Decreto do governo venezuelano favorece as transnacionais, como GM e Ford, que montam e vendem veículos sem pagar impostos. Enquanto isso, os trabalhadores sofrem com baixos salários e acidentes de trabalhoO programa “Venezuela-Móbil” é muito parecido com outros programas de incentivos à produção e consumo de veículos novos em vigência em vários países, como o Brasil. É um programa baseado na eliminação do imposto IVA (equivalente ao ICMS) no processo produtivo, tanto dos veículos como do processo de comercialização. Segundo o vice-ministro de Comércio Interior, Martín Villarroel, dos 280 mil veículos que o setor automobilístico aspira comercializar até o fim do ano, 160 mil estarão destinados ao programa “Venezuela-Móbil”, o qual representaria quase 60% do volume das vendas. Uma estimativa de certa maneira exagerada, analisando as vendas realizadas no primeiro semestre.

Não obstante, se pelo menos 25% das vendas são do Programa “Venezuela-Móbil”, estaríamos falando de uma cifra de 70 mil veículos produzidos e comercializados com a isenção do imposto e, portanto, menos contribuição ao Tesouro Nacional. Em valores financeiros, é difícil calcular o impacto na comercialização, pois os veículos têm diferentes faixas de preços. Para que não fiquemos sem uma projeção financeira, podemos calcular de outra maneira. Uma projeção de 14% de 70 mil resulta um equivalente de 9.800 veículos. Já em relação ao impacto da isenção de imposto no processo de produção e montagem, é impossível calcular pois as montadoras na Venezuela não publicam seus custos e o SENIAT diz que “são números privados”.

A estrutura do “Venezuela-Móbil”
O Decreto 3693, de 30 de maio de 2005, nas suas considerações diz: “…o Estado desenvolve políticas de incentivo para promover o setor automobilístico, com a cessão de benefícios fiscais…” Benefícios fiscais para as transnacionais imperialistas, certamente. Esses benefícios são para a montagem de veículos, a aquisição de autopeças no mercado interno, nos países da subregião Andina e agora também no Mercosul. Os veículos na sua maior parte, vêm em forma de CKD, isto é, desmontados e posteriormente montados no país. Algumas autopeças de baixo custo são produzidas no mercado interno. Por exemplo, vidros, assentos, baterias e pneus. Há algumas autopeças, importantes diga-se de passagem, que são produzidas no país, fundamentalmente as produzidas pela transnacional Dana Corporation.

Expliquemos mais um pouco esse espiral de lucros. Vejamos casos concretos, como o da Ford ou da General Motors. Estas empresas têm suas fábricas no Mercosul. Com alta tecnologia, subsídios locais à produção, exportação e baixos salários. A Ford, por exemplo, produz no Brasil, nessas favoráveis condições, e envia em forma de CKD para a Venezuela. Ao chegar ao país, no marco do Mercosul, conta com preferências alfandegárias, além de não pagar o principal imposto. Que mais podem querer as transnacionais? Subsídios para a produção no Brasil, subsídios para a exportação, financiamento por parte do Banco Nacional de Extensão Econômico-Social, e por último, isenção do ICMS. Só lhes falta vender. Bom, para vender, de novo têm isenção. O resultado é um negócio redondo, e digamos super-redondo se a isto acrescentamos as rememoradas isenções de imposto aos ativos empresariais e imposto de dupla tributação, realizadas em 2003 para agraciar ao empresariado nacional e estrangeiro

A situação da classe trabalhadora
Visitar uma instalação de algumas das montadoras, para os que estão acostumados à indústria automobilística, é como voltar no tempo. Máquina e ferramentas obsoletas nos seus países de origem são utilizadas para armar, soldar e pintar veículos. Estes equipamentos obsoletos são os responsáveis por muitos acidentes graves e de doenças ocupacionais na indústria automobilística. Nas cabines de pintura, por exemplo, se utiliza pintura a base de toluênio e xilênio, que, como sabemos são reconhecidos cancerígenos proscritos nos países do primeiro mundo, onde se utiliza pintura diluída em água; então aproveitam e as mandam para cá, onde os equipamentos utilizam os mencionados solventes. Conversar com os operários da indústria automobilística é passar um tempo escutando histórias de hérnias de disco, inguinais e umbilicais, causadas por posições anti-ergonômicas, associadas a ritmos infernais de produção, sem tempo para descanso.

