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João Conceição

João Conceição, de São Paulo (SP)

No último dia 5 de abril, o deputado do PSL, Douglas Garcia, do mesmo partido de Jair Bolsonaro, assumiu-se gay em sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Isso depois de dirigir ofensas e ameaças transfóbicas à deputada do PSOL, Erica Malunguinho, dizendo que “[se uma pessoa trans] entrar no banheiro eu não estou nem aí, eu vou tirar primeiro no tapa e depois chamo a polícia”. Esse é o mesmo deputado adepto ao projeto Escola Sem Partido e que, no dia 21 de março, chamou os professores de “vagabundos” pelas greves e manifestações contra a reforma da Previdência.

Primeiro, achamos que todas as ameaças e ofensas criminosas de Douglas Garcia devem ser repudiadas, investigadas e punidas. Segundo, o que fica evidente em casos como esse,  membros de um grupo oprimido são tão capazes de reprodução de uma opressão quanto outros: Douglas Garcia não deixa de ser transfóbico porque se assumiu gay, assim como uma pessoa negra é capaz de um ato racista, uma mulher é capaz de reproduzir o machismo, etc. Com uma ressalva: os homens da classe trabalhadora que são machistas, por exemplo, ajudam inconscientemente os patrões em sua tarefa de explorar e oprimir a classe de conjunto; enquanto isso, Douglas Garcia, apesar de ser gay, reproduz o próprio ódio à identidade de gênero e de classe exprimidos pelos exploradores e pelo governo do qual faz parte.

A luta contra opressões e a luta dos trabalhadores
A partir desse e de diversos outros casos de opressão e ataques, surgem debates sobre a relação entre os grupos oprimidos e a sua união na luta de classes junto à classe operária e aos trabalhadores. Vamos começar pelo começo: por mais que o liberalismo, a social-democracia e o pós-modernismo projetem a falsa ideia da possibilidade de superação das opressões mesmo dentro do capitalismo, a nossa luta está desde o princípio ligada ao objetivo de dar fim a esse sistema que nos explora e massacra com requintes de crueldade.

A luta dos grupos oprimidos são lutas que surgiram no seio da luta dos trabalhadores mais pobres e explorados. Desde Zumbi e Dandara, dos quilombos e dos escravizados rebelados, a luta do povo negro se constrói com rebelião contra os de cima e unidade dos de baixo. Nos EUA, e no mundo inteiro, as LGBTs sempre foram violentadas e reprimidas, e foi assim que, há 50 anos no bar Stonewall as LGBTs (em sua maioria imigrantes e pobres) levantaram barricadas contra os policiais agressores, e através do confronto e enfrentamento direto, venceram uma batalha. E foi no 8 de março de 1917, em Petrogrado, que explodiu a greve espontânea das operárias tecelãs e costureiras, o que desencadeou uma greve geral insurrecional contra a fome, a guerra e o czarismo, e inflamou o que veio a ser a Revolução Russa.

Todos esses movimentos se dão desde o início como uma demonstração de que a opressão desses grupos está a serviço da exploração dos de baixo pelos ricos e poderosos, pelos patrões e representantes da “Casa Grande”. E até hoje, não só o capitalismo não libertou (e não libertará) os oprimidos de sua opressão, mas a aprofundou: seja para superexplorá-los e aumentar os lucros dos capitalistas, seja para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora. Portanto, as demandas democráticas e econômicas dos oprimidos são parte das lutas gerais da classe operária, e parte incondicional da luta dos socialistas antes, durante e depois da revolução.

Alguns limites
A resposta a essa questão faz parte de uma das controvérsias mais importantes nos movimentos de luta contra as opressões: quem é o sujeito social da emancipação dos oprimidos. Algo que não deve ser ignorado é que as mulheres, as LGBTs, os negros de conjunto formam um grupo policlassista – ou seja, um grupo composto por diversas classes sociais.

Por exemplo, Dilma, Barack Obama, Douglas Garcia e tantas outras mulheres, negros e LGBTs foram e são representantes da patronal, da burguesia nacional e do imperialismo. Ainda que sofram opressão, governam e legislam desferindo ataques contra a classe trabalhadora, para a elite de seus países e no mundo. Não são nossos irmãos, não nos representam.

Os interesses dos trabalhadores e pobres oprimidos são distintos e inconciliáveis do dos ricos e poderosos, mesmo que esses sejam oprimidos também. Inclusive as necessidades e tarefas para superação da opressão dos mais pobres são radicalmente opostas às desses senhores e senhoras que podem comprar seus direitos e ainda usufruir explorando seus irmãos, utilizando os direitos dos trabalhadores como moeda de troca. Nossa unidade tem que se dar entre os de baixo, entre os trabalhadores e o povo pobre, sem conciliação com nossos próprios carrascos.

Não existe capitalismo sem opressão
A nossa luta tem que colocar na ordem do dia os nossos direitos democráticos e de autodeterminação, mas não pode de jeito nenhum parar por aí. A luta para libertar os oprimidos só pode ser vitoriosa se for tomada do ponto de vista da luta contra a exploração capitalista, e subordinada a ela, a vitória sobre o capitalismo só pode ser assegurada através da unidade de toda a classe operária na luta revolucionária. Isso pressupõe incorporar as demandas dos setores oprimidos em nosso programa e em nas lutas gerais, lutando com todas as forças contra todas as formas de opressão no interior da classe.

Não existe capitalismo sem LGBTfobia, racismo e machismo, sem perseguição e ataque aos indígenas e refugiados. A luta contra as opressões necessita ser retomada pela classe operária e os trabalhadores pobres de conjunto (homens e mulheres, negros, brancos e indígenas, LGBTs e cis-héteros…). Só unindo essa primeira à luta de morte contra o sistema econômico e social que as gera, o capitalismo, é que criaremos uma sociedade verdadeiramente livre de qualquer exploração e opressão.

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