Che Guevara chegou à Bolívia em novembro de 1966, disfarçado de diplomata. Dias depois, estava no sul do país, na região onde montaria uma guerrilha com cerca de 30 combatentes. Com a guerrilha isolada e enfraquecida, foi capturado e morto quase um ano depois, após uma operação que reuniu 12 mil soldados bolivianos e a CIA.

Che carregava consigo três cadernos. Seu diário, um caderno com anotações e apontamentos teóricos e outro, de capa verde, com 69 poemas. Depois de passar anos em mãos do exército boliviano, os poemas escolhidos por Che para acompanha-lo na selva boliviana estão sendo reunidos em livro.

Cópias do cadernos chegaram às mãos do escritor mexicano Paco Ignacio Taibo II, autor de uma biografia de Che. A princípio, ele pensou que poderiam ser do próprio Guevara, mas reconheceu alguns dos textos e concluiu que “era evidentemente uma antologia, era sua própria antologia”. Taibo acredita que tenham sido copiados um a um durante a guerrilha e recordou que um dos guerrilheiros havia brincado que “carregar a mochila de Che era como carregar pedras, porque estava cheia de livros”.

Che, que gostava de poesia desde a adolescência, havia levado consigo para a Bolívia um pouco da obra de Pablo Neruda, Nicolas Guillén, César Vallejos e León Felipe. El cuaderno verde de Che foi lançado em 12 países da América Latina e sairá por aqui até o fim do ano, pela editora Planeta. Apresentamos, abaixo, os poetas escolhidos e alguns de seus poemas.

CÉSAR VALLEJOS
“São algo surpreendente os mineiros
remontando suas ruínas vindouras,
elaborando sua função mental
e abrindo com suas vozes
o buraco, anunciando as profundezas!
A sua natureza amarelada,
sua lanterna mágica,
seus baldes e histórias, seus percalços,
seus seis nervos ópticos,
seus filhos que jogam na igreja
e seus silenciosos pais infantis!
Saúde, ó criadores das profundezas…”

(Trecho de “Os mineiros saíram da mina”)

Em 1918, é lançado Os arautos negros, um marco na poesia peruana. Vallejos trouxe o sentimento indígena à literatura latino-americana. Segundo o poeta Mariátegui, “é uma arte rebelde que rompe com a tradição cortesã de uma literatura de bufões e lacaios”. Vallejos se aproxima da luta política e entra no PC. Em 1937, produz España, aparta de mi este cáliz e declara: “não é poeta aquele que hoje é insensível à tragédia operária”.

PABLO NERUDA
“E a minha voz nascerá de novo,
talvez noutro tempo sem dores,
sem os fios impuros que emendaram
negras vegetações ao meu canto,
e nas alturas arderá de novo
o meu coração ardente e estrelado.”

(In Canto Geral)

O autor de Cem sonetos de amor é o mais conhecido estre os que acompanhavam Che em seu caderno. Mas, além das paixões, nutria o amor pela humanidade, um amor universal.

A atuação política de Neruda despertou em 1936, quando participou, com o poeta Federico García Lorca, da Guerra Civil Espanhola. A morte de Lorca e a luta contra o franquismo fez com que escrevesse Espanha no coração. Em 1950, publicou Canto Geral, no México, uma das suas obras mais importantes.

Em 1971, Neruda ganhou o Nobel de Literatura. Morreu dois anos depois, 12 dias após o golpe de Pinochet, e seu cortejo foi um grande ato contra a ditadura.

Apesar de jamais ter se distanciado do PC, o poeta não se enquadrava no realismo socialista. Tampouco na literatura dos poderosos. No livro Confesso que vivi, explica que “a burguesia exige uma poesia cada vez mais isolada da realidade. O poeta que sabe chamar o pão de pão e o vinho de vinho é perigoso para o capitalismo”.

NICOLÁS GUILLÉN
“Fita esse corpo leve
de anjo adolescente que trazia
sequer ainda bem fechadas
as cicatrizes sobre os ombros
onde teve asas;
fita esse corpo de perfil ausente,
desfeito a pedra e pedra,
e chumbo e pedra,
a insulto e pedra.”

(Trecho de Elegia a Emmet Till, negro de 14 anos morto por racistas nos EUA)

Guillén é o maior poeta cubano e conviveu com Che após a revolução. Nasce em 1902, em Cuba, já independente da Espanha, mas diretamente colonizada pelos Estados Unidos. O poeta, jornalista e escritor participa da luta política e alia a esta a sua produção poética. Sua obra representa como nenhuma outra a alma do povo negro cubano, sua cultura, sua luta e sua musicalidade. Seus versos rompem com toda a métrica e formalismo e surgem ecoando a percussão dos ritmos afro-cubanos, como o “son”.

Após a confirmação da morte de Che, Guillén escreve o belíssimo Che comandante lido em Havana, com versos como: “estás em toda a parte. Estás no índio feito de sonho e cobre. E no negro revolto em espumosa multidão”.

LEÓN FELIPE
“Tua é a fazenda,
a casa,
o cavalo
e a pistola.
Minha é a voz antiga da terra.
Você fica com tudo
e me deixa nu e errante pelo mundo…
mas eu te deixo mudo… Mudo!
E como vai recolher o trigo
e alimentar o fogo
se eu levo comigo a canção?”

(Para Franco)

Nascido na Espanha, em 1884, a poesia de León Felipe está intimamente ligada à América Latina. Sua primeira viagem ao continente foi em 1922. Após morar na Guiné Equatorial e no Panamá, retornou à Espanha durante a Guerra Civil. Em 1940, viaja ao México, onde viveu até sua morte em 1968.

Sua obra é marcada pela luta por justiça e pelo lamento dos povos. León também denuncia a Igreja Católica que, na Guerra Civil, abençoou os soldados de Franco e distribuiu “uma medalha ensangüentada”.

A odisséia de Dom Quixote é revivida em versos. León canta o cavaleiro, mas dedica atenção a Rocinante, o único cavalo que “conhece o significado da palavra justiça”. Conclui: “a grande esperança do mundo não tem pedigree”.

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