LIT-QI

Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

A prática é o critério da verdade. Este critério marxista é fundamental para resolver polêmicas que inevitavelmente surgem entre os que lutam para mudar o mundo. Por exemplo, no início do governo Lula, existiu um grande debate entre a esquerda sobre o significado de seu primeiro ano: tratava-se de um governo de esquerda que queria se livrar da “herança maldita” dos governos FHC (como diziam os petistas, inclusive sua ala esquerda), ou de um governo burguês, com cara de esquerda, que continuaria a aplicar o plano neoliberal (como dizia o PSTU)? Esta polêmica hoje está praticamente superada, pois mesmo os petistas não têm mais condições de seguir sustentando a fábula de antes.

Com Chávez se passa o mesmo. Ao lado de Maradona, Chávez foi a estrela nos protestos contra a presença de Bush na cúpula da OEA. Discursou contra a Alca e Bush e, repetindo uma frase de Rosa Luxemburgo, falou em “socialismo ou barbárie”. A retórica de Chávez, a sua “revolução bolivariana”, somada ao servilismo de Lula ao imperialismo, que o desprestigiou imensamente perante a esquerda latino-americana, faz que com o venezuelano apareça como um combatente “antiimperialista”.
No entanto, para além da retórica chavista, a esquerda revolucionária deve analisar o real conteúdo das políticas aplicadas por ele, no terreno concreto da Venezuela. Se os chavistas tiverem razão, será fácil comprovar isso pelo critério da verdade da vida das massas venezuelanas. Caso não tenham, como nós opinamos, isso também será possível de demonstrar.

Nacionalismo burguês dos tempos de hoje
Costuma-se a comparar Chávez com governos nacionalistas burgueses do passado, como por exemplo, Perón (Argentina), Cárdenas (México) e Nasser (Egito). Essa comparação é extremamente limitada, pois, se existem algumas semelhanças, também existem diferenças importantes, que têm a ver com as transformações do capitalismo no final do século XX.

Aqueles governos nacionalistas burgueses existiram em situações histórias distintas, que permitiam maior autonomia dos países dominados. O avanço da globalização e do neoliberalismo impede que as burguesias latino-americanas, enfraquecidas pela desnacionalização da economia e pela recolonização, encampem projetos relativamente independentes ao imperialismo. O nacionalismo dos tempos neoliberais, como o de Chávez, está distante de repetir ações como a do governo Cárdenas, que nacionalizou o petróleo mexicano, ou de Nasser que nacionalizou o Canal de Suez, no Egito.

Apesar de sua retórica, o presidente venezuelano não deseja nacionalizar setores estratégicos da economia do país e por isso não proporciona melhorias efetivas às condições de vida dos trabalhadores. Não existe nenhum caminho para o socialismo na Venezuela, para o qual seria imprescindível a expropriação das multinacionais que seguem controlando o país e parar de pagar a dívida externa.

Com o dinheiro obtido com o petróleo, Chávez se limita a promover programas assistencialistas (como a missão dos médicos cubanos – ver página ao lado), do tipo Fome Zero, sem tocar no plano econômico neoliberal. Mas nenhuma política compensatória pode acabar com as enormes desigualdades sociais provocadas pelo capitalismo. Chávez, como mantém o capitalismo, tem que aplicar o plano neoliberal de hoje. Por isso, na Venezuela, predominam a flexibilização dos direitos trabalhistas e a terceirização, e a miséria segue se aprofundando.

Antiimperialismo, Alca e dívida
É verdade que Chávez tem um determinado grau de enfrentamento com o imperialismo, mas é preciso ver os limites desses atritos. Bush ataca Chávez porque ele não apóia a guerra no Iraque, a Alca, e mantém algumas posições independentes, o que é inaceitável para Washington.

Em Mar del Plata, Chávez contrapôs a Alca apresentando o seu projeto, a Alba (Alternativa Bolivariana para a América Latina). Muitos vêm na proposta uma alternativa à Alca. Mas será que é mesmo?