Os dirigentes sindicais são perseguidos, tirados da fábrica e não há inspeção do Trabalho ou Juiz que os reintegre. Trabalhadores de Vivex, uma autopeças produtora de vidros e que os vende sem pagar imposto, denunciam as más condições de trabalho e até ameaças físicas por parte dos capatazes. Enquanto isso, o filho do empresário Viso, Ernesto José, aos 21 anos de idade, com a mais-valia gerada por esses 400 operários, se dá o luxo de participar das corridas de Fórmula Um.

O Estado protege as transnacionais em detrimento dos trabalhadores
Para controlar os abusos da patronal durante muitos anos um setor do movimento sindical lutou pela aplicação do chamado Decreto de Solvência Trabalhista. Toda empresa que queira fazer negócios com o Estado ou gozar de regalias e isenções deve comprovar ao Ministério do Trabalho que é solvente em vários pontos, entre eles: que negociem com os representantes dos trabalhadores suas respectivas convenções coletivas, que não realizem demissões arbitrárias enquanto haja estabilidade, que reintegrem aos despedidos arbitrariamente (ou seja, acatem os erros judiciais), que garantam a segurança e higiene trabalhista etc.

Mas como denuncia Gerónimo Antón, em texto do portal aporrea.org, “…o Decreto de Solvência Trabalhista está se convertendo em letra morta, já que nem o Ministro do Trabalho, Doutor Ricardo Dorado, nenhum de seus subalternos, se deu o ‘trabalho’ de consultar aos trabalhadores e suas organizações, se efetivamente os empresários estão cumprindo com os direitos dos trabalhadores. Por isso surpreende que hoje se diga que o Ministério expediu 45.000 certificados de solvência e que Marcela Máspero se apresse a corrigir dizendo que são 50.000, mas nenhum deles diga a quantos sindicatos ou trabalhadores reunidos em assembléia foram consultados, para a expedição dos mencionados certificados. Definitivamente há algo estranho em todo este assunto.”
O caso Mitsubishi Motor Company da Venezuela
Nesta empresa onde há doenças por todos lados os trabalhadores começaram uma luta contra o calor. A fábrica localizada em Barcelona é literalmente um inferno de calor. A empresa fez de tudo e um pouco mais para não fazer as medições dos índices de calor. A pressão foi muito grande por parte dos trabalhadores. Tiveram que medir, mas falsificaram os dados. Os trabalhadores tomaram consciência da tramóia e seguiram com a pressão. Conseguiram que se aplicasse a normativa legal frente ao excesso de calor. Eles conquistaram o direito de trabalhar 45 minutos e descansar 15.

A empresa fez todos os malabarismos possíveis para acabar com a medida legal. Sua última cartada foi mandar o Embaixador do Japão reunir-se com a ex-ministra do Trabalho Maria Cristina Iglesias. O japonês queria de qualquer forma suspender a medida ditada pelos funcionários da Sra. Iglesias. Como boa revolucionária e antiimperialista, a Sra. Maria Cristina não duvidou e na hora de optar entre os trabalhadores venezuelanos e os capitalistas japoneses. Simplesmente optou pelos capitalistas. Os trabalhadores continuam se adoentando e expostos a cãimbras por stress calórico, doenças renais, alterações da tensão arterial e os AVC e ao mesmo tempo gerando acréscimo; fosse pouco, esta reunião também resultou em medida de suspensão dos processos de eleição de delegados de prevenção por parte dos trabalhadores que se vinham levando a cabo em outra transnacional montadora como é a japonesa Toyota da Venezuela, com sede na cidade de Cumaná. O resultado é claro: mãos de seda para os capitalistas e tapa na cara para os trabalhadores.

