Mais de 140 famílias vítimas das enchentes de 2010 ainda sofrem em abrigos improvisados em São José da Laje, no interior alagoanoDona Teo nem lembrava que era dia das mães. Estava mais preocupada em tomar conta da filha para que ela não brincasse na água suja que corria à beira da sua barraca de camping de 9 metros quadrados, cedida pelo governo de Alagoas. “É mesmo! Hoje é dia das mães. Mas Deus nessas horas ajuda a gente a não sofrer tanto. Eu tinha até esquecido”, disse. Dona Teo faz parte do grupo de mais de 140 famílias que está há quase um ano desabrigado depois da última grande cheia do Rio Canhotinho, em São José da Laje.

Na mesma situação está Odilene dos Santos. A jovem de 28 anos lembra bem daquela madrugada de 18 de junho de 2010. “Em coisa de meia hora já estava tudo cheio. Saí com água encima da cintura. Não deu tempo de salvar nada”. No último domingo, Odilene não foi ver sua mãe. Também não ganhou presentes, apesar dos muitos ‘filhos adotivos’ que ganhou depois que foi morar no abrigo improvisado no alto de um morro. “As crianças mais velhas ficam por aí brincando. Mas as pequenas, tem que ficar olhando o tempo todo. A gente vira mãe de todas aqui porque dá uma pena ver os meninos doentes por causa da água contaminada”, explicou.

As duas esperam há quase um ano a construção das 1.006 casas no município prometidas pelo governo do Estado. De lá para cá, apenas algumas visitas da Defesa Civil. “O prefeito esteve aqui só uma vez”, conta dona Teo, embalando sua filha, que tinha completado dois anos no dia anterior. “Se eu tivesse condições, já tinha saído daqui e ido para uma casa alugada. Quando chove, as barracas enchem todas. Quando faz sol, o calor é insuportável”, desabafou. Ela conta que a Defesa Civil fez a medição da temperatura e constatou 46°C dentro dos abrigos. O forte odor das fezes e urina acumuladas nos banheiros coletivos improvisados completa o ambiente insalubre.

Inverno
Como se fosse pouco, Odilene, dona Teo e os mais de 22 mil habitantes de São José da Laje ainda se preocupam com o que está por vir. O inverno ainda nem chegou, e as chuvas já fazem novas vítimas. Em Alagoas, já são 11 os municípios que decretaram estado de emergência. Segundo a Defesa Civil, 15.779 pessoas já foram atingidas neste ano. Até o momento, uma morte foi registrada no Estado.

Dormir em noite de chuva é difícil para Otacílio Honorato. Sua residência, que fica a menos de dez metros do leito do Canhotinho, foi uma das atingidas pela correnteza em 2010. A casa de seu Otacílio foi condenada pela Defesa Civil, mas ele conta que não tem para onde ir. “A chuva do ano passado levou tudo. Só tive tempo de pegar a minha televisão e mais nada. Ontem choveu a noite toda. Eu não preguei o olho. Mas fazer o quê, meu filho? Eu vou aonde?”, disse.

Otacílio espera uma das casas que o governador Teotônio Vilela (PSDB) prometeu através do “Programa de Reconstrução”. Segundo o governo de Alagoas, serão edificadas 18 mil casas para as vítimas das chuvas que destruíram cidades inteiras em Alagoas em 2010. No total, o investimento do governo federal chega a R$ 160 milhões.

Um montante pequeno quando comparado aos quase 41 mil desabrigados e desalojados pelas chuvas desde 2010. A quantia parece irrisória quando lembramos do déficit habitacional alagoano que, segundo levantamentos do IBGE anteriores aos alagamentos, é de mais de 123 mil residências. Mas é o suficiente para animar as construtoras, como deixa transparecer José Nogueira Filho, presidente do Sindicato da Construção Civil de Alagoas, em entrevista ao portal do governo do Estado em abril deste ano. “O governo criou um ambiente positivo para que pudéssemos firmar parcerias e crescer no setor. Hoje o empresário é recebido tanto pelo secretário Marco Fireman (Seinfra) quanto pelo secretário Luiz Otavio Gomes (Planejamento e Desenvolvimento Econômico)”, avaliou na ocasião.

A tragédia se repete
O drama das mães de São José da Laje é o drama do desenvolvimento da cidade. O município, que no passado louvava seu pujante comércio, foi atingido pela primeira grande enchente em 1969. Os trilhos do trem que conduzia pessoas e cana-de-açúcar a Maceió foram destruídos naquele ano e reestruturados em seguida. Mas as cheias se sucederam em 1989 e 2000. A ferrovia foi abandonada. “A ferrovia estava para ser reinaugurada em 30 de junho de 2010. Mas, no dia 18 de junho, veio uma nova tromba d’água e destruiu tudo de novo”, relata o estudante universitário Fernando Chicuta, que mora na cidade desde que nasceu.

Chicuta apresenta a bela igreja da cidade, construída em 1929 em estilo barroco, símbolo do poder econômico da elite açucareira local. Poder que se confunde com o poder político de todo o estado. Os mesmos usineiros e políticos responsáveis por belíssimas obras arquitetônicas como a igreja de São José da Laje também são os responsáveis pelas 140 famílias que hoje vivem em condições subumanas em barracas de camping. As tragédias das chuvas se repetem, mas os culpados por elas, certamente, não estão no céu.

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