Assim como na Europa, presidente eleita quer impor ajuste fiscal e reformas já a partir de 2011Embora o segundo turno tenha sido marcado por uma raivosa polarização eleitoral, a vitória de Dilma Rousseff esteve bem longe de causar grandes euforias. Ao contrário do clima de esperança que havia em 2002, as expectativas de hoje são bem mais modestas. O eleitorado da petista espera apenas que o novo governo pelo menos mantenha o atual ritmo de crescimento e de aumento relativo do emprego.

Mas, se por um lado a nova presidente não vai contar com o carisma de Lula, também não terá a seu lado as condições favoráveis que marcaram boa parte dos últimos oito anos. E Dilma sabe disso. Tanto que, junto com a preocupação de compor o novo governo, já sinalizou qual será o tom de sua gestão. E ele não será nada bom para os trabalhadores.

Horizonte sombrio
Quando Fernando Henrique Cardoso passou a faixa presidencial a Lula, o país vivia uma grave crise, com o dólar superando os R$ 4, dívida pública explodindo e crise fiscal. Mas as condições que permitiriam os anos seguintes de crescimento econômico já estavam em curso.

A balança comercial (diferença entre tudo o que o país vende e compra), que permaneceu negativa durante a maior parte da década de 90, mudava sua rota amparada no aumento das exportações de commodities, como minérios e produtos agrícolas.
Nos anos 90, o país acumulou gigantescos déficits comerciais com o restante do mundo. Resultado da abertura comercial indiscriminada, o Brasil mais comprava produtos do que vendia, causando uma avalanche de importados e arrasando a indústria nacional. Esse déficit era financiado por investimentos especulativos atraídos por enormes taxas de juros.

Já no final da era FHC, porém, o país encontrou uma nova localização na economia internacional. Aproveitou o crescimento da economia para se tornar um grande fornecedor de produtos primários.

Quando Lula chegou ao Planalto, aprofundou essa política com uma série de subsídios e isenções, elegendo os latifundiários como os seus “heróis”. E de fato eram. As reservas (dólares) acumuladas pelas exportações possibilitaram que Lula continuasse a aplicar uma política de cortes fiscais, controle de inflação e juros altos que, em qualquer outra circunstância, provocaria uma recessão.

Dilma sentará na cadeira de presidente numa conjuntura completamente oposta. A crise econômica internacional está longe de ter um fim, colocando a Europa perto de uma convulsão social e os EUA longe de uma recuperação plena. No Brasil, a balança comercial, que vinha acumulando superávits recordes, parou e sinaliza futuros déficits.

Novo momento da crise mundial
As exportações brasileiras sofrem com a crise mundial e a valorização do real, tendência que se aprofundou nos últimos meses. Com a moeda mais cara, os produtos que não são commodities, ou seja, não cotados em dólar, encarecem e se tornam menos competitivos. Ao mesmo tempo, com o dólar baixo, é mais fácil importar. Resultado: prejuízo na balança comercial e um país cada vez mais especializado na exportação de produtos primários.

O real valorizado estimula ainda as remessas de lucros. Só neste ano, o próprio governo estima que serão enviados para fora em torno de 35 bilhões de dólares. A conta corrente (que abrange, além da balança comercial, as remessas de lucros e o pagamento da dívida) deve ter um déficit de 50 bilhões em 2010. Por hora, o que vem segurando essa sangria é o capital especulativo.

As taxas de juros atraem uma enxurrada de dólares de especuladores internacionais. Lei da oferta e procura: com mais dólares no mercado, ele se desvaloriza e, como em uma gangorra, valoriza a moeda local. Esse processo ocorre no mundo inteiro, sobretudo nos países periféricos que não estiveram no centro da crise. A diferença é que o Brasil paga juros muito mais altos que esses países.

Tal situação deve piorar ainda mais com o recente anúncio do banco central dos EUA, o Federal Reserve (FED). A persistência das altas taxas de desemprego, que chegam a quase 10%, foi o principal motivo para a grande derrota política sofrida por Barack Obama nas últimas eleições legislativas. Como forma de tentar reanimar a economia, o Fed decidiu despejar mais 600 bilhões de dólares no mercado financeiro. Esses dólares vão seguir buscando os países que o remunerem mais, ou seja, vão chegar até aqui e continuar valorizando ainda mais o real.

A guerra cambial travada pelos EUA, o imperialismo europeu, o Japão e a China é expressão de um novo momento da crise internacional. Com a impossibilidade de adotar medidas protecionistas mais descaradas no contexto de uma economia globalizada, como barreiras comerciais, os países tentam se proteger através de suas moedas.

Nessa batalha desigual, os EUA detêm as regras do jogo, já que podem emitir a moeda internacional de reserva, o dólar, à vontade. E dane-se o resto do mundo. Muitos ainda dão como certa uma nova bolha especulativa nas commodities e um aumento no preço dos alimentos, como em 2007.

Ataques
A nova jogada dos EUA derruba a ideia de que o imperialismo estaria perdendo espaço para os “emergentes”. Obama mostrou quem continua segurando o controle remoto. Por outro lado, mostra o papel subserviente dos países periféricos, incluindo o Brasil. Lula e Dilma afirmaram que irão reclamar da política cambial dos países ricos no G20. Mas, enquanto lá fora são apenas discursos, por aqui os planos não se resumem apenas a palavras.

A primeira entrevista coletiva concedida por Dilma após as eleições sinaliza as ações do governo para reverter o déficit da balança. A fim de reduzir gradualmente as taxas de juros e conter o excesso de capital estrangeiro, o governo Dilma vai adotar uma política de ajuste fiscal com, entre outras medidas, corte de gastos públicos e arrocho salarial dos servidores. A conta é simples: o governo quer trocar alguns pontos da taxa de juros pela segurança dos investidores em colocar dinheiro aqui.

Dilma já afirmou que vai reduzir a relação entre dívida pública e PIB (dos atuais 42% para 38%). E isso se dá com cortes de gastos, inclusive na Previdência. Segundo reportagem do jornal carioca “O Globo” de agosto, a atual equipe econômica do governo já estaria elaborando uma nova reforma da Previdência para o futuro presidente. No calor da disputa eleitoral, o governo negou o plano, mas ele é apontado como uns dos principais “desafios” do novo mandato.

Ao que tudo indica, o início do mandato de Dilma será de ataques aos trabalhadores, assim como ocorreu com seu companheiro de partido Lula.

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