A passagem dos “avôs do rock and roll” pelas areias de Copacabana, em 18 de fevereiro (com abertura do grupo AfroReggae), é uma ótima oportunidade para rever a história de uma banda que não só se confunde com a do rock, como também é, até hoje, um de seus melhores sinônimos. Uma banda que, apesar de suas muitas contradições, tem embalado os sonhos, a rebeldia e a diversão de gerações.

Começando, então, pelo capítulo das “contradições”, seria ingenuidade de qualquer um abstrair a montanha de dinheiro que envolve tudo o que se relaciona com os Stones e um show como este. Contudo, constatar a sempre presente capacidade do capitalismo em transformar em “business” toda e qualquer forma de expressão artística não pode significar desconsiderar a importância que os Stones têm na história da música e, acima de tudo, a inquestionável qualidade daquilo que eles têm feito.

Das raízes negras ao símbolo do deboche
A história dos Stones começou em maio 1962, na Inglaterra, quando os amigos Mick Jagger e Keith Richards foram convidados pelo guitarrista Brian Jones para montar uma banda de rhythm & blues.

Herdeiros diretos das raízes do rock (surgido na década anterior, a partir dos ritmos negros de gente como Chucky Berry e Little Richard), os Stones foram logo apontados como uma espécie de contraponto para o “bom-mocismo” dos Beatles, não só por causa do seu som mais “pesado”, mas principalmente pela atitude mais agressiva, debochada e rebelde de seus componentes.

Um ano depois, já com Charlie Watts nas baquetas, o primeiro “compacto” da banda comprovou seu vínculo com a cultura negra norte-americana ao trazer uma regravação de “Come on”, de Chuck Berry e “I Want To Be Loved”, do genial bluseiro Willie Dixon.

O primeiro álbum – The Rolling Stones – saiu em 1964, mas o sucesso mesmo só viria com Aftermath, o primeiro a trazer apenas canções inéditas, compostas por Jagger e Richards, cujo lançamento foi apimentado pela prisão de Jagger, por porte de drogas.

Nos anos seguintes, incursões pelo típico psicodelismo da época e releituras do “rhythm and blues” foram intercaladas por novos escândalos, o mais trágico deles envolvendo a morte de Brian Jones (encontrado morto em sua própria piscina, em 1969, depois de ter saído do grupo).

Em 1971, o grupo ganhou um símbolo que é uma tradução ímpar do deboche, da ironia e da irreverência que o caracterizam. Desenhado por Andy Warhol, que também fez a hipererótica capa do disco Sticky Fingers, a língua escandalosamente exposta entre carnudos lábios passou a ser definitivamente associada aos Stones e tornou-se um dos mais famosos da cultura pop do século 20.

De lá pra cá, muitas pedras já rolaram, mas o que mais importa é a verdadeira avalanche de músicas excepcionais que transformaram a banda no grupo de rock com a carreira mais duradoura do mundo.

Uma carreira na qual eles se mantiveram fiéis a uma de suas principais características: a rebeldia.

Pedradas contra a opressão e as injustiças
Para além da fortuna que a banda acumulou, o fato de Jagger ter aceito o título de “Sir” (cavaleiro), concedido pela rainha britânica, em 2003, inegavelmente não habilita a banda para entrar na lista dos mais “radicais”. No entanto, além de esse não ser o critério que revolucionários utilizaram em relação à arte, também não se pode dizer que os Stones são símbolos da alienação ou do descaso com a sociedade.

Se não bastasse chocoalhar permanentemente a mesmice no que se refere ao comportamento e ao conservadorismo, no decorrer de sua carreira não faltaram exemplos de posturas e músicas que combinaram excepcional musicalidade com protesto e crítica social.

Há um pouco de tudo. Existem ácidas e bem-humoradas críticas aos valores e à mediocridade da classe média (“Mother Little Helper”, 1966) e à alienação da juventude (“Get Off My Cloud”, 1977), como também há a exaltação àqueles que, em todo o mundo, saíram às ruas no fim dos anos 60, lutando por liberdade e, particularmente, contra a Guerra do Vietnã (“Street Fighting Man”, 1968).

Em 1972, eles lançaram “Sweet Black Angel”, um apaixonado “hino” em defesa da luta e da liberdade de Angela Davis, um das mais importantes dirigentes dos Panteras Negras. E, na década seguinte, surgiu uma também comovente denúncia sobre os crimes praticados pelas ditaduras e esquadrões da morte que, nas décadas de 70 e 80, infestaram a América Latina, prendendo, torturando e matando milhares de pessoas (“Undercover of the Night”, 1983).

Um torpedo contra Bush
Apesar dos precedentes, talvez a crítica mais contundente e política dos Stones seja uma faixa do disco que embala a turnê A bigger band, que vem ao Brasil.

Lançado em setembro passado, o disco traz a música “Sweet Neo Com” (“Doce Neoconservador”), escrita por Jagger, que contém os seguintes versos: “Você se denomina de cristão, eu te chamo de hipócrita / Você se chama de patriota, bem, eu acho que você é um monte de merda”.

Falando sobre a música, Jagger, com sua típica ironia, afirmou que ela não é uma referência a Bush, por causa de um simples motivo: ele jamais chamaria o presidente norte-americano de “doce” neoconservador.

Contudo, as referências à administração do presidente norte-americano continuam por toda a música, principalmente em relação aos “motivos” apontados para ocupar o Iraque, aos métodos utilizados pelo exército imperialista e às razões econômicas por trás do ataque, em passagens como: “É liberdade para todos / Democracia é o nosso estilo / Ao menos que você esteja contra nós / Então é prisão sem julgamento / Mas uma coisa é certa / A vida é boa em Halliburton…” (referência à multimilionária petrolífera, que já foi dirigida por Dick Cheney, o vice de Bush, uma das maiores beneficiadas pelas negociatas resultantes da ocupação do Iraque).
No mesmo disco, a música “Dangerous Beauty” volta-se particularmente contra os crimes cometidos na prisão de Abu Ghraib: “Quem você pegou lá, sob o capuz / Você parece tão gracioso naquelas fotografias / Com suas luvas de borracha / Mas você é um dos favoritos do Estado Maior”.

Diretas e corrossivas, músicas como essas só acrescentam mais brilho à história de uma banda que já nos presenteou com delícias como “(I Can Get No) Satisfaction”, “Start Me Up”, “Don’t Stop” e “Angie”, só para citar algumas poucas, dentre tantas que, nos últimos quarenta anos, proporcionaram momentos de prazer para tanta gente. Algo que só podemos reconhecer e festejar.

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