A Alba não propõe nenhuma ruptura com o imperialismo ou o fim do pagamento da dívida externa. É também um projeto de uma área de livre comércio igual ao Mercosul. As economias latino-americanas são controladas pelas multinacionais. Portanto, uma integração como Alba vai facilitar que empresas estrangeiras aqui instaladas ganhem mercado, aumentem seus lucros em cima da piora das condições de vida dos trabalhadores. As propostas de que a Alba aplique programas sociais compensatórios em escala continental são apenas o enfeite desse acordo de livre comércio.

Além disso, Chávez paga pontualmente a dívida externa venezuelana. Em 2003, o governo pagou US$ 7,4 bilhões de juros da dívida, ou seja, entregou 8,63% do PIB. A dívida externa total é de US$ 24,8 bilhões e a interna de US$ 14,5 bilhões (respectivamente 28,9% e 17,0% do PIB)

O presidente venezuelano gosta de recitar Simon Bolívar e defender a integração da América Latina. Mas ao contrário do grande libertador, Chávez não apóia as lutas do povo latino-americano. Chávez não enfrenta as multinacionais nem na Venezuela e em nenhum lugar do planeta. Prova disso foi que na última insurreição boliviana que defendia a nacionalização das empresas do gás, Chávez esteve contra. Também foi contra as insurreições do povo equatoriano que derrubaram o presidente Lúcio Gutiérrez, seu aliado de outrora.

De que ‘socialismo’fala Chávez?
Em seus discursos e pronunciamentos, Chávez sempre recorre a frases de Bolívar, Che Guevara, Marx e até Trotsky para defender a sua revolução bolivariana. Diz que seu regime inaugura “o socialismo do século XXI”. Mas, de que socialismo Chávez está falando? Quem explica são intelectuais apoiadores do chavismo que se dizem marxistas, como Heinz Dietrich e Marta Harnecker. Dietrich, amigo de Chávez, é defensor da tese de que o socialismo do século XXI tem como base a “democracia participativa”. Quer dizer, reformas do Estado burguês que permitam “maior participação popular”. São reformas semelhantes às que vimos em governos petistas, como o Orçamento Participativo. Marta Harnecker chegou a teorizar que o capitalismo “no caso venezuelano, com um governo como este, com uma Constituição como esta, com um povo que despertou como o nosso, com uma correlação de forças como a que temos, sim, é humanizável”. Para ambos, a revolução bolivariana não é algo que deva destruir o Estado burguês ou o sistema capitalista, pois isso “não é possível e nem realista”. Seu realismo consiste em um “capitalismo humanizado”, com distribuição de renda através de políticas compensatórias. Rechaçam por completo a alternativa da revolução socialista que ponha fim ao capitalismo e seu Estado. Portanto, o tal “socialismo” dessa gente não tem nada a ver com o que defendia Marx, Rosa e Trotsky.

Mas não existe o “capitalismo humano” em nenhum lugar do mundo… nem na Venezuela. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entidade oficial do governo venezuelano, a pobreza cresceu. Passou de 42,8% no primeiro semestre de 1999 para 53% no fim de 2004. Um desempenho que contrasta com o desempenho da economia capitalista do país que cresceu 17,9% em 2004. Nesse país, 58% da população vive com até US$ 6,8 por dia e 23% com até US$ 12 por dia.

Eis o conteúdo do dito “socialismo” chavista. Um socialismo desse tipo não é outra coisa que um novo disfarce do capitalismo, da exploração da classe trabalhadora e da entrega dos hidrocarbonetos.

Se Chávez fosse realmente antiimperialista, deveria enfrentar de maneira conseqüente o imperialismo; suspender imediatamente o pagamento da dívida externa, nacionalizar de fato o petróleo e romper todas as negociações da Alca.
Post author As grandes diferenças entre o discurso e a prática do presidente venezuelano
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