As transnacionais não têm do que reclamar na Venezuela
Os que acompanham minimamente as notícias econômicas sabem que a General Motors e a Ford acumularam nos últimos anos todos os efeitos da queda constante de suas taxas de lucro. É incorreto dizer que atacando este ou aquele problema se resolverão todos os problemas. Na verdade, a queda da taxa de lucros dessas empresas tem a ver com processos mais profundos da economia mundial. A Universidade de Michigan, através do Transport Research Institut, realizou um estudo que foi parcialmente publicado por The Wall Street Jorunal (13.05.05), no qual demonstram o lucro por veiculo nestas empresas. Os veículos conhecidos como SUV (sports utility vehicles), em 2001 estavam no seu auge de consumo / lucratividade. Um modelo como o Chevrolet Suburban, de GM, tinha uma margem de lucro de US$ 9.500 por veiculo. Um SUV médio como o Ford Explorer ou o Chevy Trail Blazer tinha 7.200 dólares de lucro médio. Mas esses carros consomem muita gasolina, e os altos preços do petróleo os fizeram inviáveis comercialmente.

Com o fim do boom dos SUVs, GM e Ford não tinham bons produtos para recuperar suas taxas de lucros. Seus veículos pequenos não conseguiram ter a mesma qualidade e confiabilidade dos carros produzidos no Japão ou a Coréia, por exemplo.
Como sempre costuma ocorrer nas crises dos capitalistas, a saída que eles escolhem é o aumento da taxa de exploração. Ford e GM como primeira medida fecham fábrioas nos EUA e juntas fecharam 18 fábricas, despedindo 60.000 trabalhadores. O seguinte passo foi deslocar suas operações para países onde os salários são mais baixos, as condições de trabalhos são sub-humanas e onde existam governos dispostos a dar-lhes incentivos.
No ano 2000 o Comitê Mundial de Empregados da Volkswagen gerou um importante estudo (e não voltou a fazê-lo depois) dando mostras do que afirmamos acima.

Vejamos esta machete “Ford perde no EUA ao mesmo tempo que obtém lucros na América do Sul” (Valor Econômico, 21.07.06). O texto explica muito bem como: “A Ford fechou seu décimo consecutivo trimestre com um lucro total na América do Sul”. A região, na qual o Brasil tem um peso superior a 70%, registrou um lucro líquido antes dos impostos de US$95 milhões, isto considerando desde abril até junho, apresentou um crescimento de 8%, tomando como comparação o mesmo período do ano 2005, quando apresentou um lucro de US$88 milhões. A automotora divulgou nos Estado Unidos uma perda de US$123 milhões, e disse que em 60 dias anunciaria medidas para cortar despesas. Isto provocou que suas ações se cotassem a US$ 6,33, o nível mais baixo registrado desde fevereiro de 1992”

Na Venezuela, a situação também é lucrativa. Segundo o gerente de Ford, Nelson Matamorros eles “aumentaram sua capacidade de produção em 70% para o programa ‘Venezuela-Móbil’, o qual ainda não foi suficiente para atender a demanda, e duplicaram a montagem de suas unidades mas vendidas…” (El Universal, 14.08.06). General Motors, líder do mercado, aumentou sua produção de 240 para 376 veículos diários, um aumento de 57% na produção.

Aqui ganham os capitalistas e perdem os trabalhadores
Nós consideramos e temos certeza que os capitalistas estão ganhando uma barbaridade na Venezuela. Primeiro aproveitando-se do salário mínimo, que no mês de junho era de 460 mil bolívares enquanto a cesta básica estava em 416 mil bolívares no mesmo mês, segundo o INE, órgão governamental. Além disso os direitos trabalhistas são poucos (recém-aprovada, em 2005, a Lei sobre Saúde e Segurança no Trabalho, que em outros países tem já seus 30 anos) e não há garantias de sua aplicabilidade como explicamos anteriormente.

As transnacionais não têm que chorar. Pablo Ross, executivo da GM , há um ano, no dia 02.06.05 afirmava: “a companhia GM produz 240 veículos diários, mas com a ajuda do governo aumentou para 300 unidades“. O ICMS está presente em todos os momentos da vida do trabalhador. Está presente na roupa e materiais escolares, na comida e etc. Todos têm que contribuir com 14%. Os pequenos negócios também têm que contribuir. Caso contrário são fechados pelo SENIAT. Enquanto isso, as transnacionais imperialistas, legalmente, não pagam ICMS por ordem governamental. Não há dúvidas. Com esse tipo de política econômica, nesta bonita revolução, ganham os capitalistas e perdem os trabalhadores.