Apesar das declarações anteriores de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil, de que a Alca “não é uma obsessão” para o Brasil, e declarações embaraçosas de Lula, a Alca subitamente “voltou à pauta” do governo, sem nunca ter saído dela. O governo brasileiro aguarda a posse do novo responsável pelo Comércio Exterior dos EUA, Robert Portman, para formalizar um pedido de reunião com Amorim, no dia 2 de maio, próxima segunda-feira –, paralelamente à reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, na França.

O prazo para o término das negociações negociado entre Bush e Lula – previsto para o 1° de janeiro deste ano – já se esgotou, e desde então o Brasil tem negociado acordos de câmbio livre, bilaterais ou regionais, com diversos países das Américas. Contrastando com a declaração do chefe da divisão da Alca no Itamaraty, Tovar Nunes, que afirma ser “quase impossível antecipar o que vai ocorrer na Alca”, a sinalização do Brasil de novas concessões em serviços na OMC aponta de forma inequívoca os (des)caminhos da Alca, no sentido da recolonização imperialista.

Passadas as visitas do Secretário de Defesa norte-americano, Donald Rusmfeld, a reeleição de Bush e a posse do novo representante comercial dos Estados Unidos, o governo Lula admite retomar as negociações da Área de Livre Comércio das Américas – como não poderia deixar de ser –, num patamar ainda mais rebaixado, com mais concessões ao capital imperialista. Como se vê, a visita de Condoleezza Rice, nova Secretária de Estado dos EUA, já rendeu seus dividendos políticos e econômicos.

As negociações da Alca encontram-se paralisadas desde a reunião de Puebla, no México, que pouco avançaram sobre o cenário de impasse gerado ainda em 2003 após a Reunião Ministerial da Alca em Miami, nos EUA. Na posição de co-presidentes das negociações, EUA e Brasil ensaiaram novas reuniões tentativas entre os representantes Peter Allgeier e Adhemar Bahadian, respectivamente, sem alcançar os resultados desejados. O cerne da querela consiste nas restrições que os Estados Unidos impõem à queda dos subsídios agrícolas, por um lado, e as reticências que o Itamaraty guarda em relação à rigidez das regras de propriedade intelectual previstas na Alca, por outro.

Mais do que a defesa dos “condenados da Terra”, como sugerira o filósofo marxista István Mészáros, o impasse expressa as disputas interburguesas entre finanças e agronegócio – expressão da nova divisão internacional do trabalho na mundialização do capital – e, ainda, a conversão de ex-operários como Lula ao credo do livre comércio.

OMC: dando os dedos, e cedendo os anéis
O diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, o embaixador Piragibe Tarrago, sinalizou a abertura comercial em serviços financeiros, telecomunicações e transportes na OMC, em troca da liberalização do comércio agrícola, reafirmando o “nacionalismo de fazendeiro” do governo Lula. A abertura dos setores ofertados – de relevância estratégica para amenizar a crise estrutural do capital que se arrasta há mais de 30 anos – soma-se às concessões anteriores: em serviços fotográficos, limpeza e turismo empresarial. A proposta de abertura face à superação da questão da conversão de tarifas no comércio agrícola – por parte da União Européia e do Japão – equivale a “dar os dedos, cedendo os anéis”. A proposta de liberalização atinge ainda a redução de tarifas industriais, que Tarrago insiste em “compatibilizar” com o desenvolvimento do parque industrial dos países de capital periférico.