Crise nas commodities e fuga de capitais expõem dependência da economia brasileiraA crise econômica e financeira que toma conta dos EUA vai mostrando sua força enquanto seus efeitos já são sentidos em todo o mundo. Mitos construídos ao longo dos últimos anos de crescimento são postos à prova. E derrubados.

Um deles é o do suposto crescimento sustentado do Brasil. De acordo com o governo Lula os chamados “fundamentos” da economia, ou seja, a política econômica neoliberal sustentada nos últimos anos, blindou o país da crise. Desta forma, o Brasil sentiria muito pouco os seus efeitos. As últimas notícias, no entanto, desmentem esse argumento.

A drástica redução do preço das commodities coloca em xeque a tese da blindagem. As commodities são os produtos primários de exportação, como a soja, os minérios e mesmo o petróleo, cuja cotação depende do mercado internacional. Um dos principais pilares do crescimento do país nos últimos anos foram as exportações desses produtos, que garantiram superávit na balança comercial e nas transações correntes, a conta de tudo o que o país compra e vende. Ou seja, o Brasil mais vendia produtos do que comprava. Entrava mais dinheiro do que saía. A realidade é que isso, porém, está mudando rapidamente.

Debandada
Os preços das commodities está baixando como reflexo direto do desaquecimento econômico. O principal mercado do mundo, o norte-americano, retrai-se rapidamente. A alta nos preços vem provocando a queda do consumo. A inflação ao consumidor no país atingiu seu pico mais alto em 17 anos, acumulando 5,6% nos últimos doze meses.

A China tem nos EUA a principal rota de suas exportações e, cedo ou tarde, vai acabar diminuindo sua demanda por matérias primas. Segundo o analista Hong Liang, do banco Goldman Sachs, “a China já se desacelerou consideravelmente, mas passará por desaceleração ainda maior”. O preço das commodities, infladas pela ação dos especuladores, está voltando ao normal e despenca ante à expectativa de agravamento da crise. Só em agosto os preços dos produtos primários de exportação já caíram mais de 12%. Foi a maior baixa da década.

Ocorre que eram justamente os preços inflados que provocavam o bom resultado do país no balanço de pagamentos, ou seja, o balanço das exportações versus importações. Depois de cinco anos de lucros fáceis, com o estouro da bolha os investidores fogem do país como ratos em um navio naufragando. O impacto disso é sentido uma vez que as commodities representam mais da metade do volume de ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo.

Só neste ano, mais de R$ 15 bilhões saíram do país. Com a fuga dos investidores, as empresas brasileiras ligadas ao setor sofrem uma brutal desvalorização. Mesmo as gigantes Vale e Petrobras, apesar dos lucros astronômicos, perdem valor de mercado. Juntas, se desvalorizaram 47%, o que representa nada menos que R$ 177 bilhões só entre os meses de maio e julho. Posteriormente, o anúncio do segundo maior lucro da história da Petrobras no primeiro semestre reverteu parte dessas perdas, mas não inverteu a lógica da fuga de capitais.

Após o déficit de 17 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2008, o maior da história, o próprio Banco Central projeta para este ano um déficit total de 21 bilhões de dólares nas transações correntes. Seria o primeiro déficit desde 2002. Já o mercado financeiro é ainda mais pessimista e prevê déficit de US$ 25 bilhões este ano e US$ 33 bilhões no ano que vem. A rápida piora desse cenário pode ser vista lembrando a estimativa do Ipea para o déficit em 2008, realizada no começo do ano. O instituto previa déficit de 11 bilhões de dólares, quase o triplo do que se prevê agora.

Remessas e crise
Além da baixa na cotação dos produtos primários de exportação, os prejuízos trazidos pela crise também levam os investidores a tirar dinheiro do país para cobrir o rombo lá fora. Mesmo fenômeno que explica as remessas recordes dos lucros das multinacionais aqui instaladas. Nos primeiros seis meses do ano as multinacionais tiraram do país 19 bilhões de dólares. Quase o dobro dos lucros remetidos no mesmo período do ano passado.

As remessas de lucros foram lideradas pelo setor automobilístico, seguido pelos bancos e o setor metalúrgico. Os lucros que as multinacionais têm no Brasil são remetidos para fora a fim de compensar os prejuízos nos EUA. A General Motors, por exemplo, enquanto lucra no país e aumenta suas vendas em 32%, só nesse primeiro semestre, amarga uma redução de 16,5% nas vendas nos EUA.

Isso explica porque uma conjuntura de crescimento e aumento dos lucros não se traduz em um significativo aumento dos empregos e salários, mas o oposto. A crise faz com que se eleve ainda mais as pressões contra os reajustes de salários frente à inflação e, mais ainda, pela retirada de direitos, como tentou recentemente a GM em São José dos Campos (SP).

Ataques no horizonte
O déficit cada vez maior e a perspectiva de aprofundamento da crise levarão a um recrudescimento cada vez maior dos ataques aos trabalhadores. Além da inflação que já é sentida na mesa de grande parte da população, o déficit em conta corrente vai levar o governo a apertar ainda mais sua política econômica. Partes cada vez maiores do orçamento público serão desviadas de áreas como saúde e educação a fim de garantir o superávit primário e a tranqüilidade dos especuladores internacionais.

A redução nos preços das commodities num primeiro momento representa um alívio na pressão inflacionária internacional. A queda nos preços, por outro lado, representa a redução dos lucros e da produção, apontando para a recessão.

A crise e seus desdobramentos vão mostrando assim a verdadeira face da política econômica de Lula. Aproveitando-se de uma conjuntura econômica internacional favorável, o governo do PT aprofundou o neoliberalismo de seus antecessores e tornou o país ainda mais vulnerável. O próximo período mostrará quão curtas são as pernas das mentiras propagadas pelo governo nos últimos anos.

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