radical. Declarado entusiasta de uma revolução liberal na Alemanha. Até esse ano exercia febril atividade jornalística contra o Império. Criticava a falta da liberdade de imprensa, as leis de defesa da propriedade aristocrática, a falta de liberdade de indústria. Punha-se constantemente ao lado da classe mais numerosa e popular da Alemanha de então: o campesinato.
No entanto, perseguido pelo Estado Prussiano, Marx é forçado a deixar temporariamente a luta política e exilar-se na França. Aqui, fará um duplo movimento, teórico e prático, que marcará toda a sua vida. Em teoria, passa a criticar a filosofia e a ciência burguesas, iniciando pelo seu ápice: a obra de seu mestre, Hegel. No campo prático, seu exílio em solo francês permite conhecer um movimento operário e comunista que começava a se gestar, recém-nascido das camadas traídas pelos limites da revolução burguesa.
É dessa época que surge sua parceria com Friedrich Engels, outro jovem liberal radicalizado que, em breve, passará às fileiras dos intelectuais comunistas. Marx e Engels empenham-se na luta ideológica contra todas as formas de socialismo utópico. Polemizam com a esquerda hegeliana, com o anarquismo pequeno-burguês de Proudhon, com as correntes que se baseavam no socialismo francês de Saint-Simon. Nesta luta, dão coerência teórico-filosófica à consciência histórica da classe operária. Traduzem em ciência a atividade revolucionária desta classe.
Desta parceria, logo surgirá o Manifesto do Partido Comunista, muito provavelmente o documento político mais importante da história da humanidade. Nele, é apresentada a primeira sistematização do socialismo científico em termos simples, que seriam devorados pelo combativo operariado europeu de então. O texto é uma das provas de que a atividade científica de ambos só se completava com sua atividade prática militante. Ele marcava a coroação da transformação da antiga Liga dos Justos em Liga dos Comunistas, por direta influência de Marx e Engels, que estavam entre seus quadros dirigentes.
A atividade política de Marx é impressionante. Além da atuação na imprensa revolucionária, foi um dos destacados dirigentes atuantes na fundação da I Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Esteve, até o fim da vida, ligado ao Partido Social-Democrata Alemão, participando diretamente de seus debates e atividades. Ministrou incontáveis cursos para operários, alguns registrados até hoje. Fez parte da fração marxista, batizada assim por conta de sua obra, na disputa política contra anarquistas por um lado, e democratas radicalizados por outro na AIT e nos processos revolucionários que testemunhou. Prestou solidariedade e analisou teoricamente todos os mais significativos levantes operários de sua época: dos operários da Silésia em 1844, à Comuna de Paris em 1871.
Polemista invejável, cientista até hoje não igualado, Marx transitou por praticamente todos os domínios do conhecimento humano. Embora tenha se consagrado pelo seu estudo da sociedade capitalista, possui obras sobre filosofia, política, matemática, literatura. Acompanhava as mais modernas descobertas da física e da química, as revoluções técnicas na indústria moderna. Era um confesso admirador de Charles Darwin e de sua Teoria da Evolução. Devorava tudo o que via pela frente.
Engels diria que possuía inúmeras descobertas em vários destes domínios. Mas duas delas marcariam profundamente a modernidade. A primeira dizia respeito ao “simples fato”, como dizia, de que os homens precisavam comer, beber, vestir-se e abrigar-se antes de se dedicarem à política, à ciência, à arte, à religião etc.; e que portanto, a forma como produzem os meios materiais de suas vidas é a base de todos os fenômenos sociais. Em resumo, os homens são os deuses de sua própria história. Superaram a natureza e podem, portanto, constituir uma sociedade em que possam exercer plenamente suas potencialidades.
A segunda, que o tornaria odiado por toda a classe dominante, foi o mecanismo de funcionamento da sociedade capitalista. Marx descreveu o processo de exploração da classe operária por um punhado de burgueses que cada vez mais concentrariam toda a riqueza produzida em suas mãos. Desvendou a mais-valia, a propriedade privada, a divisão social do trabalho, a relação entre salários e lucros etc. E retirou disto a conclusão de que, por produzirem toda a riqueza desta sociedade, e não terem acesso a grande parte dela, os operários seriam os sujeitos de sua destruição pela via da revolução social. E a cada novo fato histórico que vemos, sejam a crises econômicas mundiais, sejam os níveis impressionantes de desigualdade entre o 1% mais rico da população mundial e o 50% mais pobre, sua obra se torna mais viva, crítica e atual.
Sua vida é a concretização de sua obra. Teoria e prática se encontram unidas em sua biografia assim como em sua bibliografia. O conhecimento, pacientemente construído ao longo de uma carreira intelectual que durou mais de 40 anos era alimentado pelas lutas operárias e, rapidamente, voltava a elas, enriquecendo-as e tornando-as mais certeiras. A declaração de que a emancipação dos trabalhadores seria obra dos próprios trabalhadores, completava-se com a luta pela independência da classe operária e contra qualquer ilusão de que, por via da administração do Estado burguês, seria possível a superação do capitalismo e a construção do socialismo.
Passados 200 anos de seu nascimento, seria criminoso não encarar como a experiência histórica lhe deu razão. Todos os grandes partidos reformistas (fenômeno surgido após a morte de Marx), que acreditaram na administração do Estado burguês e na estratégia do pacto social com a burguesia resultaram em grandes traidores da classe operária. Mais do que isso, ao contrário do que dizem os vassalos do capitalismo, este sistema não consegue oferecer mais nada às grandes massas trabalhadoras. E não resta nenhuma alternativa além da “emancipação dos trabalhadores pelas mãos dos próprios trabalhadores”.
Esta ideia simples, que resume toda uma época histórica, se fortalece a cada dia. Alimenta e alimenta-se da luta contra toda a exploração do homem pelo homem e pela construção de uma sociedade efetivamente justa, igualitária e livre.
Ao terminar seu discurso no enterro de Marx, em Londres, Engels pronunciou a frase que melhor podemos lembrar no dia de seu nascimento:
“O seu nome continuará a viver pelos séculos, e a sua obra também”.
Feliz aniversário, Karl.
Texto adaptado originalmente publicado em 2014
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