Candidata petista divulga mensagem se comprometendo com a não-legalização do aborto e contra a criminalização da homofobia e os direitos dos homossexuais“Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto”. Este é o segundo item da mensagem de dilma Rousseff dirigida aos religiosos. Na carta, Dilma diz que resolveu “pôr um fim definitivo à campanha de calúnias e boatos” contra ela. Na verdade, ela pôs uma pá de cal nas ilusões de que o PT e seu governo vão garantir os direitos de mulheres e de homossexuais.
Dilma atende às reivindicações dos religiosos e ignora a pauta histórica dos movimentos sociais. “Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País”, diz o texto.
Sobre os direitos civis de homossexuais, Dilma é mais sutil na forma, mas não menos reacionária no conteúdo. De maneira velada, a candidata se refere a “temas concernentes à família”. Porém fica claro que temas são esses ao citar o Projeto de Lei 122 e o Plano Nacional de Direitos Humanos 3.
O PL 122 é o projeto que prevê a criminalização da homofobia para impedir que homossexuais sejam agredidos, humilhados, discriminados de qualquer maneira ou impedidos de trabalhar por causa de sua orientação sexual. O compromisso de Dilma é sancionar o projeto, mas apenas “nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no Brasil”.
O problema é que, para as igrejas, o fato de ser gay já é um atentado à família. Todos sabemos quais violações as igrejas estão defendendo, e todas atentam, na verdade, contra as mulheres e os homossexuais. As mulheres vão continuar morrendo nas clínicas clandestinas, e os gays continuarão sendo espancados e tratados como demônios ou doentes.
Quanto ao PNDH3, ao qual se refere Dilma, sua publicação por si só já tinha sido um retrocesso. O governo retirou da versão o apoio à descriminalização do aborto e as cláusulas que permitiam ampliar os casos de aborto legal.
Mais uma vez, não basta ser mulher
Completamente desmoralizadas pelo próprio PT, as feministas governistas assumem o vale-tudo eleitoral. O secretário de Comunicação do PT, André Vargas, disse que “foi um erro ter se pautado internamente por algumas feministas”.
Mesmo assim, de forma constrangedora, a Marcha Mundial de Mulheres, principal organização feminista abertamente governista, limita-se a defender a eleição de Dilma. A manchete do site da Marcha, desde sábado, 16, é “Vamos eleger Dilma Rousseff Presidenta do Brasil”. O texto foi publicado um dia depois de Dilma lançar seu manifesto e é assinado por várias organizações além da Marcha, como a Via Campesina, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens, Uneafro etc. As palavras aborto, homofobia e homossexuais não aparecem uma vez sequer na declaração.
No balaio das organizações governistas, os religiosos também entram sem nenhuma distinção para setores progressivos, como as Católicas pelo Direito de Decidir: “Queremos nos juntar aos movimentos sindicais, populares, estudantis, religiosos e progressistas para promover debates com a sociedade, desmascarar a propaganda enganosa dos neoliberais e autoritários (…)”. Fica evidente que essas organizações querem a simpatia dos setores conservadores aos quais Dilma se aliou.
Essa postura é consciente e enganosa. O governo Lula sempre foi tratado por elas como aliado. Assim, enganam as mulheres trabalhadoras e as conduzem à própria cova. Abandonam, na prática, a luta feminista.
Isso coloca na pauta do dia a necessidade e a urgência de se construir um movimento que represente as mulheres trabalhadoras, em que elas possam se organizar e lutar pelos seus direitos. O episódio nos ensina que só é possível garantir direitos com independência total de governos e de religiões.
Muitos passos atrás
Numa coisa Dilma tem razão: a campanha de Serra contra ela é caluniosa. O governo de Dilma, continuando a política de Lula, não tem nenhuma intenção de se confrontar com setores religiosos.
Quanto a Serra, antes mesmo de começar a campanha, ele já tinha assumido o compromisso que Dilma oficializou no segundo turno: “Eu não sou a favor do aborto. Não sou a favor de mexer na legislação”. Essa declaração foi desnecessária, pois sua história e do PSDB e aliados dispensam apresentações.
Ficam sem justificativas os setores da esquerda, como PSOL e PCB, que defendem voto crítico. Votando em Dilma, se está votando contra o conservadorismo? Quem respondeu foi a própria Dilma… As diferenças entre ela e Serra não existem. Assim, só resta o voto nulo como voto contra o conservadorismo.
Um salto atrás
Nas últimas duas décadas de neoliberalismo temos assistido a uma degeneração moral da sociedade, combinada com um retrocesso brutal dos direitos de mulheres e homossexuais. Vivemos numa sociedade que transforma as mulheres em mercadorias, que podem ser usadas e abusadas. Essa mesma sociedade as joga na fogueira e as deixa morrer aos milhares; se utiliza do mercado rosa por um lado, e mantém a homofobia por outro.
Se estávamos caminhando para trás no terreno moral, podemos dizer que estas eleições foram um grande salto nesse sentido. Só mesmo num sistema podre uma eleição se pauta por estes preceitos, que deveriam ser direitos fundamentais. Este grau de interferência das religiões no Estado é o que de fato ameaça a liberdade de crença, e não a criminalização da homofobia. É isso que atenta contra a vida, e não a descriminalização do aborto.
Dilma e o PT cedem às pressões da bancada evangélica, que ganha cada vez mais espaço no Congresso, defendendo políticas contra os trabalhadores. Cedem às pressões da Igreja católica, contaminada pela pedofilia e pelo abuso sexual, que não é capaz de se manifestar contra a violência às mulheres.
Nós, do PSTU, temos orgulho de defender as políticas que o PT e as organizações governistas jogaram no lixo. Queremos tirar a sujeira de baixo do tapete, porque somos a favor da vida das mulheres que morrem nas clínicas e dos homossexuais espancados, humilhados e assassinados.
*Vera Guasso foi candidata ao Senado pelo PSTU em Porto Alegre e recebeu quase 57 mil votos