No dia 21 de junho, a deputada Myriam Rios, do PDT carioca, protagonizou uma cena na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) que lhe garante, desde já e para sempre, lugar de destaque na lista das figuras mais asquerosamente homofóbicas que infestam este país.

Naquele dia, estava sendo votada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/2007, que tem como objetivo incluir, na constituição do Estado, a discriminação por orientação sexual entre as formas passíveis de punição. Contrária ao projeto, a deputada tomou a palavra e despejou uma série de ataques homofóbicos (leia abaixo) que só poderiam ser chamados de inacreditáveis se não vivêssemos num país que carrega o lamentável título de campeão mundial da homofobia.

Em suma, Myriam Rios comparou a homossexualidade a um crime (a pedofilia) e defendeu ardorosamente seu “direito” de demitir ou não contratar alguém, caso esta pessoa se declare gay ou lésbica. O feito a colocou, com honra e mérito, no mesmo nível rasteiro de figuras deploráveis como Bolsonaro, Marco Feliciano, Garotinho, os hipócritas reacionários da bancada evangélica e um bando de outros racistas, homofóbicos e machistas que proliferam na sombra da impunidade generalizada e do descaso dos “poderes” público – com Dilma à frente do pelotão.

Lamentável em todo e qualquer sentido, a enxurrada de asneiras pronunciadas por Myriam Rios é, contraditoriamente, um forte exemplo do por que necessitamos de uma legislação que criminalize a homofobia. Caso tivéssemos algo deste tipo, talvez, Myriam sequer tivesse tido coragem de dizer o que disse ou, no mínimo, teríamos com exigir sua punição, a começar pela perda do mandato que ela diz exercer em nome do povo.

Afinal, ao contrário do que a deputada defende, a homossexualidade não tem absolutamente nada a ver com crimes, particularmente com abuso e assédio sexuais, muito menos com práticas nefastas como a pedofilia. Criminoso, sim, é destilar preconceito e, ainda mais, instigar a violência (seja ela física, psicológica ou social – como a perseguição e o desemprego) contra pessoas simplesmente em função de sua orientação sexual.

Desculpas esfarrapadas, não nos interessam
As declarações de Myriam Rios só ganharam destaque no final de semana, quando um vídeo com o seu discurso começou a circular no YouTube, desencadeando uma onda de protestos e indignação.

Diante disto, na terça, dia 28 de junho – vale lembrar, 42° aniversário da Rebelião de Stonewall, que deu origem ao Dia do Orgulho LGBT –, Myriam veio novamente a público para pedir desculpas, dizendo que havia sido mal interpretada. Na nova declaração, Myriam afirmou: “Não sou preconceituosa e não discrimino. Eu repudio veementemente o pedófilo e jamais tive a intenção de igualar esse criminoso com a homossexualidade”. Para os conciliadores de plantão, as “desculpas” foram o suficiente para por um fim no episódio. Esta, contudo, não pode ser a postura de qualquer um que realmente esteja engajado na luta contra a opressão.

Primeiro, porque basta assistir às nojentas declarações da deputada para não ter dúvida alguma do quanto esta lamentável figura é preconceituosa. Segundo, porque não há desculpas que possam amenizar o enorme desserviço que ela já prestou ao país e à luta pela igualdade. Terceiro, mas não menos importante, para nós, do PSTU, o que Myriam Rios fez foi, sim, um crime e como tal deveria ser punido e jamais esquecido.

Um crime cujas provas foram fornecidas pela própria Myriam.

Um show imperdoável de preconceitos
Quando tomou a palavra na sessão do dia 21 de junho da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Myriam Rios fez questão de dizer que iria falar como “mãe, católica, missionária consagrada da comunidade Canção Nova”. Isso por si só, já é um despropósito, pois nada disso tem a ver (ou não deveria ter) com sua condição de representante eleita pelo povo para um cargo público.

Seja como for, se não bastasse tratar a tribuna da Assembleia como um púlpito, Myriam o fez para pregar o ódio, disseminar a mentira e atacar milhões de homens e mulheres – gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais – que se viram associados a práticas como a pedofilia. Aliás, qualquer estatística demonstra que esses crimes envolvem majoritariamente (estamos falando em cerca de 80% dos casos) homens heterossexuais contra meninas, geralmente de suas próprias famílias ou de pessoas próximas.

Como membro da elite, Myriam não pode usar como desculpas o desconhecimento sobre estes dados. Muito menos é aceitável que uma deputada se utilize da tribuna e da mídia para espalhar asneiras como a existência de uma coisa que ela chama de “orientação pedófila”.

