Sara é militante da Revolução Síria

O Portal do PSTU entrevistou, Sara Al Suri, ativista da revolução síria que está no Brasil para realizar uma série de debates sobre a insurreição que enfrenta a ditadura de Bashir Al Assad. Na entrevista, Sara conta como aderiu à revolução e qual é a sua participação na resistência. Também fala sobre o forte sentimento antiimperialista do povo sírio.Como foi a sua experiência com a Revolução Síria? Como você encontrou a resistência no país?

Sara: Estava em Damasco quando irrompeu a revolução, em março de 2011. Estávamos todos acompanhando atentamente as notícias vindas da Líbia, Iêmen, Egito e Tunísia. Muitos de nós silenciosamente compartilhávamos as alegrias da derrubada de um ditador após o outro. Egito e Tunísia tiveram um efeito particularmente impressionante sobre todos nós na Síria.

Nossa primeira manifestação foi em frente à embaixada líbia. Era importante para nós porque o regime Kadafi em muito se assemelhava ao regime de Bashar Hafez al-Assad, apesar de elementos diferentes. Muitos de nós fomos presos após o início da revolução síria. Perguntávamo-nos: Quando iria começar aqui? O país estava maduro o suficiente? Seríamos nós que a iniciaríamos? E começou. Daraa [cidade no sudoeste da Síria] foi posta em chamas, tanto pela força de suas manifestações que inicialmente apenas reivindicavam reformas, quanto pela forma agressiva e violenta com a qual os militares reprimiram as manifestações pacíficas. Foi nosso verdadeiro começo político.

A natureza do regime sírio é incomparável àquela do regime na Tunísia ou Iêmen. Provavelmente é mais próxima ao regime na Líbia e ao que foi o regime de Saddam no Iraque. Aqueles que haviam previamente se organizado com experiência política no país foram presos ou detidos por 10, 20, 30 ou 40 anos. Fossem eles de esquerda, direita ou ultra-islamitas. Nós não tínhamos absolutamente nenhuma experiência em termos organizacionais. E creio que a atual política da organização revolucionária síria prova isso. Até os nossos mais respeitados políticos carecem noções de tática, tanto devido à impossibilidade de se organizar durante o regime Assad ou por pura inexperiência.

Fale um pouco sobre sua experiência
Sara:Minha experiência se deu inicialmente por manifestações tumultuadas tanto na capital Damasco quanto na cidade de Hama. Creio que foi uma das experiências de maior grandeza que qualquer sírio já atravessou. Pela primeira vez em anos sentimos que não estávamos mais sozinhos. O senso de pertencimento a um grupo, a força da ação coletiva era algo que ia além. Isso nos dava força de superar qualquer temor que carregássemos – e o regime era implacável. Os principais ativistas, os que tinham carisma e o poder da liderança, aqueles que desde o seu primeiro dia haviam articulado uma perspectiva clara de futuro para a Síria.

Damasco estava particularmente difícil. Sendo a capital e, portanto, a capital do regime, ela era cercada pelo quarto batalhão do Exército, fortemente guardada e com alguns dos mais importantes serviços de inteligência lá localizados. O regime compreendeu que era importante manter Damasco longe da batalha. E nós tivemos que nos mudar para a periferia da cidade, pois era onde as manifestações estavam ocorrendo.
Enquanto isso, no resto das cidades revolucionárias da Síria, particularmente, Lattakia, Darra, Hama, Homs, estavam havendo bombardeios do regime.
Muito do meu trabalho incluíam manifestações, chamados pela libertação de presos políticos, chamados pela queda do regime. Outras tarefas incluíam planejar e distribuir panfletos políticos em manifestações pró-regime que ocorriam de forma bastante sombrias e com grandes riscos de aprisionamento.

Mais tarde parti para o Líbano e, depois Cairo, a trabalho. Algum trabalho direcionado a arrecadação de recursos para os refugiados do vale do Beqaa, campo Shatila de refugiados palestinos. Notamos que a ajuda humanitária era uma das formas pelas quais os extremistas religiosos tentavam se aproximar desses acampamentos com o objetivo de ganhar corações e mentes daqueles que tinham perdido tudo, menos a sua vida. Notamos a importância de entregar pessoalmente ajuda a muitos desses refugiados com um claro anúncio de nossos objetivos – a construção de uma Síria democrática e secular para todos os sírios, independente de seita, etnicidade, raça, classe ou religião.

Nossos trabalhos incluíam arrecadar fundos e defender o Exército Livre da Síria. Particularmente, os batalhões que expressavam publicamente o seu apoio por uma Síria secular, democrática e pluralista, para nos contrapor aos batalhões financiados pelos petrodólares, que cada vez mais se tornavam extremista religioso. Outros trabalhos importantes incluíam documentar e arquivar qualquer informação importante dos que fugiam da Síria. Já na universidade em Beirute, participei principalmente de movimentos de boicote, desinvestimentos e sanções (BDS) contra Israel.

Qual é a postura do povo sírio frente ao imperialismo?
Sara: Sentimento popular amplamente averiguado em termos de reação contra a guerra do Iraque, contra Israel, contra o ataque israelense no Líbano em 2006, contra a neoliberalização do regime através do monopólio da economia pelos cães de negócios do regime, Rami Makhlouf, o primo do presidente e outros capitalistas próximos ao regime.

Contudo, estes sentimentos são dispersos. Não estão articulados em uma clara consciência política e há uma desconfiança generalizada em todos aqueles que falam em nome da esquerda. Estes se isolaram das massas logo no começo da revolução, afirmando que os rebeldes e membros da oposição eram todos marionetes do ocidente e dos Estados Unidos e seus aliados no mundo árabe.

O nosso trabalho se tornou difícil e mais importante ainda. O terreno não pode ser deixado para ser monopolizado pelos elementos liberais e pró-imperialistas. Ainda assim, sabemos que essa é uma revolução democrática, e não uma revolução socialista.

Qual é a situação do povo sírio no Líbano no atual contexto da guerra civil síria?
Sara: A situação está bastante difícil. O governo está sob controle do Hezbollah e de seus aliados Aounitas [dirigidos por Michel Aoun, 76, premiê do Líbano de 1988 a 1990]. Mais importante, porém é que a inteligência militar, o “mukhabarat”, está dominada pelas gangues pró-Assad.

Há grande diversidade de sírios vivendo aqui, muitos dos quais fugiu sem seus documentos, atravessando ilegalmente a fronteira. Há uma forte repressão em cima deles com o aumento de postos de checagem em cidades libanesas, particularmente em Beirute, principalmente depois do bombardeio de Achrafieh e do assassinato de Wissam al Hassan [chefe de unidade de alta inteligência morto em atentado no mês passado]. Com essa desculpa, há uma peculiar aliança entre o Hezbollah e o governo cristão, atingindo dois objetivos com um só golpe: 1) o desmonte de qualquer ativista e grupo anti-Assad aqui no Líbano 2) o medo por parte de cristãos do crescimento da presença de uma maioria síria de sunitas no país, fenômeno parecido que ocorreu, nos anos 1970 com, com a OLP (Organização para a Libertação da Palestina).

Qualquer atividade em prol da revolução, qualquer trabalho com os refugiados, deve ser completamente clandestino.