Myriam: a ponta de um malcheiroso iceberg
Apesar de não perdoarmos as asneiras de Myriam, seria uma injustiça deixá-la sozinha nesta história. Além de seus comparsas mais famosos, como Bolsonaro e Feliciano, é importante lembrar que, na própria Alerj, a deputada está cercada de gente de seu mesmo naipe.

No dia 21, não houve quórum para a aprovação ou rejeição da PEC. Contudo, a votação foi sintomática. Seriam necessários 42 votos. Nada menos do que 39 deputados votaram contra, enquanto 38 se posicionaram a favor da emenda. Prova inconteste de que Myriam está longe de ser uma voz isolada na Assembleia carioca que, para fugir do debate, adiou a votação sabe-se lá para quando.

Por fim, não poderíamos deixar de comentar outra faceta igualmente lamentável de toda esta história: os ataques partiram de uma mulher que, certamente, é ou, em algum momento de sua vida, já foi vítima da opressão. Lembrar isto está longe de poupar Myriam de qualquer tipo de crítica. Pelo contrário. É apenas um lembrete de que o fato de alguém ser parte de um setor oprimido não a transforma, automaticamente, em aliado ou aliada na luta contra opressão.

Myriam é o caso exemplar de uma mulher que optou (e isto, sim, é uma opção, diferentemente da orientação sexual) em se aliar com os opressores. Uma opção totalmente coerente com um fator realmente determinante nesta história: a opção de classe feita pela deputada.

Integrada à elite, eleita por um partido burguês (apesar de seu discurso populista) e alimentada pela fúria cega do fundamentalismo cristão, Myriam Rios é apenas mais um exemplo degradante da lógica que move a burguesia: utilizar qualquer tipo de arma, inclusive a criminosa opressão, para explorar, perseguir e vitimar ainda mais os trabalhadores, sejam eles babás, sejam motoristas, professores etc.

Por estas e outras, como ensina a sabedoria popular (infinitamente superior à demonstrada pela excelentíssima deputada), só podemos dizer que Myriam Rios, no mínimo, perdeu a belíssima oportunidade de ficar com a boca fechada. E, se não aprendeu nada com a história, tenha certeza de que continuaremos lutando até que gente como ela não ouse abrir a boca para falar tanta bobagem.

Confira as pérolas da deputada carioca:
O “direito sagrado” de demitir uma lésbica
“Eu tenho que ter o direito de não querer um funcionário homossexual na minha empresa, se for da minha vontade. Digamos que eu tenho duas meninas em casa, seja mãe de duas meninas, e resolva contratar uma babá. E essa babá mostra que a orientação sexual dela é de ser lésbica. Se a minha orientação sexual não for essa, for contrária, e eu querer demiti-la, eu não posso. Eu vou estar enquadrada nessa PEC, como preconceituosa e discriminativa. Ué, são os mesmos direitos.”

A equiparação entre homossexualidade e pedofilia I
“O direito que a babá tem de se manifestar da orientação sexual dela como lésbica, eu tenho como mãe, de não querê-la na minha casa, para ser babá das minhas filhas. Me dá licença? São os mesmo direitos. Com essa PEC, eu vou ter que manter a babá na minha casa, cuidando das minhas meninas, e sabe Deus, se ela inclusive não vai cometer a pedofilia com elas. E eu não vou poder fazer nada. Eu não vou poder demiti-la.”

A equiparação entre homossexualidade e pedofilia II
“O rapaz escolheu ser homossexual, travesti. Aí contrato ele para ser motorista da minha casa e tenho dois meninos. Ele começa, então, a vir trabalhar vestido de mulher. Aí eu, como mãe dos dois, digo: ‘Opa, não é essa a minha orientação sexual aqui em casa. Aqui eu gostaria que meus filhos crescessem pensando em namorar uma menina, para perpetuar a espécie, como está em Gênesis’. No momento em que eu descobrir que o motorista é homossexual, e poderia, de uma maneira ou de outra, tentar bolinar o meu filho, eu não sei. De repente, poderia partir para uma pedofilia com os meninos. Eu não vou poder demiti-lo. A PEC não permite porque eu vou estar causando um prejuízo a esse rapaz homossexual. Se essa PEC passa e o rapaz tem uma orientação sexual pedófilo, e a orientação dele é ter relacionamento sexual com um menino de 3 a 4 anos, não vamos poder fazer nada porque ele estará protegido.”